- Conte-me tudo e não me esconda nada! - berrou, assim que abri a
porta da sala.
Sentei-me no sofá e ela me acompanhou. Soltei a respiração,
pesadamente, antes de soltar de uma só vez:
- Nós transamos e foi maravilhoso.
Foi hilário ver a expressão perplexa da minha melhor amiga ao ouvir a
novidade.
- Você está falando sério? Minha nossa! Vou ter um heart attack. -
Fez um gesto teatral colocando a mão no lado esquerdo do peito.
- Deixe de drama, sim eu estou falando sério. - Comecei a rir.
Levantando as mãos para cima, em um gesto ainda mais dramático, ela
disse em alto e bom som:
- Finalmente, depois de dois anos, você experimentou uma piroca
diferente. Não aguentava mais ouvir sobre seu papai e mamãe com o Caio.
- Ei! Não era só papai e mamãe, pare com isso - reclamei, sentindome ofendida. - Aliás, não tenho culpa se você não tem um namorado sério.
Desculpe-me por transar mais do que você.
- Isso! Joga na cara!
- Para com isso, Pam! Ou não vou contar nada.
Meu blefe funcionou, ela imediatamente parou com as brincadeiras e me
encarou séria.
- Tudo bem, a pergunta que não quer calar: em uma escala de zero a
dez, em qual delas o bonitão se classifica, hein?
Sorri com malícia, sabia que ela ia pirar com minha resposta.
- Onze.
- Eu quero um desses de presente. Será que ainda tem outro no
estoque?
- Não comece, Pam! - Joguei uma almofada em cima dela.
Contei tudo à minha amiga, desde nosso encontro no mirante até o sexo
oral dentro do carro, em algumas ocasiões precisei fazer uma pausa para que
Pamela pudesse fazer seu show de ironias, onde rimos bastante, mas na
maioria das vezes ela soltou expressões de surpresa e fascínio.
- Tenho que dizer, amiga: parabéns! Pensei que não fosse superar o
Caio tão cedo.
- Caio? Quem é Caio?
Caímos mais uma vez na gargalhada. Pamela sabia que eu estava
frustrada com o fato de Gregory não ter me ligado e tentava me distrair para
que eu não tivesse pensamentos ruins sobre o assunto. Até funcionou, mas
quando eram seis da tarde e ela disse que teria que ir embora, eu encarei meu
celular e me dei conta de que ele não me ligaria.
- Pior é que eu nem peguei o número dele, só lhe dei o meu.
- Talvez esse Greg seja mesmo um babaca e só tenha usado uma
estratégia diferente para te levar pra cama - sugeriu Pamela, tentando ser
engraçada.
Pena que ela não conseguiu.
- Pam! Estou chateada de verdade. Ontem foi tão diferente, sabe? Não
só o sexo, mas nosso encontro. - Fechei os olhos com força, tentando
apagar as imagens que teimavam em surgir na minha mente. - Deve ter
acontecido alguma coisa, ele tem as sobrinhas possessivas e uma irmã que
precisa dele para lidar com elas. Não posso bancar a obsessiva.
- Isso mesmo, amiga. Você não é assim.
Forcei um sorriso, acompanhando-a até o portão de casa.
- Vou tentar não pensar mais nisso. O que tiver que ser será! - Tentei
dizer a mim mesma que acreditava em cada palavra.
- Pode ter acontecido alguma coisa, quem sabe ele ligue mais tarde.
Dei de ombros.
- Eu te vejo na aula amanhã?
- Infelizmente sim - disse com mau humor. - Ainda não estou
preparada para voltar.
- Ah, se anime. Vai que aparece algum calouro gato para você, hein?
- É a possibilidade que me consola. Vou indo nessa.
Assim que Pamela foi embora, peguei meu laptop e acessei meu perfil
na rede social. Não havia nenhum recado de Gregory. Procurei seu nome a
fim de ver suas atualizações e não encontrei nada. O perfil dele havia
desaparecido.
Uma onda de mal-estar, tristeza e decepção se misturou à raiva, mágoa e
uma sensação horrível de ter sido usada e descartada por um homem que
tinha todas as qualidades para ser perfeito.
- Filho da puta, desgraçado! - Foi tudo o que eu consegui dizer antes
de as lágrimas invadirem meu rosto e eu me afundar no sofá.
