Soltou um suspiro enquanto me puxava de volta para cima. Sua força me desequilibrou por um segundo, e eu quase tropecei.
- Você sabe o que as guardiãs dizem sobre isso, Emmy.
Antes que eu pudesse responder, Sol entrou no quarto, equilibrando um monte de toalhas dobradas no braço. Seu olhar deslizou rapidamente para mim, e ela franziu o cenho.
- Pelos deuses menores e maiores, você precisa parar de desobedecer as guardiãs.
Ela fechou a porta atrás de si com o quadril e jogou as toalhas sobre a cômoda compartilhada, ajeitando a postura. Diferente de Madison, que sempre parecia despreocupada, Sol tinha um jeito rígido, atento, como se estivesse sempre pronta para receber uma ordem.
Suspirei e me sentei na beirada da cama, olhando para o enorme desenho no chão de mármore: o sol e a lua entrelaçados, esculpidos no branco puro da pedra. O símbolo das guardiãs. O símbolo de tudo o que nos definia.
Madison bufou, cruzando os braços.
- Se a mamãe te pegar bebendo chás proibidos antes de dormir, ela vai te deixar de castigo na Sala da Lua.
Revirei os olhos.
- Céus... quantas regras.
Ajeitei os lençóis enquanto deixava o olhar correr pelo dormitório. O espaço era modesto, mas carregava a marca do tempo. As três camas de madeira antiga, pintadas com verniz escuro, tinham cabeceiras trabalhadas à mão, com espaços para nossos abajures e pilhas de livros. A cômoda era dividida entre nós três, assim como o guarda-roupa, os cantos de estudo e, de certa forma, até mesmo nossa vida. Compartilhávamos tudo: mãe, professores, guardiãs.
Nascemos dentro da Divisa Guardiã, a fortaleza que existia para proteger o mundo do que é sobrenatural. Desde crianças, fomos ensinadas sobre as três grandes vocações: as assassinas, que caçam criaturas que ameaçam o equilíbrio; as bruxas, que dominam a magia e os encantamentos antigos; e as estudiosas, responsáveis por preservar e transmitir conhecimento.
Nossa mãe, Denise Zack, é uma das guardiãs-chefes da Divisa. Crescemos sob sua vigilância rigorosa, treinadas para um futuro que, desde o nascimento, nunca nos pertenceu de verdade.
Sol com seus dezoito anos já decidiu seu destino. Ela quer entrar para a Divisa Escarlate, o grupo das assassinas. Elas são implacáveis, imbuídas de uma missão sanguinária: exterminar todas as criaturas que representam perigo, até mesmo aquelas que não têm consciência de sua própria ameaça.
Madison, aos dezenove, deseja o caminho do conhecimento. Ela quer se tornar uma anciã, uma estudiosa que se dedica a ensinar as próximas gerações e a preservar os escritos sagrados.
E eu... aos vinte e um.
Bom, eu não tenho tanta certeza.
Existem outras torres, outras divisões além da nossa. Algumas são dedicadas a guardiãs, outras a sacerdotisas que seguem deuses específicos. Desde pequena, senti uma atração inexplicável por uma dessas torres: a Torre de Malac'h.
Malac'h. O Deus de todos os transmorfos. O Senhor da Noite.
Ele também é um deus lunar, ligado à cura, à caridade, à entrega absoluta. As sacerdotisas de Malac'h não são apenas devotas - elas deixam de pertencer ao mundo. Ao entrarem na torre, elas abandonam suas famílias, seus nomes e suas histórias. Nunca serão mães. Nunca mais serão filhas. Elas passam a ser filhas de Malac'h.
Minha mãe já me proibiu de tentar esse caminho. Duas, talvez três vezes.
Mas isso não mudou o que eu sinto.
Ainda é o que eu quero.
E então, dois sinos tocaram.
O primeiro sino tocou, uma vibração metálica cortando o ar e explodindo dentro do meu crânio como uma maldição. amaldiçoei mentalmente, cobrindo os ouvidos.
Então, antes que o eco do primeiro pudesse morrer, um segundo sino soou, sobrepondo-se ao anterior.
- Temos visitantes da Divisa. - A voz de Sol veio seca, carregada de tédio. Ela cruzou os braços, revirando os olhos.
Madison e eu nos entreolhamos.
- De novo? - Um grupo de vampiros nos visitou há uma semana, outro evento raro.
Sem mais protestos, nos levantamos, realizando nossa higiene às pressas. A rotina já era automática: banhar-se, trançar os cabelos, vestir-se conforme a maldita etiqueta da Divisa.
Todas as meninas não iniciadas usavam o mesmo vestido verde, um tom profundo de floresta. O modelo podia ser ajustado ao gosto de cada uma, mas a cor era inalterável - e eu a odiava. Sentia que aquela tonalidade apagava algo dentro de mim, como se me enterrasse em um papel que não era meu.
- Madison, vamos! - Sol chamou com impaciência.
Saí antes, esfregando os braços para que o hidratante fosse absorvido mais rápido pela pele.
- Eu vou na frente, distraindo nossa mãe - avisei.
Andei pelo corredor, misturando-me a outros grupos de aprendizes que deixavam seus quartos. O ar carregava o cheiro das velas de ervas que queimavam em pontos estratégicos, uma mistura de alfazema e sálvia para purificar a Torre.
- Ei, Zack!
O chamado veio antes de sentir algo atingir minhas costas. Uma maçã rolou pelo chão de mármore.
Risadas seguiram-se.
Jennie White. Claro que era ela. Estava acompanhada de Cheryl Bosckow e Nina Schelling, suas fiéis sombras.
Observei as três. Jennie, de pele dourada pelo sol, seus cachos volumosos brilhando sob a luz matinal. Nina, com o cabelo preso em duas Marias-chiquinhas perfeitamente simétricas. Cheryl, ruiva e sardenta, mordendo uma maçã com ar de desinteresse, os cabelos desgrenhados pela brisa fria que entrava pelas janelas abertas.
- Sua mãe já decidiu quantos dias vai te trancar na Sala Lunar dessa vez? - Jennie zombou, cruzando os braços.
Sol chegou rindo atrás de mim.
- Não sei... - respondi, sorrindo de canto. - Mas quando vai avisar a piranha da sua amiga que esse cabelo dela é ridículo?
A risada de Sol se intensificou, e Madison chegou cobrindo a boca para conter a própria risada.
Antes que Jennie pudesse retrucar, senti uma presença se aproximando.
O silêncio caiu como uma onda.
Minha mãe.