A vaga está te esperando há três anos, Elisa. É só dizer sim.
A voz no telefone era calma, profunda e familiar. Era Heitor Montenegro, seu antigo mentor, agora um arquiteto de renome mundial.
A vaga está te esperando há três anos, Elisa. É só dizer sim.
A voz no telefone era calma, profunda e familiar. Era Heitor Montenegro, seu antigo mentor, agora um arquiteto de renome mundial.
Uma hora antes, ela havia assinado os papéis para que seu irmão mais novo, Caio, fosse transferido para os cuidados paliativos. O tratamento experimental que poderia salvá-lo exigia um depósito de duzentos e cinquenta mil reais que ela não tinha. Suas economias tinham acabado, e sua empresa, construída do zero com seu namorado, Breno Vargas, era um sucesso, mas ele a havia bloqueado de todas as contas.
Quando ela se levantou para penhorar seu relógio Rolex, uma comoção explodiu. Breno irrompeu pelas portas, amparando Daniela Chaves, que se queixava dramaticamente de um tornozelo torcido. Ele nem sequer olhou na direção dela.
Ele a viu, a puxou para dentro de um almoxarifado e sibilou: "O que você está fazendo aqui? Isso tudo faz parte do plano. Estou fazendo ela pensar que venceu." Ele enfiou dois mil reais na mão dela, dizendo para ela sair antes que Daniela a visse.
Ele achava que ela estava ali por dinheiro, por uma merreca. Ela deixou as notas caírem no chão. Ele era tão bom em mentir, em atuar. Ele não via sua dor, seu luto, apenas um inconveniente para seu grande esquema.
Tinha acabado. Ela soube com uma certeza que era ao mesmo tempo aterrorizante e libertadora. Era hora de ir para Curitiba.
Capítulo 1
- A vaga está te esperando há três anos, Elisa. É só dizer sim.
A voz no telefone era calma e profunda, um som familiar de outra vida. Heitor Montenegro. Seu mentor da pós-graduação. Agora, um arquiteto de renome mundial em Curitiba.
- Todo mundo no escritório de Curitiba sabe o seu nome. Eles acham que sou louco por manter uma vaga de sócia sênior aberta para uma aluna que não vejo há sete anos.
Elisa Magalhães encostou a cabeça na parede fria e estéril da sala de espera do hospital.
- Eu aceito - disse ela, com a voz vazia.
Ela desligou o telefone.
O silêncio do corredor era pesado, quebrado apenas pelo bipe rítmico e distante de uma máquina.
Uma hora atrás, ela havia assinado os papéis. Caio, seu irmão mais novo, estava sendo transferido para os cuidados paliativos.
O tratamento experimental que poderia tê-lo salvo exigia um depósito de duzentos e cinquenta mil reais. Ela não tinha. Suas economias tinham acabado, gastas nos ciclos intermináveis de tratamentos convencionais que haviam falhado.
Sua empresa, o escritório que ela construiu do zero com seu namorado, Breno Vargas, era um sucesso. Mas sua parte nos lucros era intocável. Breno a havia bloqueado das contas. Ele disse que era temporário, uma jogada de negócios. Ele dizia muitas coisas.
Ela havia sido afastada dos amigos e até mesmo de sua própria família, que pensava que ela estava vivendo uma vida perfeita em São Paulo com seu parceiro brilhante e bem-sucedido. Eles não sabiam que ela estava sozinha.
Ela havia tentado de tudo para conseguir o dinheiro. Empréstimos foram negados. Amigos com quem não falava há anos não atendiam o telefone. Seu mundo havia encolhido para essa única e desesperada necessidade.
Seu polegar traçou o metal frio do relógio em seu pulso. Um Rolex. Um presente de Breno em seu quinto aniversário. Ele havia dito que era um investimento, um símbolo do futuro deles.
Seu valor real deveria ser uma rede de segurança. Agora, era apenas um lembrete de uma promessa que não significava nada.
Ela já havia verificado online. Uma avaliação rápida oferecia quarenta mil reais. Era uma piada cruel. O suficiente para mais algumas semanas de medicação inútil, mas nem de perto os duzentos e cinquenta mil que salvariam uma vida.
Ainda assim, era alguma coisa. Ela respirou fundo, pronta para encontrar uma casa de penhores, pronta para fazer qualquer coisa.
Quando se levantou para sair, uma comoção explodiu no final do corredor. Um homem irrompeu pelas portas, uma mulher agarrada ao seu braço.
