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Na manhã seguinte quando escuto a voz do meu pai pelos corredores da casa, fazendo eu me distrair levemente do desenho animado que estou assistindo. Não sei ao certo que horas são, mas para o meu pai estar tagarelando alto pelos corredores significa que está quase dando o horário dele ir trabalhar.
Depois da pequena conversa que tive com Apolo ontem no jardim, pedi licença dizendo que estava com sono - o que eu realmente estava - e me dirigi ao meu quarto, me despedindo brevemente das pessoas ainda presentes na sala de jantar. Fiz minha higiene normalmente e caí na cama mais cansada do que imaginava que estaria e pegando no sono logo em seguida. Hoje quando acordei, estava me sentindo desanimada para sequer pensar em estudar, então apenas disse que estava com dor de cabeça e mamãe me permitiu ficar em casa assistindo televisão, e é exatamente o que estou fazendo agora.
Papai assim que me vê, levanta as sobrancelhas em minha direção e desliga seu celular, o guardando no bolso do terno impecável que está usando.
- O que está fazendo em casa? Não devia estar na escola? - Zeus para em frente à televisão bloqueando minha visão do desenho animado.
- Acordei me sentindo um pouco mal, estou com dor de cabeça.
- Dor de cabeça não é motivo para faltas na escola Calíope, não pago uma fortuna nos seus estudos para ficar em casa atoa. - sinto a alteração na voz do meu pai antes mesmo dele começar a se estressar.
- Eu sei. Me desculpa, posso chegar para o segundo turno... - começo a me levantar para ir em direção às escadas que leva até meu quarto.
- Ótimo... Você tem exatos dez minutos para se trocar. Te levo na escola.
Apenas concordo com a cabeça, caminhando até meu quarto para me trocar. Se tinha uma coisa que meu pai odiava, era o descaso com o seu dinheiro ou com os estudos. Não podíamos nem ao menos cogitar ficar em casa, que ele já arrumava uma grande confusão.
Tomo um banho mais rápido do que o normal, penteio meus cabelos de um jeito qualquer e visto o uniforme padrão da escola. Meias três quartos brancas, uma saia plissada em um tom de verde oliva bem clarinho e uma blusa de frio de algodão. Não odiava de todo o coração meu uniforme escolar, mas essa saia me dava nos nervos.
Faltando menos de três minutos para acabar o tempo que o meu pai havia me dado, chego à sala onde ele está sentado teclando no celular respondendo alguns dos seus milhares de e-mails diários. Seguro minha mochila nos ombros e forço uma tosse sem graça chamando a sua atenção.
- Está pronta? Ótimo. Vamos indo. - meu pai se levanta do sofá, ajeita seu terno e caminha à minha frente indo em direção a garagem.
Hoje, por algum milagre, meu pai não passa horas escolhendo um dos carros para usar. Ele pega as chaves da Lamborghini preta, se senta no banco do motorista e buzina chamando minha atenção. Reviro os olhos, me sento ao seu lado ainda sentindo minha cabeça doer e envio uma mensagem para Eos avisando que estou a caminho da escola.
"Meu pai está me levando, ainda estou me sentindo mal. Em 10 minutos chego aí"
Bloqueio o celular novamente e apoio a cabeça na janela tentando a todo custo fazer essa dor passar.
- O que achou do jantar de ontem? - meu pai quebra o silêncio depois de um tempo dirigindo.
Dou um suspiro e penso na pergunta do meu pai. O jantar havia sido interessante, a comida como sempre estava impecável e as pessoas que estavam presentes eram até divertidas, mas nada fora do normal.
- Foi bom, eu gostei bastante. - respondo sem entrar muito em detalhes.
Assim que meu pai para em um sinal vermelho, ele vira a cabeça em minha direção com aquele seu olhar que diz "você sabe que odeio respostas curtas" e espera que eu formule minha frase novamente.
- A presença de Leto e seus filhos foi bem acolhedora. Gostei de saber que ambos pensam em se tornar artistas quando crescerem. - falo pausadamente usando a boa educação que recebi de meus pais - Leto é uma mulher incrível.
Ao ouvir minha fala, meu pai dá um sorriso satisfeito e se vira novamente para o volante. Solto o ar que nem sabia que estava prendendo e apoio minha cabeça novamente na janela, torcendo a todo custo que o caminho para minha escola seja feito mais rapidamente.