Talvez eu estivesse sofrendo antecipadamente ou à toa, mas não
conseguia evitar aquela sensação de que algo estava errado. Gregory não
podia ser diferente do que se mostrou na noite anterior, não podia ser mais
um cafajeste entre tantos outros. Eu não podia ser uma garota ingênua que se
apaixonava pelo cara no primeiro encontro, não podia ser mais uma a cair na
lábia de um sedutor barato.
****
Acordei assustada com minha mãe me chacoalhando. Assim que abri os
olhos encarei meus pais me observando preocupados. Com certeza meus
olhos estavam inchados de tanto chorar, pois eu mal conseguia abri-los.
Mamãe insistiu em saber o que estava acontecendo comigo, foi quando
me lembrei de que ainda não havia lhes comunicado sobre o término do meu
namoro com o Caio, usando o fato como desculpa para justificar minha atual
situação. Meus pais se sentaram comigo e ouviram quando lhes contei sobre
o telefonema desastroso de Caio e também sobre nosso encontro na boate,
falei sobre a ruiva e sobre ele dar em cima de mim na mesma noite.
Poupei os detalhes sobre Gregory. Meus pais não precisavam saber o
quanto a filhinha querida deles tinha sido ingênua a ponto de cair na lábia do
primeiro que apareceu para lhe consolar. Também não lhes contaria sobre o
boquete no carro e muito menos sobre eu ter sido capaz de levar um estranho
para dentro de casa. Alguns detalhes podiam passar despercebidos, eu
preferia que eles continuassem me tratando como a filha perfeita e sensata,
que jamais faria qualquer coisa sem pensar duas vezes.
Ah, se eles soubessem... que decepção seria.
Fui para a cama e dormi pesadamente. Quando o despertador tocou de
manhã, quase o joguei na parede. Meu rosto ainda estava um pouco inchado
por causa das lágrimas, mas um banho me recompôs e fui me vestir para o
trabalho.
O dia passou voando e consegui me distrair com os afazeres do
escritório, tudo bem que eu estava triste e decepcionada, mas se nem o
término do meu namoro de dois anos me colocou para baixo, não seria um
affair de duas noites que me derrubaria. Ao final do expediente, Pamela já me
aguardava em seu carro para me dar carona até a universidade. Éramos
colegas no curso de História.
- Nada do tal Greg ligar?
Pelo olhar enfurecido que lhe dei, ela soube que aquele assunto estava
encerrado.
- Vamos pra aula, espero que tenham calouros gatos, para a nossa
alegria e distração.
- Deus te ouça, amiga! Estou precisando de colírio para os meus olhos,
se é que você me entende.
Cumprimentamos alguns colegas na entrada da sala e observamos os
novatos circulando pelos corredores. Nunca prestei atenção nos garotos
enquanto namorei o Caio, pois sempre fui a namorada certinha que só tinha
olhos para o namorado.
Grande merda! Do que adiantou?
Matérias novas foram adicionadas no segundo semestre do curso. Fiquei
encantada com a aula sobre História Medieval, com certeza seria minha nova
matéria favorita.
- Amo esse curso - comentei com Pamela animadamente - e não
tenho dúvidas de que acertei em cheio ao optar por fazer faculdade de
História.
Finalmente a noite estava acabando, o último período era sempre o mais
cansativo já que todos queriam ir para suas casas.
Pamela mal prestou atenção em mim, estava perdida em pensamentos
encarando alguém que acabara de entrar na sala. Fiquei observando sua
expressão, achando engraçado. Queria ver por quanto tempo ela ficaria
hipnotizada pelo seu mais novo objeto de desejo.
- Tem razão - concordou ela, ainda olhando para frente. - Com esse
professor gato, tenho certeza que essa será minha matéria favorita, não
importa qual seja. Acho que já o vi em algum lugar, só não consigo me
lembrar aonde.
Acompanhei o olhar de Pamela até o tal professor, congelando ao ver de
quem se tratava.
O destino só pode estar de brincadeira comigo!
- Boa noite a todos! - cumprimentou a voz rouca, do jeito que eu me
lembrava. - Sou o professor de Introdução à Filosofia. O principal objetivo
da matéria, de um modo geral, será fornecer uma visão ampla da Filosofia
enquanto expressão cultural, percorrendo o arco de suas balizas históricas:
filosofia antiga, medieval, moderna e contemporânea...
