Helena passou mais tempo escolhendo a mala do que escolhendo o destino. Não sabia ainda, mas não era a viagem que importava - era o que ela deixaria para trás. Cada zíper fechado guardava uma ausência, cada compartimento era uma pequena renúncia.
Na noite anterior ao embarque, olhou demoradamente para o guarda-roupa. Pegou o vestido azul que nunca usou, a blusa branca que usava nos dias em que precisava de coragem e o colar da avó, ainda com o cheiro leve de jasmim. Dobrou tudo com um cuidado cerimonioso, como quem prepara um altar íntimo.
O embarque foi silencioso, sem despedidas. Seu celular estava no modo avião antes mesmo de sair de casa. Nada de mensagens, nada de explicações. Era um voo só de ida para fora - mas também para dentro.
Quando o avião pousou em Catania, o sol da Sicília parecia mais um abraço antigo do que um calor estrangeiro. O vento tinha cheiro de poeira e limão. Era como se o lugar a tivesse esperado durante anos, com a paciência das oliveiras e o brilho quieto do mar ao longe.
Helena não falava italiano, não conhecia ninguém. Mas seu coração sabia: ela não precisava mais de certezas, precisava de começos suaves. Nada de promessas definitivas, apenas o gesto delicado de colocar um pé depois do outro em um chão novo.
E foi na estação de trem, entre malas e turistas, que ela ouviu pela primeira vez o nome Luca. Não o viu, não o conheceu ainda. Mas algo em seu corpo reagiu, como se uma porta tivesse se entreaberto dentro dela. Era só uma voz ao longe, chamando por outro alguém. Mas o nome reverberou em seu peito como um eco familiar.
Ela parou por um instante, olhando ao redor. Não viu rostos conhecidos. E mesmo assim, pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se exatamente onde deveria estar.
O trem chegou com seu ruído metálico, levando e trazendo histórias. Helena subiu sem pressa, segurando firme a alça da mala que, por ironia, não abrira desde que saíra de casa. Talvez estivesse esperando por isso: que algo dentro dela se abrisse antes.
O trem partiu. Lá fora, a Sicília se movia em tons de amarelo e verde, como um velho filme projetado para sua alma recomeçar.