Eu tinha cinco anos quando a minha mãe entrou em casa com um bebê nos braços. Ela estava sorrindo, os olhos brilhando com um amor que eu nunca tinha visto antes - não para mim, pelo menos.
- Olha, Isabela, essa é sua irmã, Luísa - disse ela, a voz cheia de doçura. Mas o olhar dela nunca encontrou o meu.
Eu sabia que era para eu ficar feliz, que era um momento bonito. Eu até tentei sorrir, mostrar que eu era uma boa menina, que eu merecia aquele mesmo olhar. Mas minha mãe só tinha olhos para o bebê.
Desde que o meu pai foi faleceu, eu já tinha sentido o vazio na casa. E agora, com Luísa ali, eu sabia, no fundo, que nunca mais seria vista. Que eu era invisível. Uma estranha na minha própria família.
Aos sete anos, a indiferença transformou-se num buraco no peito.
Eu via a minha mãe, dia após dia, tratar Luísa como se fosse o centro do universo. Ela trazia presentes para minha irmã, embrulhados com papéis coloridos, enquanto para mim só havia o eco de promessas vazias.
- Olha só o que a mamãe trouxe para você, Luísa! - ela dizia, agachando-se ao lado dela, com um ursinho de pelúcia novinho nas mãos. - É porque você é a menininha mais especial do mundo!
Eu assistia, encostada na porta, esperando que a minha mãe se virasse e lembrasse que eu também estava ali. Mas ela nunca se virava. Quando eu conseguia reunir coragem para pedir alguma coisa, qualquer coisa, ela suspirava, impaciente.
- Ah, Isabela... Por que você não pode ser como a sua irmã? - ela murmurava, e cada palavra caía sobre mim como uma pedra.
Com nove anos, eu já tinha desistido de tentar agradá-la. Luísa estava sempre impecável, com seus vestidos bem passados e fitas nos cabelos, e eu... bem, eu era só Isabela. Invisível. Mas isso não impedia que eu ouvisse as coisas que minha mãe dizia para ela.
- Mamãe te ama tanto, Luísa! - eu ouvia-a dizer, sua voz cheia de ternura, enquanto afagava o cabelo dela antes de dormir. - Você é o meu tesouro, a melhor coisa que já me aconteceu.
Deitada no meu quarto, ao lado, eu ouvia cada palavra, cada declaração de amor, e sabia, sem sombra de dúvida, que aquele amor nunca seria meu.
Com quinze anos, a revolta já tinha crescido dentro de mim como uma ferida aberta. Passei a sair de casa sem avisar, buscando qualquer motivo para não estar lá. Enquanto Luísa se preparava para festas da escola, usando os vestidos que minha mãe comprava para ela com tanto orgulho, eu preferia fugir, vestir qualquer coisa que chamasse atenção ou irritasse minha mãe, como uma armadura contra aquele vazio.
- Por que você tem que ser assim, Isabela? - ela me perguntou uma noite, com uma expressão de cansaço. - Você só dá trabalho. Queria tanto que você fosse como a Luísa.
Ela não precisava terminar a frase. Eu já sabia. Sabia que, para minha mãe, eu nunca fui o suficiente.
Essas lembranças ecoam na minha mente enquanto encaro as malas no chão. Anos se passaram, e eu consegui me afastar daquele lugar que me trouxe tanta dor. A vida finalmente fazia sentido – meu trabalho como estilista me preenchia de um jeito que eu jamais imaginei que seria possível. Eu estava finalmente onde queria estar, construindo meu próprio nome, longe de tudo e de todos que me machucaram.
E agora eu precisava deixar tudo para trás. Precisava voltar para Santa Luzia do Norte, aquela cidadezinha no meio do nada que eu sempre jurei que nunca pisaria novamente. Tudo devido a um testamento.
O testamento da minha avó Benedita, a única pessoa que, de alguma forma, pareceu enxergar algo em mim. Se não fosse por ela, eu nem consideraria voltar. Ver minha mãe, meu padrasto, minha irmã perfeita... eu faria de tudo para evitar.