Não consegui ouvir mais nenhuma palavra do que ele dizia. De todas as
pessoas no mundo, Gregory era a última que eu desejava encontrar naquele
momento. Estava perplexa pela coincidência de tê-lo como professor, mas
também pela maneira como meu corpo reagiu ao vê-lo novamente, tão lindo
em seu jeans e camisa social, seus sapatos pretos e cabelos desajeitados.
Nunca vi um homem tão sexy, usando uma gravata borboleta e
suspensórios! Como ele conseguia essa façanha?
Merda, eu estou com raiva dele, não posso sentir tesão por ele! Não
mais, não depois dele ter me feito de idiota.
- O que houve? - perguntou Pamela. - Tira o olho do professor,
porque eu vi primeiro - Brincou, sussurrando bem próxima de mim.
- Na verdade, quem viu primeiro fui eu.
- Como assim?
Nem precisei responder, pois o assunto de nossa conversa se apresentou
com nome e sobrenome:
- Sou Gregory Cadore, mas podem me chamar de Greg.
- Ah, merda. Fodeu geral! - Pamela me encarou estupefata.
Eu bem que tentei me esconder, foi então que ele me viu e reparei em
sua surpresa, franzindo a testa, demonstrando confusão. Não havia
comentado com ele sobre estar cursando faculdade, também não perguntei
em qual instituição ele lecionava. Pensei até que fosse professor do Ensino
Médio. Mundinho pequeno e insensível. Tanto lugar para ele dar aula, foi
parar justamente no meu curso de História.
Fiz um grande esforço para desviar o olhar, ainda tentando assimilar
minha surpresa. Gregory pigarreou e em seguida retornou sua explicação
sobre o conteúdo programático.
Já era doloroso a forma como me sentia magoada por ele ter me evitado
de um dia para o outro, depois do que houve entre nós. Unido ao fato de que
ele era meu professor, tudo ficou ainda pior. Pamela não soube o que dizer,
apenas observava a mim e ao Gregory, provavelmente tentando comparar
quem de nós dois parecia mais abalado. Quanto ao resto da turma, todos
continuavam alheios ao grande conflito que vivíamos internamente.
Será que foi por isso que ele não entrou em contato? Por, de alguma
forma, ter descoberto que seríamos professor e aluna? Não! Isso não faz
sentido, ficou bem clara sua surpresa em me ver na sala de aula.
O relógio me pregou uma peça, andando dois ponteiros para frente e um
para trás.
Que aula mais demorada!
Finalmente o sinal tocou e os alunos se alvoroçaram em direção à saída.
Aproveitei a oportunidade e me coloquei entre toda aquela gente, desesperada
para ir embora sem ter que passar por Gregory.
Eu bem que gostaria de dizer algumas verdades a ele, saber por que
desapareceu da rede social, porque não me ligou como prometeu. Mas de
repente, tudo o que mais desejava era adiar o momento de qualquer
esclarecimento entre nós. Eu precisava lidar com a ideia de vê-lo toda
semana, por meses, nas dependências da universidade.
Seria mais fácil se a noite de sábado não tivesse acontecido. Eu teria
reagido melhor se tivesse sido apenas a noite de sexta... A quem eu quero
enganar? De todas as formas não seria fácil! Eu não devia tê-lo conhecido
antes de hoje. Certamente conseguiria lidar com uma paixonite pelo
professor charmoso de gravata borboleta!
Não olhei para trás, optei por aguardar Pamela no estacionamento.
Praguejei mentalmente quando vi o carro de Gregory estacionado ao lado do
carro da minha melhor amiga.
- Lia, espera! - Era ele.
- O que você quer? - Respirei fundo antes de olhar para trás.
- Falar com você. - Chegou mais perto, mas não próximo o bastante
para que eu pudesse tocá-lo. Ele parecia frustrado.
O estacionamento ainda estava vazio, mas logo estaria cheio de alunos e
professores.
- Pensei que me ligaria ontem. Faltou assunto? - Não consegui evitar
um sorriso sarcástico. Eu estava muito puta da vida.
- Preciso me explicar...
- O que aconteceu com o seu perfil na internet?
- Eu desativei minha conta.
Não entendi o porquê de ele fazer aquilo, mas também não questionei.
- E desativou seu celular também?
