Por Mariah Torres
- Vai sair assim?
A pergunta cortou o ar como uma faca, mesmo dita em tom calmo.
Olhei para Daniel, encostado na porta do quarto com os braços cruzados e o olhar fixo na minha saia azul. Não era curta. Não era justa. Era só uma saia. Mas pra ele, qualquer coisa que me fizesse sentir bonita era ameaça.
- É a mesma de sempre. ( respondi, tentando manter a voz neutra enquanto recolhia meus livros. )
- Eu só quero chegar cedo na aula. A professora vai revisar o conteúdo do estágio.
Ele se aproximou devagar, como quem mede o espaço entre o controle e o descontrole.
- Achei que a gente já tinha conversado sobre isso. Sobre como você se veste e sobre o tipo de atenção que isso atrai.
- Daniel, ninguém olha pra mim. Eu sou só mais uma aluna entre dezenas.
- Justamente. ( ele sussurrou, se inclinando até meu ouvido. ) - Justamente por isso.
Seu tom era doce demais. Falso demais.
Me afastei, fingindo não notar o veneno por trás das palavras. Era sempre assim. Primeiro ele falava baixo, depois vinha a explosão.
Nos conhecemos na universidade. Ele cursava Direito, eu Pedagogia. Nos primeiros meses, ele era encantador. Mandava flores, esperava na porta da minha aula, dizia que queria cuidar de mim. Eu acreditava. Depois da morte da minha mãe, eu precisava desesperadamente de um "porto seguro".
Mas Daniel não era abrigo. Era tempestade.
Me convenceu a sair do estágio num consultório pediátrico que eu adorava.
Disse que não era lugar pra uma mulher comprometida. Depois, afastou minhas amigas, criticou minhas roupas, meus sonhos. Dizia que pedagogia não era profissão, que trabalhar com crianças era perda de tempo. Que eu devia pensar em dinheiro, não em vocação.
E eu? Eu fui cedendo.
Porque quando você está fragilizada, com feridas abertas, aceita migalhas achando que é amor.
- Quer saber? Eu troco. ( eu disse por fim, num tom manso. Não por ele. Por mim. Por medo. )
Ele sorriu, satisfeito.
- É isso. Você é minha! Você sabe que eu te amo né?
"Amor". Aquela palavra já não significava nada na boca dele.
*******
No caminho até a faculdade, ele manteve o mesmo discurso de sempre: que eu não precisava de mais ninguém. Que sabia quem andava pelos corredores. Que, se alguém se aproximasse de mim, ele saberia.
Ao me deixar no portão, me deu um beijo longo e molhado demais. Um beijo que mais parecia uma tatuagem territorial.
Quando o carro desapareceu na esquina, soltei o ar preso nos pulmões e quase desabei ali mesmo.
Na entrada do campus, vi Clara, minha colega de turma.
- Demorou pra sair daquele carro, hein? ( ela brincou, mas seus olhos diziam outra coisa. Preocupação. )
- Ele só estava conversando. ( respondi, baixando o olhar. )
Clara não insistiu. Já sabia que tinha coisas que eu não conseguia dizer em voz alta.
- Um dia você ainda vai sair disso, Mari. De verdade. ( ela sussurrou, antes de entrar comigo no prédio. )
Clara e eu caminhamos juntas pelos corredores da faculdade, mas minha mente estava em outro lugar. Eu me sentia como uma mariposa presa em uma teia de aranha, incapaz de escapar.
A figura assustadora de Daniel ainda rondava meus pensamentos, suas palavras venenosas ecoando em minha cabeça.
Eu precisava encontrar uma maneira de sair dessa situação tóxica, mas a ideia parecia impossível.
Eu só não sabia que fugir de Daniel não seria o fim.
Seria o começo de um novo tipo de prisão.
Com nome.
Com olhos escuros.
E com um poder que faria meu corpo tremer por razões completamente diferentes.
Leon Helk.