O sangue de Elisa gelou. Era Breno. E com ele, Daniela Chaves.
A tela do celular de Elisa, que ela ainda segurava, se estilhaçou ao atingir o piso de linóleo polido. Ela havia sido esbarrada por uma enfermeira que corria em direção ao barulho.
Breno nem sequer olhou em sua direção. Todo o seu foco estava em Daniela, que se queixava dramaticamente sobre o tornozelo torcido. Ele a amparava como se ela fosse feita de vidro, seu rosto uma máscara de preocupação.
- A do tornozelo torcido ganha toda a atenção - uma mulher sentada perto murmurou para o marido. - É sempre assim. Um draminha e você consegue tudo.
Elisa rapidamente se abaixou para pegar seu celular quebrado, escondendo o rosto. Ela não podia deixar que a vissem ali. Não daquele jeito.
Mas era tarde demais. Breno, depois de acomodar Daniela com uma enfermeira, a avistou. Seu rosto mudou. Ele caminhou até ela e agarrou seu braço, puxando-a para um almoxarifado vazio.
- O que você está fazendo aqui? - ele sibilou, a voz baixa e urgente.
- E por que você está com ela? - ele acrescentou, seus olhos dardejando em direção ao corredor. - Eu te disse, isso tudo faz parte do plano. Estou fazendo ela pensar que venceu.
Ele pegou a carteira e tirou algumas notas, enfiando-as na mão dela. Dois mil reais.
- Vai. Sai daqui antes que ela te veja. Isso vai estragar tudo. Apenas confie em mim.
Elisa olhou para as notas amassadas em sua palma. Ele achava que ela estava ali por dinheiro. Por uma merreca.
Uma risada amarga quase escapou de seus lábios. Ela estava no mesmo hospital onde seu irmão estava morrendo por causa desse homem, e ele estava lhe dando dinheiro para calar a boca.
Ela não disse nada. Apenas abriu a mão e deixou os dois mil reais caírem no chão.
Os olhos de Breno se arregalaram, um lampejo de confusão cruzando seu rosto. Ele estava acostumado à sua obediência, à sua compreensão silenciosa.
- Elisa, não seja difícil - disse ele, sua voz suavizando para o tom manipulador que ele usava quando queria algo. - Só mais um pouco. Estou prestes a fechar o negócio. A cobertura está quase nossa.
A cobertura. O plano. O futuro deles. Tudo parecia uma história da vida de outra pessoa.
Ela não sentia nada. A parte dela que podia sentir traição já havia sido arrancada. A parte que podia sentir esperança estava com Caio em um quarto no final do corredor, desaparecendo a cada bipe do monitor.
Ela havia perdido tudo. A empresa que co-fundou. O homem que amava. Sua família, para quem não suportava contar a verdade.
E agora, Caio.
Ela viu claramente então. O Breno que ela amava não existia mais. Talvez nunca tivesse existido.
A porta do almoxarifado rangeu ao se abrir, e uma enfermeira espiou.
- Com licença, vocês estão com a paciente que acabou de chegar?
Breno deu um pulo, assustado. Ele olhou para Elisa, seus olhos suplicantes.
Ele respondeu à enfermeira, sua voz suave e charmosa novamente.
- Sim, essa é minha... colega. Ela está bem?
Ele era tão bom nisso. Mentir. Atuar.
A voz de Daniela ecoou pelo corredor, um grito estridente e exigente.
- Breno! Onde você está?
Breno agarrou os ombros de Elisa.
- Vá para casa. Eu te ligo mais tarde. A gente resolve isso.
Ele olhou para ela, esperando que ela assentisse, que aceitasse sua história, que fosse a namorada boa e paciente que sempre fora.
Mas Elisa apenas o encarou de volta, seus olhos vazios.
Ele não via a dor. Ele não via o luto. Ele só via um inconveniente para seu grande esquema.
Ele a soltou e saiu correndo do almoxarifado, seus passos ecoando enquanto ele corria de volta para Daniela.
Elisa ficou sozinha na penumbra, o cheiro de antisséptico enchendo seus pulmões.
Ela se abaixou lentamente, não para pegar o dinheiro, mas para limpar o toque de Breno de seus braços.
Tinha acabado. Ela soube com uma certeza que era ao mesmo tempo aterrorizante e libertadora.
Era hora de ir para Curitiba.
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