Ele negou com um gesto de cabeça.
- Apenas decidi que seria adequado não ligar - disse em um tom
baixo, percebendo que havia pessoas se aproximando de onde estávamos. -
Venha comigo, vamos conversar.
Pestanejei, olhando em volta e me dando conta de que não poderíamos
conversar ali, não com plateia.
- Vou pedir para a Pamela me deixar lá no mirante. Ela já deve estar
chegando.
Ele anuiu em silêncio, desviando o seu olhar do meu. Observei-o entrar
no carro e dar a partida. Pamela chegou logo depois, alegando que tinha nos
dado espaço para conversar.
- Você está certa disso, Lia?
Pamela havia acabado de estacionar o carro próximo de onde Greg me
aguardava. Era segunda-feira e dificilmente haveria alguém ali, naquele
horário. Passava das onze da noite.
- Preciso resolver isso, logo! - Sorri para ela, tentando tranquilizá-la.
- Eu te espero aqui.
- Greg me levará para casa depois.
- Confia nele? - Ela franziu a testa, não conseguia esconder a
preocupação.
Hesitei antes de responder. Soltei uma lufada de ar e abri a porta do
carona.
- Pam, ele é nosso professor de filosofia. Se eu não aparecer em casa,
você sabe exatamente quem é o culpado.
- Não brinque com isso, Lia! É assunto sério, porra! Olhe em volta,
não tem ninguém aqui. É perigoso.
- Acredite, ele corre mais perigo do que eu, com a raiva que estou
sentindo. - Desci do carro e a encarei antes de fechar a porta.
- Ei, não quero visitá-la na prisão! - Sorriu, aparentando estar mais
calma. - Me avise quando chegar à sua casa, não importa o horário. Só vou
dormir se souber que está em segurança.
- Tudo bem. Eu aviso.
Aguardei que ela se fosse antes de ir até ele. Assim que me virei, vi que
Greg estava deitado no capô do carro. Era julho e o céu estava limpo como
no sábado, a temperatura agradável e uma leve brisa balançava os galhos das
árvores a nossa volta. Embora o local estivesse vazio, a iluminação não era
ruim, pois postes de luz estavam posicionados estrategicamente para não
permitir que o breu dominasse a vista do mirante.
Gregory sabia que eu já estava ali, mas não se virou para me observar se
aproximando. Eu que o alcancei, subi no capô do carro e me deitei ao seu
lado, mas ao invés de entrelaçarmos nossos dedos como da outra vez, ambos
apoiamos as mãos sobre nossa barriga, evidenciando o quanto estávamos
distantes um do outro, embora tão perto.
- "Só sei que nada sei". - Citou Sócrates, depois de um longo tempo
em silêncio.
- "O verdadeiro conhecimento vem de dentro." - respondi, usando
do mesmo filósofo.
- "Não é tanto o que fazemos, mas o motivo pelo qual fazemos que
determina a bondade ou a malícia."
- Santo Agostinho? É sério?
Ele não respondeu de imediato.
- Quando cheguei em casa no sábado, eu me sentia o homem mais
sortudo de todos - começou ainda fitando o céu. - Eu queria te ligar, mas
me contive. Não quis demonstrar a euforia de um adolescente. Pensei em
mandar mensagem, mas já era tarde e eu sabia que de todo o jeito
demonstraria o quanto ansiava por um próximo encontro. Então, para aplacar
minha agonia, acessei meu perfil na internet e banquei o stalker. - Fez uma
pausa. - Você só tem dezoito anos, Lia.
- Alivia sua consciência se eu disser que faço dezenove no próximo
mês? Não sou menor de idade, droga!
- Minhas sobrinhas estão perto de fazer dezessete.
- Foda-se. Eu não sou sua sobrinha e não tenho mais dezessete, Greg.
Pela primeira vez desde que cheguei, ele virou o rosto em minha
direção. Não retribuí. Tinha medo de sucumbir às lágrimas se o fizesse.
- Acabei de completar vinte e oito anos.
- Essa é sua desculpa por não ter ligado? - Virei meu olhar para ele,
sentindo a raiva tomar conta de mim. Fodam-se as lágrimas! Elas que
caíssem se quisessem. - A diferença de idade entre nós?
