Eles me humilharam publicamente, forçando-me a uma proposta de casamento de mentira com um cachorro, enquanto meu pai morria em um hospital, com seu tratamento deliberadamente interrompido por Caio para tomar o controle da empresa da nossa família.
No funeral do meu pai, descobri que Bruna havia misturado suas cinzas em sua "arte", uma obra-prima doentia que ela então incendiou, queimando o último pedaço físico dele. Fui espancada pelos amigos de Caio, deixada para morrer, meu corpo quebrado, meu espírito estilhaçado.
Eu estava morrendo, mas um médico, Dr. Arthur Evaristo, me ofereceu a chance de uma nova vida, uma chance de me tornar um fantasma no mundo que me traiu.
Capítulo 1
Os portões pesados da prisão rangeram ao se abrir. Três anos. Parecia uma vida inteira. O ar, fresco e livre, encheu meus pulmões, um contraste gritante com o ar viciado e reciclado a que eu me acostumara.
Fiquei ali por um momento, deixando o sol aquecer meu rosto. Eu havia prometido a mim mesma que não choraria. Este era um novo começo.
Meu olhar caiu sobre um carro preto e elegante estacionado junto ao meio-fio. Caio Esteves estava encostado nele, seu terno impecável, seu sorriso tão ofuscantemente carismático quanto no dia em que o conheci. Ele era a razão de eu estar aqui. E ele era a razão pela qual eu havia sobrevivido.
Ele havia me prometido. "Apenas três anos, Alana. Assuma a culpa por mim, pela empresa. O IPO é tudo. Assim que for concluído, vou compensar tudo para você. Vamos nos casar. Teremos a vida que sempre sonhamos."
Eu acreditei nele. Como poderia não acreditar? Eu o amava mais que a minha própria vida. Então, confessei um vazamento de dados corporativos gigantesco que não cometi, um vazamento que quase levou sua empresa, a EstevesTec, à falência antes de sua crucial oferta pública inicial.
Ele abriu os braços e eu caminhei para seu abraço, enterrando o rosto em seu peito. O cheiro familiar de seu perfume importado caríssimo deveria ser reconfortante, mas algo parecia errado.
"Senti sua falta", ele murmurou em meu cabelo.
"Eu também senti a sua", disse eu, com a voz embargada.
"Tenho uma surpresa para você", disse ele, afastando-se para me olhar. "Uma comemoração. Todos estão esperando."
Ele nos levou a um bar de luxo na cobertura de um prédio, com as luzes da cidade de São Paulo brilhando abaixo como um mar de diamantes espalhados. O lugar estava lotado com seus amigos, a elite do mundo da tecnologia. Eles aplaudiram quando entramos. O champanhe jorrava.
Caio manteve o braço ao meu redor, um sorriso orgulhoso no rosto. Mas seus olhos estavam distantes.
"Preciso usar o banheiro", sussurrei para ele depois de um tempo.
Ele assentiu, sua atenção já voltada para uma conversa com outro CEO.
Enquanto eu caminhava pelo corredor, ouvi vozes de um lounge privado, a porta ligeiramente entreaberta. Reconheci a risada instantaneamente. Era Bruna Queiroz, amiga de infância de Caio e minha antiga rival da faculdade.
"Não acredito que ela realmente caiu nessa", a voz de Bruna escorria um prazer malicioso. "Três anos. A idiota ficou três anos mofando na cadeia."
Outro homem riu. "Caio, você é um gênio. Fazer com que ela assumisse a culpa não só salvou seu IPO, mas também permitiu que você esmagasse a Viana Inovações. Tomada hostil da empresa do velho dela? Poético."
Meu sangue gelou. Pressionei meu ouvido mais perto da porta, meu coração martelando contra minhas costelas.
A voz de Caio, suave e cruel, juntou-se a eles. "Ela sempre foi fácil de manipular. Bastaram algumas palavras doces e uma promessa de casamento. Patético, de verdade."
Viana Inovações. A empresa do meu pai.
Bruna suspirou dramaticamente. "Bem, ela mereceu. Roubar meu projeto na competição da faculdade... ela arruinou minha carreira antes mesmo de começar. Isso foi vingança. Uma vingança perfeita, lenta e que destruiu sua reputação."
A acusação de plágio. Era uma mentira. Eu nunca havia roubado nada dela; meu trabalho era comprovadamente superior, e foi por isso que ganhei. Mas ela espalhou o boato, e Caio... Caio aparentemente guardou esse rancor por ela todos esses anos.
Meu corpo inteiro ficou dormente. O amor, o sacrifício, a esperança que foram minha tábua de salvação por três anos - tudo não passava de uma mentira meticulosamente arquitetada. Um jogo.
Uma dor aguda e violenta explodiu na minha cabeça, tão intensa que minha visão ficou turva. Apoiei-me na parede, ofegante. As dores de cabeça vinham piorando na prisão, mas eu as havia descartado como estresse. Duas semanas antes da minha soltura, o médico da prisão me deu a notícia. Glioblastoma. Um tumor cerebral terminal.
Eu tinha seis meses, talvez menos.
Eu decidi não contar a Caio, não imediatamente. Não queria que nosso reencontro fosse nublado pela pena. Que tola eu fui.
"E agora?", alguém perguntou dentro do lounge. "Você vai manter a heroína trágica por perto?"
Bruna riu de novo, um som como vidro se quebrando. "Claro que não. Ele vai enrolá-la por um tempo, por aparências. Depois, vai dispensá-la. Consegue imaginar as manchetes? 'Ex-presidiária Alana Viana, abandonada pelo CEO que ela 'salvou''. Será o prego final no caixão dela."
"Talvez ela nos faça um favor e simplesmente desapareça", acrescentou Caio, seu tom entediado. "Ela não vale nada agora, de qualquer maneira."
Minha mente ficou em branco. O mundo se dissolveu em um rugido sem sentido. Eu não conseguia sentir minhas mãos, meus pés. Era uma frieza que se infiltrava em meus ossos, muito pior que o frio do inverno da minha cela.
A memória de seu rosto há três anos, implorando para mim, seus olhos cheios de um suposto amor e desespero, brilhou em minha mente. "É apenas um pequeno sacrifício pelo nosso futuro, Alana. Juro que passarei minha vida compensando você."
Mentiras. Tudo.
A dor na minha cabeça não era nada comparada à agonia que rasgava minha alma. Ele não apenas me traiu. Ele orquestrou a aniquilação completa da minha vida, da minha reputação, do legado da minha família. Meu pai... o choque da minha condenação o colocou em coma. Eu não pude vê-lo uma única vez.
Afastei-me da porta, meus movimentos rígidos e robóticos. Eu não podia encará-los. Não podia deixá-los me ver desmoronar.
Afastei-me, atravessando as multidões risonhas e saindo para o ar frio da noite. As luzes da cidade agora pareciam zombar de mim.
Peguei meu celular, meus dedos tremendo tanto que mal conseguia discar. Encontrei o número que havia salvado, aquele que rezei para nunca precisar usar tão cedo.
Tocou duas vezes antes que uma voz calma e profissional atendesse. "Consultório do Dr. Evaristo."
"Aqui é Alana Viana", eu disse, minha própria voz soando estranha e oca. "Eu... eu entrei em contato com você sobre a doação de pesquisa post-mortem."
"Sim, Sra. Viana. Temos seu arquivo."
Uma única lágrima, quente e amarga, finalmente escapou e traçou um caminho pelo meu rosto congelado.
"Eu concordo", sussurrei, meu mundo desabando na escuridão. "Pode ficar com o meu cérebro. Quando estiver pronto."