Meus soluços ecoam pelo quarto silencioso. De repente, ouço a porta se abrindo devagar. É minha mãe. Ela me olha por alguns segundos antes de falar com uma voz firme, mas cansada:
- Filha, você precisa descer e se despedir do seu pai... ou vai se arrepender pelo resto da vida.
Demoro alguns segundos para reagir. Ergo o rosto devagar, com os olhos ardendo e a garganta seca. Apenas balanço a cabeça em concordância. Seco o rosto com as mãos, levanto da cama e passo por ela sem dizer nada. Consigo sentir seus olhos me acompanhando, e percebo quando ela revira os próprios olhos - como se minha dor fosse um incômodo. Isso só aumenta a raiva que já estava presa dentro de mim.
Desço as escadas, e cada degrau parece mais pesado que o anterior. Quando chego à sala, meu coração aperta. Ali, no meio da multidão de rostos desconhecidos, está o caixão. Meu pai repousa dentro dele. Muitas pessoas que eu nunca vi estão espalhadas pelo lugar, algumas chorando, outras apenas murmurando entre si.
Minha irmã está um pouco afastada, conversando com alguns garotos que não conheço. Ela veste um longo vestido preto, recatado e elegante. Falsa, penso. Sempre tão preocupada em mostrar uma imagem perfeita, como se sua dor fosse um espetáculo a ser exibido.
Meus pés me levam, trêmulos, até o caixão. Lá está ele. Meu pai. Os olhos fechados, o rosto sereno, como se estivesse apenas dormindo. Quase consigo acreditar que a qualquer momento ele vai abrir os olhos e sorrir para mim, chamar-me de "gatinha", como sempre fazia. Estendo a mão e toco a dele. Tão gelada... tão dura. O desespero toma conta de mim.
- Pai... acorda, por favor. Não me deixa sozinha. - Minha voz falha, mas insisto. - Levanta, pai. Me ouve.
As lágrimas descem sem controle, molhando meu rosto e minhas mãos. De repente, começo a sacudir seu corpo, ignorando os olhares em volta. Grito, chamo por ele, imploro. É como se a sala desaparecesse e só existisse eu e ele. Mas ele não se mexe.
Sinto braços me envolvendo e, instintivamente, encosto o rosto no peito daquele corpo que já não responde. O choro é tão forte que mal consigo respirar. Minha mãe se aproxima e acaricia meus cabelos. Ela sussurra no meu ouvido com uma doçura estranha:
- Vai ficar tudo bem, minha gatinha.
Por um instante acredito. É o que ele sempre dizia para mim, que eu era sua gatinha. Então minha mãe me entrega um copo com água. Sua voz soa tão suave, tão convincente, que não consigo desconfiar.
- Bebe tudo, meu anjo.
Eu obedeço. Engulo a água de um gole, mas logo sinto meus olhos pesarem, minha vista embaçar. Tento resistir, mas as vozes vão ficando distantes, como se eu estivesse sendo puxada para dentro de um túnel escuro. Até que a escuridão me engole de vez.
Quando acordo, estou de volta ao meu quarto. O coração dispara. Não sei que horas são, nem quanto tempo dormi. Corro para a sala, mas não há ninguém. O caixão sumiu. A sala está vazia. Caio de joelhos no chão, soluçando desesperada. Meu pai se foi. Para sempre.
Minha mãe surge atrás de mim. Aproxima-se devagar, como se tivesse ensaiado suas palavras:
- Filha, você precisa aceitar. Seu pai não ia querer te ver assim.
- Eu sei, mãe... mas dói muito - respondo entre lágrimas.
- Você dormiu um dia inteiro, meu amor - ela diz, tocando meu rosto com ternura.
Beijo sua face e vou até a cozinha. O estômago ronca, mesmo que a tristeza me tire a fome. Abro a geladeira, pego queijo, depois um saco de pão no armário. Enquanto preparo meu lanche, minha irmã entra.
- Faz um para mim também - pede, simplesmente, e se senta à mesa.
Reviro os olhos. Como ela consegue ser tão folgada? Mesmo assim, preparo os dois lanches. Comemos em silêncio. O ar fica pesado, quase sufocante.
Nunca fomos próximas. Ela nunca gostou de mim. Sempre me tratou mal, como se eu fosse um estorvo. Talvez por ciúmes, talvez por capricho. Ela tem 17 anos, é bonita, elegante, admirada. Eu tenho 14 e meio. Sou a "feia", a estranha, a que prefere cuidar do jardim em vez de sair com amigos. As rosas são minhas companheiras - e as prefiro mil vezes mais do que a companhia dela.
Três meses se passam. O luto ainda me sufoca, mas agora a dor divide espaço com a desconfiança. A casa mudou. Não há mais empregados. A comida parece escassa. Vejo minha mãe cochichando com minha irmã, mas quando chego perto, elas se calam. Fico furiosa. Por que me tratam como criança?
Minha mãe mal para em casa. Quando pergunto o que está acontecendo, minha irmã repete a mesma frase: "não é assunto para criança". Brigamos mais uma vez.
Me refugio no jardim. A escola? Não voltamos mais. Não sei por quê. Será falta de dinheiro? Existem escolas públicas boas. Mas ninguém me responde.
A única pessoa em quem encontro conforto é a Naná, nossa antiga babá, que agora cozinha para nós. Ela sempre me trata como se eu fosse ainda a sua menininha. Só de pensar em seus bolos, sinto um sorriso escapar.
- Naná! - corro até a cozinha. - Tem bolo de chocolate?
Ela sorri, como sempre.
- Sempre tem, meu amor. E ainda com duas bolas de sorvete.
Sento-me à mesa, e logo o cheiro doce invade o ar. O bolo vem quentinho, com o sorvete de morango derretendo aos poucos. Um pedaço de paraíso no meio do inferno que se tornou minha vida.
É nesse instante que minha mãe entra, carregada de sacolas. Seus olhos brilham e sua boca se abre em um sorriso largo, quase triunfante.
- Vou me casar de novo! - anuncia. - Amanhã vamos para a casa do meu futuro marido, em outra cidade. Arrumem suas coisas.
O choque me paralisa. A comida perde o sabor, o ar pesa. Meu coração dispara.
- Eu não quero ir para casa de ninguém! - grito. - Essa é a minha casa!
Ela me olha com frieza, como se minhas palavras fossem apenas birra infantil.
- Você é uma criança. Não decide nada. Arrume suas coisas... ou mando você para um colégio interno.
Depois disso, ela sai cantarolando, feliz, como se não tivesse acabado de pisar em cima da memória do meu pai.
E eu fico parada, imóvel, com uma única pergunta queimando dentro de mim: como ela conseguiu esquecer tão rápido o homem que dizia amar?