Quando o conheci, imaginei que seria mais velho, mas olhando para
Gregory, daria a ele uns vinte e cinco anos, no máximo. De toda a forma, eu
era maior de idade e relacionamentos que envolvessem grandes diferenças
entre o nascimento de um e outro, não era proibido, desde que fossem
considerados legalmente adultos. A maneira como Gregory falava era como
se estivesse deixando claro que não seria possível qualquer envolvimento
amoroso entre nós.
- Pensei que você tivesse uns vinte e três - murmurou com um sorriso
fraco. - Acabou de entrar na faculdade.
- Você não me ligou e desativou seu perfil na internet, por que me
considera nova demais pra você? - Não escondi a mágoa e a irritação em
minha voz.
Sentei-me no capô e cobri o rosto com as mãos, impedindo que as
lágrimas tomassem conta.
Não chore, sua idiota!
- Lia... - Senti sua presença ao meu lado e constatei que também
havia se sentado. - Eu apenas escolhi não ligar. Quis dar um tempo pra
pensar no que houve entre a gente, antes de entrar em contato, fosse para
marcar um novo encontro ou encerrar esse lance entre nós. Acredite em mim,
eu não ia simplesmente desaparecer da sua vida. Não sou esse tipo de cara.
- Mas foi o que você fez, Greg. - Continuei com o rosto coberto, até
me sentir preparada para encará-lo mais uma vez. - Desativar seu perfil, não
acha que foi exagero?
- Eu vi suas fotos. Em muitas delas você está com o Caio, seu exnamorado. Tive um pequeno vislumbre de como é sua vida. Estudo, passeios,
festas com pessoas da sua idade, namoro um garoto da sua idade. Sei que é
uma fase muito boa, afinal, já passei por ela. Desativei o perfil para não me
torturar mais, olhando o quanto estamos distantes.
- Não fale assim! - gritei, retirando as mãos do meu rosto e o
encarando. - Nunca fui tão eu na minha vida como naquele dia em que
estávamos aqui, trocando citações. Nunca me senti tão completa, como
quando você estava dentro de mim... - Tornei a fechar os olhos, sentindo as
lágrimas rolarem por minha face.
- Lia... - Senti sua aproximação e me levantei às pressas.
- Não me toque, eu só... não faça isso agora.
- Desculpe.
- Pelo quê? - Fiquei de frente para ele, desistindo de esconder o meu
choro.
- Por tudo. Realmente acreditei que você fosse mais velha. Foi
imprudente da minha parte não questionar isso antes. Eu me sentiria muito
mal se você fosse menor de idade. - Havia frustração em seu tom de voz.
Gregory se levantou e começou a andar de um lado para outro, agitado. -
Senti como se você fosse amiga das gêmeas e eu tivesse me aproveitado
disso.
- Não fode, Gregory! - Fui em sua direção e o empurrei. - Não fale
como se tivesse me forçado a algo que eu não quisesse. Pelo amor de Deus!
Você me tratou como mulher. Não sou criança, porra!
- É mais forte do que eu, Lia. Desculpe, mas foi como enxerguei as
coisas entre nós.
Inspirei fundo e expirei em seguida, de olhos fechados. Dei um passo
para trás e o encarei mais uma vez, assimilando suas palavras.
- Tudo bem - sussurrei, sentindo-me desgastada. - Embora eu não
consiga enxergar mal nisso, posso compreender sua reação. Você foi pego de
surpresa ao saber que sou mais nova do que pensava e precisava de um tempo
para decidir como encarar a situação. Desativou a porcaria do seu perfil na
internet e não me ligou. Mas, e agora?
- Como assim, e agora?
- Ainda me considera criança demais ou precisa de mais tempo pra
pensar?
Certo, talvez eu estivesse deixando meu amor próprio de lado só um
pouco.
- Você é minha aluna, Lia... - Passando as mãos pelo cabelo,
incomodado, ele me olhou suplicante.
Merda! Ainda tem isso!
- O inferno com isso, Greg! Ficamos juntos antes de sabermos disso.
- Lia... - O olhar triste dele estava acabando comigo.
- Diga que eu não fui nada pra você. Fala olhando nos meus olhos que
não gostou de mim, Greg. Quero ouvir da sua boca que a noite que tivemos
não foi incrível pra você da mesma forma que foi pra mim.
- Sinto muito, Lia. De verdade, sinto mesmo - Sua voz estava
embargada e eu encarei seus olhos marejados, me aproximando.