Sou levemente tirada do meu "descanso" quando meu pai estaciona o carro na calçada da Byron College, me chamando com aquela sua voz nada acolhedora. Me despeço dando um aceno de cabeça curto e caminho em direção ao grande prédio de estrutura moderna, que chamo particularmente de "inferno pessoal". Não me entendam mal, eu amo estudar, mas nas circunstâncias impostas pelos meus pais, eu odeio isso daqui.
Atravesso o grande pátio com seus detalhes em cinza contendo poucas árvores ao redor, indo em direção a sala da diretora Phoebe que com certeza me dará uma bronca por eu estar chegando no segundo turno. Caminho a passos lentos pelos corredores da escola distraída em meus pensamentos quando vejo uma movimentação estranha na porta da diretoria. Diminuindo meus passos, sigo cautelosamente até parar ao lado da porta da reitora esperando para ser atendida. Alguns minutos se passam até eu ver a presença de uma mulher conhecida passar entre as portas de vidro da sala da reitora.
- Calíope? - escuto a voz de Leto soar de uma forma surpresa.
- Senhora Leto? Oi, que bom rever a senhora. - digo dando um sorriso surpreso em direção a mulher mais velha.
Leto está vestida como se fosse uma grande mulher de negócios. Está usando uma impecável saia lápis, com uma blusa branca de rendas (que aposto serem de alta qualidade) e um sapato de salto nude que a deixou belíssima. Ela está me avaliando de um jeito esquisito, mas nunca tirando o sorriso em seu rosto impecável.
- Não precisa me chamar de senhora, assim me sinto mais velha do que já sou. - Leto abre um sorriso para mim tão perfeito que me sinto até envergonhada.
Concordo com a cabeça abrindo um sorriso educado em sua direção. Os minutos estão passando, aumentando ainda mais minha ansiedade em saber o que ela está fazendo aqui.
- Pela sua cara sei que está um pouco curiosa em saber o que estou fazendo em sua escola. - Leto diz abrindo um sorriso ajeitando sua bolsa Prada que está em seu ombro - Vim acabar de fazer a matrícula das crianças aqui. Recebi ótimas recomendações da Byron College e como me mudei a pouco tempo, vai ser ótimo para os meus filhos. - Leto finaliza olhando dentro dos meus olhos abrindo mais uma vez seu lindo sorriso.
Estou uma mistura de confusão e curiosidade. Ontem, no jantar, ninguém havia mencionado sobre mudança, muito menos que os filhos de Leto iriam estudar na mesma escola que eu e minhas irmãs. Busco na minha memória essa informação, para saber se eu havia me esquecido desse detalhe, mas percebo que não foi comentado isso em momento algum.
- Fico feliz em saber que Apolo e Ártemis vão estudar aqui na escola, eles vão gostar bastante... - troco os pés de apoio percebendo que estou ficando mais atrasada do que antes - Se a senhora não se importar, eu preciso pedir autorização para entrar em aula... acabei chegando atrasada por conta de uma dor de cabeça...
- Oh, claro querida. Espero que esteja bem... - Leto abre passagem para eu entrar - Foi bom rever você novamente. Vamos nos encontrar outras vezes.
Fico entre a porta e o corredor, vendo Leto se afastar como uma grande modelo, ponderando sua última fala quando escuto a voz de Phoebe atrás de mim.
- Senhorita Calíope, atrasada novamente?
Logo após a vergonha de ser direcionada até minha sala com Heitor - o segurança - nas minhas costas, me encaminhei até minha carteira no fundo da sala largando todo o meu material de um jeito desleixado em cima da mesa. Phoebe depois que falou mais uma vez sobre meus atrasos, e me fez assinar seu grande caderno de capa preta, chamou Heitor para me acompanhar até meus "aposentos". Sempre que Heitor - o segurança - acompanhava algum aluno até sua sala, era sinal de encrenca, e eu, mais uma vez, fui até minha sala com o brutamontes de pele morena.
Heitor havia me deixado na sala, me acompanhando com o olhar até eu me acomodar na minha mesa, se despediu da professora e deu um tchauzinho educado a toda turma. Quem vê pensa que ele é legal.
- Senhorita Calíope, eu estava falando em minha aula sobre Conjunto dos Números Inteiros, por favor, abra seu exemplar na página cem.
