O céu se tingia de vermelho todas as noites, os gritos ecoavam pelas ruas desertas e o cheiro de sangue e carne queimada se misturava ao ar.
A humanidade, frágil e indefesa, ficou no meio desse caos, tentando entender, tentando escolher um lado.
Ah... que erro colossal.
A verdade cruel era que a escolha nunca foi deles.
Apenas morar em uma determinada região já definia a quem pertenciam, e os que ousaram decidir por si mesmos aprenderam da pior maneira possível o peso dessa escolha.
Muitos escolheram errado.
E o que aconteceu?
Mortes.
Centenas, milhares, pilhas incontáveis de corpos abandonados nas ruas como lixo.
O mundo se tornou um orfanato a céu aberto, com crianças chorando sobre cadáveres ainda mornos de seus pais.
Os hospitais lotaram de feridos que nunca se recuperaram, e os cemitérios já não tinham espaço para tantos mortos.
Mas os superiores como lobisomens e vampiros passaram a se autodenominar assim, não se comoveram.
Eles não apenas venceram a guerra.
Eles reescreveram as regras do mundo.
Em poucos dias, arranha-céus foram transformados em abrigos para essas crianças.
Orfanatos modernos, reluzentes, organizados... bondosos, não?
Com certeza não.
A humanidade foi reclassificada.
Não éramos mais livres, nem iguais.
Porque no meio de nós, escondidos sob a pele frágil de humanos, estavam os híbridos.
Aqueles que carregavam uma fração do sangue das raças superiores foram poupados, considerados valiosos o suficiente para manterem suas vidas, sempre tive para mim que esses híbridos sempre souberam de tudo, não é possível você ser um meio vampiro e não saber certo?
Uma família com um híbrido era uma família livre.
Essas pessoas passaram a ocupar cargos estratégicos na sociedade, enquanto os impuros, os meros humanos, se tornaram nada mais do que uma mercadoria.
Os governos ruíram.
Os exércitos foram aniquilados.
Quem não tinha um híbrido na família tornou-se propriedade.
As cidades que sobreviveram à guerra foram divididas em territórios, e cada facção sobrenatural governava suas regiões com mão de ferro.
Mas e os órfãos?
Ah... os órfãos não tiveram tanta sorte.
Eles cresceram nos orfanatos, sob o olhar calculista de seus novos senhores. Alimentados, vestidos e preparados... para um destino muito pior.
Eles aprendiam desde cedo que não passavam de propriedade.
Suas habilidades eram testadas, suas personalidades moldadas para se encaixarem nos caprichos de seus futuros donos.
As crianças eram ensinadas a obedecer sem questionar, a se submeter, a aceitar que suas vidas pertenciam a alguém mais forte.
Quando completavam a maioridade, eram vendidos, bom pelo menos nas alcatéias dizem que orfanatos vampíricos não chegam jamais aos 16 anos...
Alguns se tornavam bolsas de sangue vivas, alimento de vampiros insaciáveis, suas veias exploradas até que não restasse nada além de uma casca vazia.
Outros eram prostituídos, reduzidos a brinquedos para satisfazer os desejos de seus donos, treinados para obedecer sem questionar.
Alguns tinham a "sorte" de estudar e trabalhar para manter as tarefas de evolução de cada espécie, garantindo que os superiores continuassem a dominar o mundo com tecnologias e conhecimento avançado.
Escravizados, caçados, usados para qualquer coisa que os superiores desejassem.
O mundo não era mais dos humanos.
O conceito de direitos desapareceu, substituído por um sistema rígido de castas onde apenas os mais fortes tinham voz.
E a esperança... bem, essa havia morrido muito antes da guerra acabar.
Os poucos humanos que ainda sonhavam com rebelião eram caçados sem piedade.
Grupos de resistência surgiam ocasionalmente, apenas para serem esmagados antes de sequer se tornarem uma ameaça real.
Eles tentaram lutar, mas lutar contra seres que eram mais rápidos, mais fortes e praticamente imortais era um suicídio.
Deve estar se perguntando sobre mim...
Bom, eu sou uma das órfãs que foi escolhida para tarefas administrativas, então eu estudo 18 horas por dia, sou alimentada e cuidada. Ei eu disse cuidada e não querida ou amada!
O motivo?
Não faço ideia.
Meu dia a dia consiste em aprender regras, ler sobre a estrutura dos clãs e ser ensinada a servir sem questionar.
Moro em um orfanato de Manhattan e sou uma das dez garotas que não sabem seu destino, fui ensinada sobre as duas culturas motivo eu posso ser moeda de troca do alpha de Manhattan, com qualquer outra espécie.
Já vi algumas das outras meninas desaparecerem.
Elas são chamadas à noite, levadas por superiores vestindo ternos impecáveis e olhares frios. Algumas nunca mais são vistas, outras voltam... mudadas.
Como bonecas quebradas, sem vontade própria.
O silêncio nos corredores se tornou sufocante, e a cada passo dado, sentimos que estamos caminhando para um destino inevitável.
Mas de algumas coisas eu sei: esperança é algo que não vale a pena ter. E lembranças... graças a Deus, não tenho da época em que o mundo era "normal". Sei que não sou híbrida, pois já tenho 20 anos e não manifestei o lado Wolf quando completei 16. Isso me torna vulnerável, descartável. Apenas uma peça no tabuleiro de um jogo cruel.
Agora, o que me resta é esperar o baile das alcateias, onde nosso destino será traçado e, finalmente, saberei meu futuro.
Completo 21 anos no final do mês que vem.
O baile das alcateias não é uma festa comum.
É um evento onde os líderes das alcateias escolhem suas futuras posses.
Aqueles que têm sorte são levados para servir em grandes mansões, como empregados ou secretários.
Os menos afortunados... bem, todos sabem o que acontece com aqueles que ninguém quer.
E pensar que, uma década atrás, a humanidade pelo que ouço dizer amava histórias de lobos e vampiros.
A ironia disso nunca deixou de me assombrar.
As pessoas romantizavam criaturas que agora as caçavam como presas.
Sonhavam com amores impossíveis entre humanos e imortais, sem nunca imaginar que, um dia, seriam forçadas a servir aqueles que antes idolatravam.
Meu futuro está à mercê deles.
E, pela primeira vez, sinto um arrepio percorrer minha espinha. Não de medo... mas de algo mais profundo.