- Estou me divertindo - respondeu Selin, com um sorriso tímido. - Só... observando.
Na verdade, Selin estava tentando ignorar o leve incômodo no estômago. Na manhã seguinte, ela começaria a trabalhar no tribunal mais prestigiado da cidade. O nervosismo era inevitável, mas disfarçado por trás de seu olhar firme e postura elegante.
Ela se virou para pegar uma taça de espumante quando, sem querer, esbarrou em alguém.
- Oh! Me desculpe - disse, instintivamente, enquanto gotas da bebida respingavam em seu pulso.
- Eu que peço desculpas - respondeu uma voz masculina, grave e serena. - Está tudo bem?
Selin levantou o olhar. À sua frente, um homem de terno escuro e olhar atento a observava com um sorriso discreto. Cabelos castanho-escuros levemente bagunçados, barba bem feita e um ar intrigante. O tipo de homem que chamava atenção não apenas pela aparência, mas pela energia silenciosa que emanava.
- Só um pequeno acidente - disse ela, limpando o punho com um guardanapo. - Nada grave.
- Ainda assim, deixaria que eu lhe oferecesse outra taça? - ele perguntou, com gentileza.
- Por que não?
Enquanto ele sinalizava ao garçom, Selin tentou disfarçar o interesse. O que havia naquele homem? Era como se ele soubesse exatamente quando sorrir, como se calculasse cada palavra. Um charme natural, sem esforço.
- Isacc - disse ele, estendendo a mão.
- Selin - respondeu, apertando a mão dele. O toque era firme, quente. Familiar, de um jeito desconcertante.
- Primeira vez por aqui? - perguntou ele, pegando duas taças do garçom.
- Sim. Na verdade, é uma comemoração... Vou começar no tribunal amanhã.
- Que coincidência - ele respondeu com um leve arquear de sobrancelha. - Também trabalho no meio jurídico.
Selin riu.
- Jura? Com esse ar de mistério, eu chutaria... escritor. Ou músico.
Isacc deu uma risada curta, sincera.
- Gosto da ideia. Mas infelizmente, nada tão poético assim.
Do outro lado do salão, Eric, o delegado amigo de Isacc, trocou olhares com Pablo, o promotor, enquanto observavam a cena.
- Ele está mesmo conversando com ela? - murmurou Pablo. - Isso é raro.
- Muito raro - disse Eric, curioso. - Mas... gostei da garota. Tem algo diferente nela.
De volta à conversa, Selin e Isacc caminhavam lentamente para longe do bar, imersos em uma troca natural.
- E você? O que te trouxe até aqui? - perguntou ela.
- Digamos que um convite insistente de amigos - respondeu ele, olhando discretamente para Eric e Pablo. - Mas estou feliz por ter vindo.
- Por quê? - ela perguntou, com um leve sorriso, provocando.
- Porque te encontrei.
Selin sentiu o coração bater mais rápido. Havia algo na forma como ele a olhava... como se visse além. E isso a perturbava - e a fascinava ao mesmo tempo.
Naquela noite, sem saber, Selin havia cruzado o olhar com o homem que mudaria sua vida. Um homem cujo nome, em poucos dias, se tornaria um dos mais temidos - e respeitados - dentro do tribunal onde ela trabalharia.
Mas naquela festa, ele era apenas Isacc. Simples. Misterioso. E irresistivelmente encantador.
Mal sabiam eles que o destino já havia amarrado seus caminhos com correntes invisíveis.
A manhã seguinte chegou com o céu cinzento e o ar carregado de expectativa.
Selin ajeitou a gola da camisa branca diante do espelho. Seu reflexo revelava confiança, mas dentro do peito o coração batia com força. Depois de anos de esforço e noites viradas estudando, ali estava ela: prestes a iniciar sua carreira no tribunal mais respeitado de Istambul.
- Você consegue, Selin - murmurou para si mesma. - Um passo de cada vez.
Assim que chegou ao imponente edifício de mármore e colunas firmes, foi recebida por um segurança simpático, que a encaminhou até a sala da coordenadora de equipe. Selin atravessou os corredores com passos firmes, absorvendo a imponência do local: quadros de juristas históricos, portas de madeira escura, placas com nomes dourados.
Logo foi recebida por uma mulher elegante, de cabelos grisalhos e olhos avaliadores.
- Doutora Selin Yılmaz? Sou Hatice, coordenadora jurídica. Seja bem-vinda. Vamos direto à reunião de alinhamento. O promotor geral gosta de conhecer os recém-chegados pessoalmente.
Selin assentiu, tentando esconder o súbito frio na barriga.
- Claro. Estou pronta.
Seguiu Hatice por mais um corredor silencioso até uma sala ampla e envidraçada, com vista para o estreito de Bósforo. A porta estava entreaberta.
- Pode entrar. Ele já está te esperando.
Selin inspirou fundo, recompôs a postura e empurrou a porta com delicadeza. Quando ergueu o olhar... parou.
Seu corpo congelou por um instante.
Ali, de pé ao lado da mesa de reuniões, com uma pasta de couro nas mãos e a mesma expressão serena da noite anterior, estava ele.
Isacc.
O homem misterioso da festa.
Mas agora... usava terno escuro impecável, gravata cinza, o semblante levemente mais sério. Atrás dele, uma placa discreta revelava o que Selin ainda não conseguia processar:
"Dr. Isacc Cayer - Promotor Geral"
O silêncio durou dois segundos - longos e esmagadores. Até que ele quebrou o clima com um leve sorriso no canto dos lábios.
- Bom dia, doutora Yılmaz.
Selin piscou, como se precisasse confirmar que aquilo era real.
- Bom dia... senhor.
- Pode se sentar - disse ele, indicando a cadeira à frente da mesa.