- Diga!
- Não posso dizer... - Ele negou com a cabeça, fechando os olhos.
Cheguei perto o bastante para segurar seu rosto entre minhas mãos.
Imediatamente todos os pelos do meu braço se eriçaram e senti seu corpo
tremer com o meu toque.
- Olhe nos meus olhos e diga que não foi especial - sussurrei com a
voz fraca. - Depois que me disser isso, pode me levar pra casa e eu vou
fingir que nunca houve nada entre a gente.
Gregory abriu os olhos e meu coração se apertou ao ver as lágrimas
escorrendo por sua face.
- Diga logo!
- N-não. Eu não posso. - Suas mãos se uniram as minhas e seus
lábios roçaram nos meus. - Foda-se, eu não posso!
Nossas bocas se chocaram com a intensidade de um raio caindo no mar.
Eu podia jurar que uma corrente elétrica percorreu nossos corpos e
queimaram todo o resquício de sanidade que havia em nossa mente. As
línguas travaram um duelo e as mãos se desligaram para percorrerem entre os
corpos, sentindo a luxúria nos dominar juntamente com a saudade e a raiva
do destino que havia nos pregado uma peça, colocando um obstáculo em
nosso caminho.
Gregory impulsionou meu corpo e eu envolvi minhas pernas em sua
cintura, sentindo as mãos pressionarem minha bunda com força, enquanto
nos levava até o capô do carro. Pressionando-me conta o metal, afrouxei
minhas pernas e soltei as mãos de seu pescoço para alcançar o cós do seu
jeans. Desafivelei o cinto enquanto ele abria o botão e abaixava o zíper da
minha calça, ambos desajeitados e com pressa, famintos para eliminar o que
nos impedia de unir nossos corpos. O ajudei a abaixar meu jeans e a calcinha,
escorregando-as até o joelho, e o auxiliei a fazer o mesmo com suas roupas.
Nus o suficiente para nos encaixarmos um no outro, não demorou para
eu senti-lo me preencher fundo, enterrando-se dentro de mim com força e
intensidade, gemendo o meu nome ao pé do meu ouvido enquanto suas mãos
afundavam na carne do meu quadril. A sensação de plenitude dominou meu
corpo e abri minhas pernas para abrigá-lo melhor. Ele não se moveu, ainda
estávamos tentando nos acostumar com a estrondosa onda de prazer que nos
inundou ao nos conectarmos.
- E se aparecer alguém? - perguntei com a voz trêmula, sentindo o
suor escorrendo em minha testa.
- Foda-se! - Estocou uma vez, lenta e profundamente.
- E se nos prenderem por atentado ao pudor? - Sorri, provocando-o.
- Foda-se! - Acelerou o ritmo, mas manteve a intensidade.
- E se... Ah! - Ele estocou ainda mais forte e mordeu meu pescoço,
impedindo-me de terminar a frase.
De toda a forma, eu nem me lembrava mais o que ia perguntar.
- Foda-se tudo, porra! Foda-se o mundo!
- Foi uma despedida, não foi?
Nós nos mantivemos abraçados, mesmo depois de subir os jeans.
- Não usamos camisinha...
Gregory não conseguia assumir em voz alta o que eu já sabia.
- Eu tomo pílulas - Justifiquei, depositando um beijo no topo da sua
cabeça. - E estou limpa.
- Também estou limpo. - Beijou meu pescoço, aonde havia mordido.
- Desculpe por isso.
- Tudo bem, é a ferida que menos dói.
Pude ouvir sua respiração pesada, até que ele finalmente se afastou. Seus
olhos estavam vermelhos e inchados e provavelmente os meus também.
- Vou te levar pra casa, já está tarde.
Sim, já estava tarde.
Tarde da noite.
Tarde demais para nós dois.
Tarde quando ainda era cedo.
Fim, quando ainda éramos um começo.
****
Não dissemos mais nada durante o trajeto até minha casa. Gregory não
desligou o carro, apenas parou para que eu descesse.
- Não converse comigo na aula, por favor - pedi, sem conseguir olhálo. - Vou precisar de um tempo para me acostumar com a ideia de tê-lo
apenas como meu professor.
- Tudo bem.
- Boa noite, Greg.
