O alarme tocava havia cinco minutos quando Laura estendeu a mão e o silenciou pela terceira vez. A cama ainda estava quente. O corpo de Daniel ao seu lado permanecia imóvel, virado para o outro lado, como se o mundo ainda não existisse.
Ela se espreguiçou devagar, passou os dedos nos cabelos e, sorrindo, se inclinou para encostar a cabeça no peito nu dele.
- Um mês... só mais um mês - sussurrou com brilho nos olhos - e eu tô pisando na Inglaterra.
Daniel não respondeu. Estava mexendo no celular, como de costume. Ela sabia que ele fingia ouvir.
- Você lembra do que eu te contei do bisavô, né? Que ele viveu lá entre 1895 e 1902? E que os cadernos dele falavam de uma cidadezinha no interior onde os ingleses falavam de heranças, segredos e... ah, tanta coisa. Era tudo tão místico. Ele dizia que a vila parecia congelada no tempo. - Ela riu. - Imagina se eu encontrar algum parente perdido?
Daniel soltou um murmúrio sem emoção.
- Hm... Sim, amor. Incrível. E você vai sozinha mesmo, né?
- Vou. Você não conseguiu folga no hospital, lembra?
Ele assentiu, o olhar ainda vidrado na tela do celular. Era sempre assim nos últimos meses.
Laura se sentou, puxando o lençol contra o peito. A verdade é que, mesmo com o anel de noivado reluzindo em seu dedo, ela se sentia cada vez mais só.
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🌆 Durante a semana...
O hospital parecia mais vivo do que sua relação. Na sala de cirurgia, Laura era impecável. Certeira. Inteligente. Respeitada. Os internos a admiravam, os colegas a temiam e os pacientes confiavam cegamente.
- Doutora Laura, você é tipo... a mulher do século! - dizia Júlia, uma das residentes.
- Só espero não ser a mulher errada no século errado. - Laura respondia com um sorriso, escondendo a inquietação crescente.
Os dias seguiam com encontros familiares, sogros que a tratavam como joia, amigos que comentavam como Daniel era sortudo... e ela?
Ela só pensava na viagem.
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💍 Na última semana antes da viagem...
Laura flagrou Daniel duas vezes saindo da sala e escondendo o celular.
- É trabalho - dizia ele, sem olhar nos olhos dela.
Ela não queria desconfiar. Mas já não sabia mais se o silêncio era amor calmo ou desinteresse disfarçado.
E então, no aeroporto...
- Você vai mesmo, então... - Daniel murmurou, abraçando-a sem firmeza.
- Vou. Eu preciso disso.
- Só espero que não volte achando que o século XIX era melhor que esse.
Laura riu.
- Se for... te aviso por carta.
Ele sorriu amarelo. Quando o nome dela foi chamado para o embarque, ela virou as costas e não olhou para trás.