Confirmo com a cabeça pegando meu material de forma lenta em minha mochila, abro meu livro na página que a senhorita Maia havia pedido, e finjo prestar atenção na matéria. Minha cabeça está doendo tanto que os mínimos sons da sala de aula me causam enjoo.
Estou perdida em pensamentos, olhando para um ponto qualquer do quadro negro, quando sinto meu celular vibrar no fundo do meu estojo. Pego o aparelho cuidadosamente abrindo na mensagem que Eos, minha melhor amiga, acabou de me enviar.
"Você está bem? Está com uma cara péssima..."
Não tenho tempo de responder, porque uma nova mensagem chega logo em seguida.
"Percebeu os alunos novos sentados na fileira da frente? Pelas fofocas que já estão rondando no grupo da sala, eles se mudaram a poucos dias e são gêmeos..."
Tiro meus olhos do meu celular para olhar em direção a Eos, que está a duas fileiras da minha mesa. Nossa sala é composta por aproximadamente 50 alunos, divididos de forma igualmente entre meninos e meninas, o que deixa nossa turma extremamente cheia. Como não sou tão acostumada a reparar nos alunos da minha sala, nem notei se existiam novos rostos ou não. Olhando em minha direção, Eos faz um aceno de cabeça pedindo para eu acompanhar seu olhar até as mesas da frente, onde posso notar a cabeleira loira de Apolo e ao seu lado, Ártemis, com uma trança estilo viking que faz seus cabelos parecerem mais cheios do que o normal.
Olhando mais atentamente, posso perceber que os gêmeos acompanharam todo o caminho que fiz até minha mesa, viram até mesmo o Heitor me deixando na porta da sala. Será que as fofocas correm tão rápido a ponto de eles saberem exatamente o que o Heitor significa?
Estou tão distraída que nem percebi a senhorita Maia riscando o quadro incontrolavelmente passando um amontoado de exercícios. Aproveito que nossa professora está virada para a turma, e tiro diversas fotos do que está sendo passado, para em algum momento - que não será hoje - copiar toda a matéria.
No exato segundo que a senhorita Maia risca a última frase no quadro, o sinal do intervalo ressoa por toda a sala de aula. Os alunos começaram a se dispersar tão rapidamente que sobra apenas eu, Eos, os gêmeos e a professora.
Guardo todo meu material na mochila, deixo a mesma posicionada em cima da mesa e caminho até Eos, que está com o seu cabelo ruivo acobreado em um rabo de cavalo mais torto que a árvore do meu quintal, sorrindo para mim.
- Se arrumou dormindo, foi? - pergunto quando estamos frente a frente. Eos revira seus olhos e me mostra a língua, ignorando minha implicância matinal.
- Senhorita Calíope, poderia vir até minha mesa um minuto? - escuto a voz da nossa professora ainda sentada em sua mesa ajeitando alguns papéis.
Reviro os olhos fazendo uma careta, e caminho a passos lentos com minha amiga ao meu lado para a mesa que está nossa professora. Ainda sentados de forma quase robótica estão os gêmeos que nem parecem ser as mesmas pessoas que estavam em minha casa ontem.
- Não queria ser imprudente ainda cedo, mas estou preocupada com o seu desempenho escolar... - a voz da senhorita Maia está baixa, mas ao mesmo tempo agitada - Você me parece distante, está acontecendo alguma coisa em sua casa? Está com problemas?
Talvez, só talvez, se ela tivesse me feito essa pergunta a alguns meses atrás, eu responderia com sinceridade, mas hoje... Bom, não me resta mentir.
- Está tudo bem sim... - deixo a frase morrer no meio do caminho.
Conversar com adultos já é muito estranho para uma criança de 12 anos, agora conversar com um adulto que é seu professor é mais estranho ainda.
A mulher na minha frente pensa se vale a pena insistir na conversa, mas logo desiste quando escuta um barulho atrás de mim, o que faz eu e Eos virar o corpo para olhar. De um jeito atrapalhado está Apolo lutando com unhas e dentes para guardar seu material em sua mochila e em pé na sua frente, uma Ártemis sem um pingo de paciência esperando o irmão gêmeo.
- Conseguiram finalizar a matéria crianças? - Maia diz de um jeito muito infantil para alguém da nossa idade.
Vejo os olhos de Apolo e Ártemis seguirem a voz da professora, passando por Eos e finalmente chegando em mim. O que vejo nas feições dos gêmeos é surpresa e reconhecimento ao mesmo tempo. A constatação que fiz mais cedo, que eles haviam me visto, acaba de ser anulada.
