O homem que tirou tudo de mim agora estava de joelhos, seu mundo dependendo da minha habilidade. Eu era a única que podia salvar a mulher que roubou a minha vida.
Eu fiz o meu trabalho. Salvei as duas. Mas, ao sair do hospital naquela noite, o carro dele estava lá, bloqueando meu caminho. Não era um encontro casual. Ele estava de volta para reivindicar o que achava que era seu.
Capítulo 1
As portas duplas da emergência se escancararam, e meu passado, na forma de Caio Montenegro, invadiu o local. Ele carregava sua esposa, Karina Melo, grávida de muitos meses, nos braços. Sangue manchava o vestido florido e pálido de Karina. Seus olhos estavam arregalados de dor, e um gemido baixo e gutural escapou de seus lábios.
"Ajudem ela! Por favor, alguém ajude ela!" A voz de Caio era um grito cru e desesperado. Cortou a cacofonia habitual da sala de emergência.
Senti um soco no estômago, agudo e repugnante. Era uma sensação familiar, uma que passei três anos tentando enterrar. Mas o dever chamava. Meu nome é Alana Matos, e eu sou cirurgiã de trauma. Este era o meu mundo agora.
"Doutora Matos, sala de trauma um!" uma enfermeira gritou, já empurrando uma maca.
Meu olhar encontrou o de Caio por uma fração de segundo. Reconhecimento, depois puro terror, inundou seu rosto. Ele parecia ter visto um fantasma, ou talvez apenas um pesadelo muito inconveniente. Mas seu foco voltou para Karina.
"Ela está sangrando," ele ofegou, seu terno caro amassado, seu cabelo geralmente perfeito caindo sobre os olhos. "O bebê... o bebê está bem?"
Seu pânico era palpável. Preenchia o ar, denso e sufocante. Era um contraste gritante com o caos controlado que geralmente reinava aqui. Ele estava se desfazendo, o tubarão da Faria Lima despido pelo medo.
"Precisamos colocá-la na maca, Sr. Montenegro," eu disse, minha voz fria, profissional. Observei enquanto as enfermeiras transferiam Karina com cuidado. O rosto dela estava pálido como cera.
"Salva ela, Alana. Por favor. Salva as duas," ele implorou, seus olhos fixos nos meus. Ele usou meu primeiro nome, um nome que eu não ouvia dele há tanto tempo, não assim. Parecia uma invasão.
Eu ignorei. Meu treinamento assumiu o controle, uma cortina de ferro descendo sobre minhas emoções. "Ultrassom com urgência, tipagem e painel completo. Quero duas unidades de O-negativo prontas. Vamos levá-la para a sala de cirurgia três agora." Minhas instruções eram curtas, claras, desprovidas de qualquer conexão pessoal.
A equipe se moveu como um relógio. A maca já estava rolando em direção aos centros cirúrgicos. Caio fez menção de seguir.
"Senhor, pode esperar na sala de espera," um segurança tentou intervir.
Caio o empurrou, seus olhos ainda fixos em Karina. "Não! Eu vou com ela!"
Ele estendeu a mão, agarrando meu braço. Seu aperto era surpreendentemente forte. Era familiar. Familiar demais. O calor de sua pele, o cheiro fraco de seu perfume importado caro, tudo me atingiu em cheio.
"Alana, você não pode," ele murmurou, sua voz baixa, tensa. "Você não pode fazer isso. Não com a gente. Não agora."
Suas palavras me atingiram como um balde de água fria, ironicamente reforçando meu distanciamento profissional. "Caio, solte o meu braço," eu disse, minha voz um sussurro gélido. "Eu sou a Dra. Matos. E este é o meu hospital. Se você interferir, vou mandar que o removam."
Ele recuou, seu aperto afrouxando ligeiramente. "Você está se divertindo com isso, não está?" ele cuspiu, seus olhos se estreitando. "Nos vendo assim. Depois de tudo. Você quer vingança."
A acusação pairou no ar, pesada e venenosa. Era uma ferida aberta, rasgada novamente. Mas eu me recusei a sangrar. Não aqui. Não agora.
Puxei meu braço, de forma limpa e decisiva. "Sua esposa está em estado crítico, Sr. Montenegro. A vida dela, e a do seu filho, depende da velocidade e habilidade da minha equipe. Se você acredita que meu histórico com você compromete minha capacidade de fornecer o melhor cuidado, posso providenciar a transferência imediata dela para outra instituição. Isso custará minutos preciosos, talvez até a vida dela. A escolha é sua."