Ele não respondeu. Aguardou que eu saísse do carro e entrasse em casa,
para somente então ir embora. Escorei-me na porta de casa e fechei os olhos,
deixando que as lágrimas caíssem à vontade. Retirei o celular do bolso da
minha jaqueta, recordando-me do pedido de Pamela.
Lia>>> Cheguei em casa viva.
Não demorou muito tempo para eu obter uma resposta:
Pam>>> Você está bem?
Lia>>> Nenhum pouco.
Encontrei minha mãe sentada no sofá da sala, a televisão desligada e um
silêncio incômodo.
- O quê? - perguntei receosa.
Com uma expressão severa, minha mãe perguntou:
- Assisti o vídeo de segurança, da noite de sábado. Quem é o homem
que você trouxe para dentro de casa?
As câmeras de vigilância no pátio, como eu fui me esquecer desse
detalhe?
Sentei no sofá ao lado de minha mãe, sabia que não ia levar umas boas
palmadas no traseiro, afinal eu não era mais criança e nem quando criança
meus pais fizeram isso. Minha mãe era minha melhor amiga, além da Pamela,
claro. Sempre fui muito aberta com ela, muitas vezes ela quem conseguia
aliviar a minha barra com o papai, quando eu cometia algumas burradas.
- Por favor, me diz que apagou - murmurei chorosa.
- Claro que apaguei, se o seu pai visse aquilo, enfartaria.
- Foi um erro, me desculpe. Já aprendi a lição.
- Do que você está falando?
- Cadê o papai? - Tinha medo que ele ouvisse nossa conversa.
Mamãe deu de ombros.
- No décimo sono, querida. Só vai abrir os olhos quando o despertador
tocar.
Ela segurou minhas mãos entre as suas e eu sabia que podia confiar nela.
Abri meu coração e contei tudo, desde o primeiro encontro na pista de dança
até o último, do qual eu havia acabado de chegar.
- Vocês se protegeram?
Engoli em seco, não queria mentir, mas sabia que ela ia me dar um
sermão sobre os riscos de sexo sem camisinha. Apenas assenti com um gesto
de cabeça.
- Eu sinto muito que você esteja passando por isso, meu amor. -
Afagou meu rosto, sorrindo para mim com empatia. - Mas você tem que
entender o lado dele. Não é apenas a diferença de idade que se torna um
obstáculo, pois há inúmeros casais que são felizes independentemente disso.
Vocês são maiores de idade e o fato de Gregory ter consciência de que podia
ter cometido um deslize ao se envolver com uma adolescente, só mostra o
quanto ele é íntegro.
Abaixei o olhar e fitei nossas mãos unidas.
- Eu sei.
- Se tivesse acontecido há três anos, por exemplo, eu não estaria tão
calma ou compreensiva como agora. Sei que cada caso é um caso e que
homens mais velhos podem se interessar por garotas mais novas ou viceversa, de uma forma em que realmente exista o amor e não uma doença ou
perversão. Mas nem todas as pessoas, a grande maioria da sociedade, não está
preparada para essa realidade.
"Claro, um adulto se envolver com uma criança é errado, porque são
fases da vida diferentes entrando em colisão. Uma criança é um ser humano
em construção, o corpo não está pronto para viver a paixão que envolve um
relacionamento entre adultos, assim como a mente desconhece muito dos
assuntos do coração.
"Mas você é adulta, querida. Mesmo que ainda jovem. Pelo que me
contou, é perceptível o quanto esse encontro de vocês foi especial para
ambos. Talvez o Gregory tenha se chocado com a realidade, por ser um
homem mais vivido do que você e ter se atraído e gostado de alguém tão
nova e ainda inexperiente em muitos aspectos da vida. Contudo, ele poderia
dar uma chance ao relacionamento de vocês se soubesse lidar com todas as
descobertas pelas quais você ainda vai ter por estar iniciando a vida adulta."
- Acha que daríamos certo? - Havia esperanças em meus olhos
quando a encarei, buscando uma solução para os meus atuais conflitos
emocionais.
- Se ele não fosse o seu professor, sim.
Soltei a respiração, gradativamente.
- Não estamos mais no ensino médio, somo adultos droga! Por que tem
que ser tão complicado?
- Filha, existem limites que não podem ser ultrapassados.