- Calíope? Não sabia que estudava aqui. - é a voz de Apolo que se faz presente primeiro.
Sinto os olhares da nossa professora e de Eos sobre mim, e antes de responder, minha professora quebra o silêncio com sua curiosidade.
- Vocês se conhecem? De onde?
Passo os últimos cinco minutos explicando sobre a mãe dos gêmeos ser amiga dos meus pais e que ontem participamos de um jantar juntos. Eos escuta tudo calada e com um bico maior que seu rosto, quando finalizo a explicação, a professora Maia finalmente nos libera para o intervalo.
Saio da sala com Apolo, Ártemis e Eos atrás de mim. Minha amiga está tagarelando sobre minha falta de consideração em contar sobre ontem, enquanto os gêmeos dão pequenos sorrisos para as falas atrapalhadas de minha amiga.
- Esse aqui é o único lugar onde a gente pode ser feliz. - digo apontando para o refeitório.
- Por quê? - Apolo pergunta passando a mão em seus cabelos loiros.
- Porque tem comida. - eu e Eos respondemos em uníssono.
Estávamos sentados ao lado de uma grande janela no refeitório, quando o grupo dos populares chegou próximo a nossa mesa. Ártemis, estava mastigando um pedaço da sua torta de maçã, Apolo estava distraído com algum mangá em sua frente, enquanto eu e Eos conversávamos sobre algum assunto aleatório. Não tínhamos prestado atenção até alguém forçar uma tosse, fazendo as quatro pessoas sentadas na mesa virar a cabeça encarando o grupinho.
Helena, a garota de 14 anos, voz fina e personalidade insuportável estava na frente de todo o grupo, como se fosse a líder com seu temperamento duvidoso. Ela me olhava com aquele seu sorriso debochado enquanto dava uma boa olhada em Apolo. Após sua breve avaliação, ela virou seu rosto para mim novamente e disparou seu veneno.
- Ainda está com aquele probleminha Calíope? Fiquei sabendo que Heitor precisou te acompanhar outra vez.
Viro meu rosto para a esquerda ignorando a fala venenosa de Helena, ela só está tentando me atingir como em todas as outras vezes. Eos está me olhando com aquele seu semblante preocupado, tentando me passar algum sinal de conforto, que de algum jeito sempre me acalma, mas dessa vez me deixa ainda mais nervosa.
- Não vai comer Calíope? Você está tão magrinha. - Helena dispara mais uma vez, fazendo todo o meu corpo se encolher.
Sinto todos os olhos em cima de mim, tentando entender o que Helena acabara de dizer, mas estou tão perdida em pensamentos que nem ao menos consigo sentir Eos apertando meu braço de uma forma acolhedora.
Helena está me encarando com tanto desprezo que fico imaginando como uma garota da nossa idade pode ser tão fria e repulsiva. Me sinto menor a cada vez que seus olhos passam pelo meu corpo me avaliando, esperando alguma reação, que ela mesma sabe que não vai vir. O que eu poderia dizer ou fazer? Helena tem vídeos e fotos do que aconteceu e ela poderia espalhar para escola inteira. Não tenho local de fala aqui nem se eu quisesse.
Após uns dez minutos parada em nossa frente com seu grupo logo atrás, Helena se cansa, me dá um tchauzinho e se vira para ir embora, fazendo todo o ar que estava preso em meus pulmões serem liberados. Sinto novamente o peso da culpa em meus ombros, me causando tontura e enjoo.
- Está tudo bem? - Apolo pergunta olhando diretamente em meus olhos.
Posso ver em suas írises um pouco de preocupação e confusão com o que acabou de acontecer. Ele está me olhando intensamente, tentando entender se existe alguma coisa de errado comigo, mas sou tão fechada que ele tem uma enorme dificuldade para desvendar meus mistérios.
Não digo nada, apenas dou de ombros e passo a mão em meu rosto que se encontra levemente molhado pelas lágrimas que nem sabia que estavam escorrendo. É tudo tão confuso que me deixa sufocada. Pego meu celular conferindo as horas no visor, constato que faltam apenas cinco minutos para o fim do intervalo, e antes mesmo de me arrepender, pego minhas coisas que estão espalhadas pela mesa e saio correndo do refeitório. Deixando minha amiga e os gêmeos confusos com a minha reação repentina.