Ele me encarou, o maxilar cerrado, o rosto uma máscara de conflito. Ele queria discutir, brigar, mas a gravidade da situação o pressionava. Ele viu a lógica fria e dura em minhas palavras, mesmo que não conseguisse engolir a pessoa que as proferia.
"Assine os formulários de consentimento agora, Sr. Montenegro," disse uma enfermeira, estendendo uma prancheta e uma caneta. "Ele descreve os riscos. E os resultados potenciais."
Ele arrancou a caneta, sua mão tremendo enquanto rabiscava sua assinatura. Estava bagunçada, quase ilegível. Um atestado do seu medo, ou talvez da sua confiança relutante. Ele me deu um último olhar, uma mistura de ódio e esperança desesperada.
Eu me virei, indo em direção à sala de paramentação. As portas da sala de cirurgia três se fecharam atrás de mim.
Dentro da sala de cirurgia, o ar era frio e estéril. As luzes fluorescentes zumbiam, lançando um brilho forte sobre os instrumentos cirúrgicos. Minha equipe se moveu com eficiência praticada. Tudo era sobre precisão, velocidade e salvar vidas.
A cirurgia foi longa, tensa e, no final, bem-sucedida. Estabilizamos Karina, paramos o sangramento e garantimos a segurança do bebê. Ambas as vidas, por enquanto, estavam salvas.
Tirei minhas luvas, o cheiro fraco de antissépticos grudado na minha pele. Fui até a pia de escovação, abrindo a água fria. Ela correu sobre minhas mãos, limpando, purificando. Era um ritual, uma forma de lavar o dia, o estresse, as vidas mantidas em minhas mãos.
Meu reflexo me encarava no aço polido. Meus olhos, geralmente guardados, continham uma vitória silenciosa. Uma vida salva. Duas, na verdade. E a pessoa cuja vida eu tinha salvado? Aquela que havia sistematicamente desmontado a minha, pedaço por pedaço doloroso?
A água fria correndo sobre minha pele parecia estranhamente reconfortante. Três anos. Três anos desde que meu mundo implodiu. Três anos desde a última vez que vi Caio, desde que Karina sorriu docemente enquanto tomava tudo o que um dia foi meu.
Eu pensei que a dor deles seria como uma vitória. Uma vindicação. Mas, parada aqui, sentindo o frio da água, não havia nada. Nenhum triunfo, nenhuma raiva, nenhuma satisfação. Apenas um vazio profundo onde essas emoções costumavam estar.
Era quase perturbador, esse silêncio. Essa ausência de sentimento pelas pessoas que um dia consumiram todos os meus pensamentos. As pessoas que infligiram feridas tão profundas que uma vez pensei que nunca cicatrizariam.
Mas elas cicatrizaram. Ou, pelo menos, as cicatrizes deixadas para trás não estavam mais em carne viva. Eram lembretes, não feridas abertas.
As portas da sala de cirurgia se abriram atrás de mim. Ouvi passos se aproximando. Não precisei me virar para saber quem era. O cheiro forte de seu perfume, o silêncio pesado que o seguia, tudo era familiar demais.
O homem que um dia foi meu tudo, agora reduzido ao marido de uma paciente. A mulher que roubou minha vida, agora uma paciente na minha mesa. E eu, a cirurgiã, aquela que os salvou.
A ironia não passou despercebida. Era uma verdade fria e dura. Eu os salvei. E não senti nada.
Fechei a torneira, o som ecoando na sala silenciosa. Sequei minhas mãos meticulosamente. O passado. Estava aqui, era real, mas não me mantinha mais cativa. Ou assim eu dizia a mim mesma.
"Ela está estável," eu disse, sem olhar para ele, sem realmente vê-lo. "O bebê está bem por enquanto, mas ela precisará de monitoramento rigoroso."
Caio permaneceu em silêncio. Eu podia sentir seu olhar nas minhas costas, pesado e intenso. Preparei-me para outra acusação, outro ataque emocional. Mas não veio.
Em vez disso, ouvi-o pigarrear. Um som trêmulo e incerto.
"Alana," ele começou, sua voz mais suave desta vez, quase hesitante. "Obrigado."
As palavras pairaram no ar, estranhas e inesperadas. Eu não respondi. Não havia nada a dizer. Apenas passei por ele, indo em direção à saída. Meu turno tinha acabado, mas algo me dizia que essa provação estava longe de terminar.