Henry
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Henry
Chamo-me Henry Karahan, e sou de trinta verões, nascido e criado na nobre terra da Turquia. Minha mãe, de coração terno, criou-me quase por completo sozinha, pois meu pai, Aslan Karahan, labutava nas vastidões do mar.
Somente após o falecimento de minha amada mãe, quando eu contava dezesseis primaveras, vim a descobrir que meu pai era um pirata, capitão do infame Cisne Negro.
Ainda que nos tenha concedido uma vida confortável em terra firme, com tutores renomados e educação digna, jamais conheci o calor do amor paterno. Aslan era severo e distante, visitando-nos raramente.
Em sua última vinda, a saúde de minha mãe já estava por um fio. Quando nos foi revelado que padecia da temível peste branca, a desolação apoderou-se de mim. Com seu passamento, vi-me compelido a abandonar a Turquia e unir-me ao mundo sombrio de meu pai, embarcando em seus negócios ilícitos e deixando para trás o que restava de minha inocência.
- Eu me recuso a executar tal ordem, baba! - exclamei, minha voz carregada de cólera.
- Eu não te indaguei se aceitarias tal tarefa, rapaz. Fá-lo-ás e ponto! - respondeu-me ele com autoridade, misturada a escárnio.
- Por que Lady Anne Wall é tão preciosa para vós?
- Porque está prometida em matrimônio ao Príncipe Fillipe, cuja coroação se avizinha. Tenho certeza de que o bom príncipe pagará um resgate generoso por sua preciosa noiva.
- Vós deveis estar insano, meu senhor!
- Não me desafie, rapaz! - rugiu, e continuou: - Este será meu derradeiro feito. - Vosso derradeiro feito? Desde quando ordenar que outros manchem as mãos é um feito? Sempre fui o tolo a cumprir vossas vontades, mas sequestrar uma donzela indefesa é indigno até mesmo para mim!
- Tens a habilidade necessária, e és o único em quem confio para tal missão. Deves preservar a integridade da dama, Anne deve ser tratada com a máxima cortesia. Nem um fio de cabelo deve ser tocado, caso contrário, seria um prejuizo para nós.
- Mas, pai... - Eu tentei argumentar, mas ele levantou a mão, silenciando-me.
- Não há mais nada a ser dito! - declarou com firmeza. - Sei que honrarás o legado de tua mãe, sendo um cavalheiro para com a dama.
Suspirei, cerrando os olhos, mas ele apenas sorriu com ar triunfante e retirou-se, certo de que eu obedeceria.
Naquela noite fria, com os ventos soprando forte sobre o mar revolto, íamos rumo a Marselha, no sul da França.
Desci ao porão do navio, tomei uma garrafa de rum e, sentando-me num canto, comecei a arquitetar como cumprir a missão. Contudo, pensamentos tumultuosos me consumiram, e logo adormeci.
Fui arrancado do torpor ao som de gritos:
- Fogo à bombordo! - soou o alarme.
Levantei-me às pressas e corri para a meia-nau, gritando ordens aos homens para recarregarem os canhões.
- Onde está meu pai? - indaguei, mas logo o vi à proa, manobrando a embarcação com todas as forças. Logo percebi sua tentativa de escapar dos tiros.
Contudo, os inimigos já invadiam o navio.
Espadas cruzavam-se, sangue tingia o convés, e eles eram muitos.
Em meio ao caos, uma ideia audaciosa e desesperada, assaltou-me a mente. Peguei uma corda, e lancei-me ao navio adversário.
Assim que pousei no convés do navio, um homem corpulento de barba ruiva e olhos sombrios, avançou contra mim, com uma cimitarra nas mãos. O aço brilhou à luz das chamas, e o primeiro golpe foi tão forte que parecia capaz de cortar uma tábua ao meio.
Me joguei para o lado, desviando por um triz, e saquei minha adaga da cintura.
- Não passas, rapaz! - ele rosnou, com sua voz rouca misturada com os estrondos das explosões ao redor.
Eu não disse nada. Meus olhos estavam fixos nele. Eu sabia que precisava ser rápido, sem hesitar.
Quando ele veio para cima de mim com outro golpe, tentei cortar sua lateral, mas ele bloqueou meu ataque com a lâmina pesada. As faíscas voaram quando as lâminas se encontraram, e fiquei cara a cara com ele por um instante.