Minha mãe era professora de História há mais de vinte anos. Lecionava
para turmas do ensino médio em duas escolas na cidade. Ela foi minha
inspiração e me fez amar a matéria desde muito cedo, despertando o meu
interesse em seguir carreira. Ao contrário dela, que tinha o sonho de se tornar
professora, o meu ia por outra direção.
Surpreendeu-me o fato de ela receber de forma tão pacífica a notícia de
que eu tinha me envolvido com um dos professores da faculdade. Talvez pelo
fato de termos nos conhecido e relacionado antes de sabermos que éramos
professor e aluna, e também pela decisão de Gregory em não levar nossa
história adiante. De toda forma, eu tinha sorte em poder contar com o apoio
dela, inclusive seus conselhos.
- Ter uma relação amigável com seus alunos é muito bom para os
professores, mas serem seus amigos não. Envolvimento amoroso, muito
menos. Existe uma linha tênue entre o que é ou não ético. Enquanto um for
aluno e o outro professor, esses limites não podem ser ultrapassados, Lia.
Assenti em silêncio, sentindo meu coração se despedaçar mais ainda.
- Misturar esse tipo de relacionamento pode influenciar no
comportamento e até mesmo destruir o processo de avaliação - continuou
ela. - Somos alertados sobre isso na faculdade, você ainda vai chegar nessa
etapa. É bem difícil ser imparcial quando se trata de alguém por quem
nutrimos afeto, não é mesmo?
- Uhum.
- Esse é um dos pontos principais, Lia. O ambiente pode ser
prejudicado, além disso, a maioria das instituições de ensino são contra esse
tipo de relação e um professor que se envolve com um aluno não é bem visto
pelo corpo docente.
- Acho que está sendo difícil aceitar pelo fato de não o ter conhecido
na faculdade.
- Imagino que sim. É por isso que estou do seu lado, querida. Mas
precisa entender a posição do Gregory. Gostaria de prejudicar a carreira dele
ou criar algum tipo de especulação que envolva seu crescimento como aluna
no curso de História?
- Claro que não!
- Então o melhor que vocês fizeram foi colocar um ponto final nessa
relação, agora, enquanto ainda estava no começo.
Cobri meu rosto com as duas mãos e inclinei-me em sua direção,
recebendo um abraço protetor.
- Eu sei, mas estou tão inconformada.
- Foi porque se apaixonou, filha.
- Mãe, não diga bobagens! - Afastei-me, voltando a encará-la.
Ela me deu sorriu complacente.
- Sei que sendo sua mãe eu deveria te repreender. Você se arriscou
muito trazendo um estranho para dentro de casa, indo pra cama com um
homem que mal conhecia. Mas eu jamais vou te julgar por isso, filha. Seu pai
e eu transamos no dia em que nos conhecemos, não foi tão romântico.
- Mãe! Não quero saber sobre isso, me poupe. - Fiz uma careta.
Ela abriu ainda mais o seu sorriso e revirou os olhos em seguida. Foi
engraçado.
- O que estou querendo dizer é que algo assim pode acontecer e não
significa que você é uma safada que transa com qualquer um. Você sabe que
teve sentimento, independente do desejo e da excitação, a gente percebe
quando é movida por sentimento. Mesmo que não fosse, cada um é livre para
decidir o que quer.
- Você é a melhor mãe do mundo, sabia?
Ela piscou e deu um beijinho rápido em seu ombro, fazendo-me rir.
- Não foi assim quando eu me apaixonei pelo Caio.
- O Caio foi sua paixão adolescente, o Gregory foi sua primeira
experiência adulta.
- Minha primeira decepção adulta também.
- Eu sinto muito, filha. Se dependesse de mim, jamais te veria sofrendo
por um coração partido, mas como mãe eu tenho que te dizer: "o feliz para
sempre" pode demorar um pouquinho a chegar, enquanto isso eu posso te
consolar, te abraçando e ouvindo, mas também dizendo que outros amores
virão, com mais intensidade, mais química, ou menos. Você vai ficar feliz
por um tempo e talvez mais adiante perceba que foi um erro, que já não te faz
tão bem como no início. A vida é cheia de amores e um deles será o certo,
aquele que vai se encaixar perfeitamente no seu coração.
- Obrigada, mãe.
Nós nos abraçamos e eu senti por um minuto que tudo ficaria bem.
Até me deitar na cama e as lágrimas me dizerem o contrário.