Ela obedeceu quase automaticamente, tentando manter a compostura. Ele folheou alguns documentos, depois voltou a encará-la - agora com um olhar mais profissional, mas que carregava o mesmo magnetismo da noite anterior.
- Imagino que essa seja uma surpresa - comentou ele, com voz firme, mas sutilmente provocativa.
Selin assentiu, engolindo em seco.
- Um pouco, sim. Eu... não fazia ideia de que o senhor era...
- O promotor geral? - ele completou. - Exato. E ontem à noite, eu preferi ser apenas Isacc.
Ela não soube como responder. Por dentro, seu coração parecia querer explodir. A espontaneidade daquela noite agora colidia com a formalidade exigida naquele ambiente.
- Gostei de conhecer você ontem, Selin. E confesso que estou curioso para ver seu desempenho aqui - ele disse, com um tom que desafiava e ao mesmo tempo... acolhia.
Ela endireitou os ombros.
- Agradeço pela oportunidade. Prometo corresponder às expectativas - disse com convicção, tentando deixar claro que ali, acima de tudo, ela era uma profissional.
Isacc assentiu, mas havia um brilho nos olhos dele que não passava despercebido.
- Tenho certeza disso.
A reunião seguiu com questões formais: casos em andamento, equipe de apoio, códigos de conduta. Mas a tensão entre os dois era palpável - uma mistura de atração não resolvida e a seriedade do contexto que os cercava.
Quando a reunião terminou e Selin se levantou para sair, ele a acompanhou até a porta.
- Seja bem-vinda ao tribunal, doutora Yılmaz - disse, com um leve toque irônico. - E parabéns por manter o olhar firme. Nem todos conseguem.
Ela sorriu de canto, já dominando melhor o jogo.
- Eu gosto de surpresas, senhor Cayer. Mas gosto ainda mais de superá-las.
Ele a observou por mais um segundo... e sorriu.
Selin deixou a sala com a respiração presa no peito. Sabia, naquele instante, que sua vida estava prestes a mudar - não apenas profissionalmente, mas de um jeito que ainda não podia compreender.
Mal sabia ela que o caminho do coração nem sempre é o mais previsível... mas quase sempre é o mais verdadeiro.
Selin caminhava pelo corredor de piso encerado, sentindo os saltos ecoarem como tambores de guerra em seus ouvidos. Estava no segundo dia de trabalho, mas a sensação era de estar numa prova de resistência. Cada gesto, cada palavra, cada relatório... tudo parecia estar sob um microscópio invisível - o de Isacc Cayer.
Desde a reunião de boas-vindas, ele se mantivera profissional, mas havia algo nos olhos dele. Um certo brilho contido, uma intenção disfarçada de neutralidade. E isso a deixava alerta.
Na sala de trabalho compartilhada, ela se debruçava sobre um dossiê espesso de um caso criminal complexo. Acusações de suborno envolvendo um vereador, provas frágeis, testemunhas contraditórias. Ela havia passado a noite inteira revisando jurisprudências e organizando notas.
- Doutora Yılmaz. - A voz inconfundível de Isacc soou atrás dela.
Ela se virou lentamente, escondendo o susto, como se não estivesse completamente sensível à presença dele.
- Sim, senhor?
- Preciso que revise esse outro parecer. - Ele estendeu uma nova pasta. - E elabore uma análise técnica até o final da tarde.
- Hoje ainda? - ela indagou, tentando controlar o tom surpreso.
- Há algum problema? - perguntou com tranquilidade, mas com um arqueamento sutil de sobrancelha.
- Nenhum. Vou priorizar isso agora mesmo.
- Ótimo - disse ele, mas antes de sair, completou: - Estou curioso para ver como você lida com pressão. Considero isso... revelador.
Ela sorriu de canto, mas por dentro queimava.
Revelador, é? Ele estava a testando - com trabalhos dobrados, prazos apertados e comentários que pareciam sempre ter um duplo sentido.
Na hora do almoço, Selin foi até a cafeteria interna do prédio. Estava exausta e faminta. Quando terminou de servir-se, notou que quase todas as mesas estavam ocupadas - exceto uma.
Uma onde ele estava.
Sozinho. Lendo um documento. E, sem levantar os olhos, disse:
- Sente-se. Vai parecer que estou intimidando os novos se te deixarem em pé.
Ela hesitou, mas acabou cedendo. Sentou-se diante dele, que agora a observava com um meio sorriso.
- Achei que o senhor preferia manter... certa distância.
- E prefiro. Mas também prezo por talentos que saibam manter o controle em ambientes desafiadores.
- Como este?
- Exatamente.
Houve um breve silêncio. Então ele inclinou-se levemente.
- Você dormiu bem ontem?
Ela arqueou a sobrancelha, surpresa com a pergunta pessoal.
- Dormi o suficiente para preparar duas análises jurídicas antes do café da manhã.
Ele sorriu, satisfeito com a resposta.
- Boa resposta.
Ela o encarou, tentando decifrar até onde aquilo ia. Era um jogo? Um teste? Ou algo mais?
- Com todo respeito, senhor Cayer... - ela disse, firme, mas com educação. - Não sei se o senhor está tentando me treinar ou me provocar.
Ele pousou a xícara de café, com calma.
- E se for os dois?
Selin manteve o olhar fixo no dele. Algo naquela troca de palavras era tão elétrica quanto perigosa. No fundo, ela sabia que havia algo ali além de hierarquia ou protocolos. Havia química. E havia tensão.
Mas também sabia de outra coisa: se cedesse cedo demais, estaria perdida.
Por isso, ela apenas sorriu com elegância e respondeu:
- Nesse caso, que venham mais desafios.
E voltou a comer, deixando-o com um olhar indecifrável - um misto de respeito e diversão.