O cheiro de suor, pólvora e sal invadiu meus pulmões, e tudo o que eu queria era vencer.
Ele não me deu tempo para pensar. Com um grito feroz, ele começou a me empurrar para trás com uma série de golpes pesados, forçando-me a recuar. Senti a lâmina passar muito perto de meu ombro, rasgando minha camisa e me deixando com um corte superficial. A dor foi rápida, mas o susto foi maior.
- És rápido, garoto, mas não o suficiente! - gritou ele, girando a espada para me atacar de novo.
Eu sabia que tinha que ser mais rápido. Esperei o momento exato em que ele deixou um flanco desprotegido e então me lancei para ele.
Com um movimento rápido, enfiei minha adaga em seu lado, e ele soltou um grunhido, recuando para longe, mas não caiu. Ao contrário, ele ficou ainda mais furioso.
O marujo avançou de novo, mais forte, mais determinado. Com um movimento brutal, me pegou pelo colarinho e me levantou, jogando-me contra uma pilha de barris. A madeira se despedaçou e eu senti a dor atravessar minhas costas como uma lâmina invisível. Mas, mesmo assim, me levantei, respirei fundo e segurei firme minha adaga.
- Isso é tudo o que tens? - desafiei, tentando ignorar a dor, a raiva e o medo.
Ele gritou e veio em minha direção, agora com a intenção de me esmagar. Mas eu já esperava por isso.
No último segundo, me desviei para o lado, e ele perdeu o equilíbrio.
Com a chance que eu precisava, enfiei a adaga em sua perna, fazendo-o cair de joelhos com um grito de dor. Mas ele não desistiu. Antes que pudesse reagir, girei a adaga e, com um golpe certeiro ao lado de sua cabeça, apaguei suas forças.
Senti o corpo do marujo ceder no convés, fiz o sinal da cruz, em respeito à sua alma e então me afastei, ofegante e ensanguentado.
Limpei o suor e o sangue em minha testa, sentindo a dor em meu corpo, mas sem hesitar, peguei uma lanterna que estava próxima e corri ao paiol de pólvora, determinado a pôr um fim à batalha. O estrondo da explosão logo preencheu o ar, e soube que agora não havia mais volta. Então a escuridão me tomou.
Aslan
- Malditos sejam! Como permitiram que Henry desaparecesse? - rugi, minha voz cortando o ar como uma lâmina afiada. - Seus tolos, puseram a perder todos os meus planos!
Os marujos curvaram-se, silenciados por minha ira. Mas então ouvi um murmúrio atrevido, vindo de Smith, o mais jovem entre eles:
- Miserável... Preocupa-te apenas com teus planos, não com teu filho...
Virei-me, feroz como um lobo acuado.
- O que disseste, marujo? - minha voz era baixa, mas carregada de ameaça.
- Que encontraremos Lorde Henry, Capitão. - murmurou ele de cabeça baixa, não era tolo o suficiente para encarar-me.
Mas eu havia ouvido claramente o que dissera.
- Contramestre! - gritei.
- Não, senhor, por piedade! Farei o que quiser! - implorou Smith.
Com um golpe, acertei-lhe o rosto.
- Falarás apenas quando eu permitir!
O contramestre aproximou-se, esperando suas ordens.
- Trinta chibatadas para que este tolo aprenda a guardar a língua e a respeitar seu capitão.
Enquanto Smith era arrastado para o porão, voltei-me aos demais:
- Levem-nos ao porto, mas fiquem fora do alcance da Guarda Real. Não podemos arriscar mais perdas. Encontraremos Henry e prosseguiremos com o plano. E lembrai-vos: o castigo de Smith é um aviso. Trabalhai com mais afinco, ou sereis os próximos.
Deixei o convés, entrando em meus aposentos. Lá, servi-me de uma dose generosa de whisky. O silêncio lá fora era opressor, mas não tão opressor quanto a visão dos corpos que flutuavam nas águas ao redor do navio.
- Maldição! - gritei, arremessando o copo contra a parede. - Henry, moleque tolo, espero que ainda respires! Caso contrário, irei ao próprio inferno para acabar contigo.
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