ㅡ Oi, amor... - ela sorriu e me deu um beijo demorado. Os lábios ainda tinham gosto de saudade. - Eu tava te esperando. Por que demorou tanto dessa vez?
Antes que eu respondesse, ela começou a se afastar. Cada passo dela parecia mais longe que o anterior. Corri atrás, chamei, gritei o nome dela, mas minha voz não saía.
ㅡ Babi! Espera! Porra... não faz isso comigo!
O mato engolia meus passos. Me perdi por segundos... até sentir aquelas mãos.
Duas mãos me envolveram por trás. As unhas cravaram no meu abdômen e eu gelei. Era ela.
ㅡ Você sentiu saudade de mim, amor? - sussurrou no meu ouvido, sua respiração quente no meu pescoço. Eu podia sentir os seios dela pressionados contra minhas costas. - Porque eu estava louca por você...
Ela se virou, os olhos brilhando, aquele cheiro de rosas suaves que sempre me deixava tonto. Levou os dedos até minha boca e traçou meu lábio inferior devagar.
Senti falta das suas mãos em mim... do seu corpo... - guiou minhas mãos até sua cintura e colou nossos corpos. Me beijou fundo, com pressa, com fome.
ㅡ Diz que sentiu minha falta, Luan... diz... - sussurrou com a boca no meu pescoço. - Me beija.
E eu beijei. Beijei como se ela fosse sumir de novo.
Mas ela parou. Segurou minha mão.
ㅡ Vem comigo!
Ela saiu correndo e eu fui atrás. Paramos diante de um rio turvo. Ela se virou.
ㅡ Por que você fez isso comigo, Luan?
Olhei pra baixo. A blusa dela estava vermelha. Sangue escorria pelas mãos, manchava o vestido.
ㅡ Eu te amava... por que não acreditou em mim?
Ela caiu no chão. Me ajoelhei, tentei segurar, estancar o sangue, mas não adiantava.
ㅡ Me desculpa! Por favor, não me deixa! Eu não queria... eu tava com raiva, eu errei! Mas eu te amei. Ainda amo... porra, ainda amo!
Ela sorriu fraco, os olhos ficando pesados.
ㅡ Eu te amo, Luan... mas não posso ficar.
E então... silêncio.
A mão dela escorregou da minha. Os olhos fecharam.
ㅡ NÃO! - gritei.
Abracei o corpo dela, a cabeça encostada no peito. Sem batida. Sem som. Só desespero.
E tudo escureceu.
Acordei num pulo, suado, tremendo. O quarto abafado, o ventilador girando devagar. Levei a mão ao rosto. Ofegante.
ㅡ Puta que pariu... - sussurrei. ㅡ Foi só um pesadelo... foi só um sonho...
Mas não era. Era um lembrete. Toda noite ela vem. Toda noite ela morre de novo nos meus braços.
Me levantei e fui até a janela. Lá embaixo, o morro acordava devagar. E então eu vi.
Ela.
A garota da camisa da estadual.
Sempre no mesmo horário. Sempre com os livros apertados no peito. Sempre com aquele rosto de boneca. E por um segundo... por um mísero segundo... eu vi a Babi ali de novo.
E isso... me destruiu.
Ou me deixou mais vivo do que nunca.
Sentei no beiral do barraco, cigarro entre os dedos, vendo a fumaça se dissolver no ar seco da manhã. O Petra falava merda do meu lado, como sempre, mas eu não escutava porra nenhuma. Minha atenção estava lá... nela.
Todo dia, no mesmo horário, a santinha desce o morro com os livros agarrados no peito, como se isso fosse escudo contra o mundo. A porra da menina parece flutuar, leve demais pra esse lugar fodido.
Hoje, eu vi ela passar de novo. Cabelão solto, blusa folgada, mas não adianta esconder. A pureza dela grita. E essa porra mexe comigo.
"Babi..."
Meu peito aperta. É inevitável. A imagem da Helena se mistura com a da minha Babi, como um delírio constante. E isso me deixa cego. Eu nem percebi que levantei, mas quando vi, já tava andando atrás dela.
Narrativa interna
"Só quero ver onde essa garota mora. Só isso. Nada demais. Só pra saber..."
Desci uns becos, disfarçado, pisando leve. Ela não viu. Nunca vê. Mas eu vejo tudo. Sei até o horário que ela passa na padaria. Vi ela comprar bala uma vez. Uma porra de bala. E ainda teve a coragem de sorrir pra atendente. Aquele sorriso... igualzinho o da Babi.
Ela virou na esquina e sumiu da minha vista. Parei. Coração acelerado, palma da mão suando.
Narrativa interna
"Que merda é essa, Luan? Que porra você tá fazendo?"
Voltei pro ponto. Petra me olhou de canto de olho, desconfiado.
ㅡ Foi seguir a baranga, foi? ㅡ ele riu.
Fiquei quieto. Peguei a arma que tava em cima da bancada da boca, limpei devagar, fingindo não ouvir.
Mas eu ouvi. E fiquei puto.
Porque nem eu sei explicar o que é isso. Eu não gosto de ninguém. Eu uso. Eu mando. Eu fodo. Mas com ela... eu só observo. Só imagino. Só fico ali, tentando entender o que essa menina tem que me deixa assim.
Naquela noite, não consegui dormir. Fiquei encarando o teto, com o ventilador quebrado fazendo aquele barulho irritante. E aí ela veio. Não a Helena. A Babi.
Veio no meu sonho de novo. Dessa vez, ela gritava. Pedia ajuda. E eu não conseguia me mexer. Acordei gritando, suado, coração disparado. Levantei e enfiei o punho na parede.
Narrativa interna
"Eu matei ela. Eu deixei ela morrer. E agora tô vendo o rosto dela numa menina que nem sabe que eu existo. Que porra tá acontecendo comigo?"
Joguei água no rosto, respirei fundo e encarei meu reflexo.
ㅡ Não é amor. É só saudade... - murmurei, mas nem eu acreditava.
No fundo, eu sabia. Helena era um problema. Um vício novo. E quanto mais eu tentasse evitar... mais eu ia querer. E quando eu quero, eu pego.
Nem que seja à força.