Capítulo 6 O Medo de Perder

Angeline

Posso sentir o medo me invadindo, não suportaria perder minhas filhas, elas são minha vida. Mesmo com todas as garantias que sempre tive, o interesse agora deste homem está despertando meus piores temores.

Entretanto não posso me desesperar, preciso agir com calma e pensar bem em cada decisão que irei tomar, pois diz respeito às minhas filhas. Antes de ser forte, permito-me um momento de fraqueza e deixo algumas lágrimas escorrerem, então conto até 10 e respirando fundo, levanto o rosto e me preparo para agir.

Se tem alguém com quem posso contar para conselhos nesse momento é meus pais, eles sempre foram minha rocha durante toda a vida. Decido ligar no celular da Mel, se falar com o meu pai, ele fará muitas perguntas, e acho melhor falar disso pessoalmente. Ela atende no segundo toque.

- Bom dia querida, tudo bem?

- Bom dia mãe, não muito, o genitor das meninas está querendo conhecer elas, e não sei o que fazer. - Não quero tratar disso por telefone. - A senhora e o pai podem ir jantar lá em casa hoje?

- Claro que vamos filha, e fique tranquila, ficará tudo bem.

- Obrigada mãe.

Despedimo-nos e noto que a médica me enviou a cópia do tal documento, e já dou uma lida nele, ao que parece nada mais é que uma garantia do homem que não quer nenhum direito sobre as meninas, apenas conhecê-las. Ainda assim, quero que Nicola dê uma olhada para ter mais certeza, prefiro que ele, como meu advogado veja o documento, e dessa forma ter maior certeza que não terá nenhum risco. Nicola Oliver além de meu advogado, é um velho amigo da época de escola, e por ser de confiança, uma das poucas pessoas fora da minha família que sabem que recebi a doação e não sou mãe biológica das meninas, para todos eu as tive por meio de fertilização em uma produção independente. Não é falta de confiança, só que é um assunto que não costumo compartilhar.

Liguei para ele, mas sua secretária avisou que o Nicola está com um cliente e que me ligará assim que terminar.

Fiquei andando de um lado para o outro, muito angustiada com esse súbito aparecimento do genitor das meninas. Minha cabeça está dando voltas e com as mais diversas suposições passando por meus pensamentos.

Ouço a porta abrir e me viro para olhar, Ayumi está parada ali, me olhando preocupada.

- Está tudo bem, Angie?

- Está sim, só um pequeno problema que surgiu. Mas e você, está precisando de algo?

- Só que você assine esse documento que o RH enviou.

Peguei a pasta de sua mão, e após uma lida rápida, assinei e lhe devolvi.

- Angie, precisa de alguma coisa?

- Peça para a cozinha me enviar um suco de maracujá bem forte.

- Pode deixar.

Ela se retira, fechando a porta atrás de si, e vou até a janela olhar para a cidade. Aqui de cima posso ver muito de Los Angeles. Permito os pensamentos nebulosos mais uma vez tomar conta de mim. Só voltei a me sentar quando o telefone em minha mesa começou a tocar.

- Pronto.

- Angie, estou com o senhor Oliver na linha.

- Pode passar. - Ela transfere a ligação. - Bom dia, Nicola.

- Bom dia Angie, a que devo o prazer de sua ligação?

Explico sobre a ligação da médica e toda a questão com o genitor das minhas meninas, que alega não saber da doação, e como ele disse estar apenas querendo conhecer as meninas e até mesmo assinou um termo confirmando isso.

- Fica calma, como te expliquei há mais de um ano, todos os documentos têm uma boa base legal e a clínica tomou todo cuidado para não haver nenhum problema. Todavia, eu seria muito desonesto com você se lhe dissesse que não há nenhum risco, a lei nunca será imune de brecha, mas como tenho em mãos todos os documentos, estou preparado para qualquer eventualidade que venha a ocorrer, e assim que desligar vou olhar o novo documento, já irei verificar quais brechas ele pode vir a conseguir e assim saber como barrar cada uma.

É muito bom saber que ele está preparado para tudo, mas ainda assim, tenho muito medo, pois nunca cogitei a hipótese do homem não saber que foi feita a doação.

- Nicola, com essa história dele não saber da doação, você acha que corro algum risco de perder minhas filhas?

- Dificilmente, pois apesar de não termos acesso ao documento de doação, devido à regra de confidencialidade, sabemos que foi assinado, do contrário não teriam lhe entregado o embrião.

Eu sei que a clínica é muito rígida e não cometeria uma falha desse nível, a doutora Bastet teria avisado se fosse assim, e ela mesma está tranquila com esse encontro, porém o que me incomoda é ele dizer não saber da doação.

- Mas Nicola, ele afirma não saber antes do ocorrido, e se algum juiz pensar que ele foi enganado? É isso que me preocupa.

- Se ele foi enganado, não terá sido por nós e não temos qualquer culpa disso. Para o judiciário o que importa é o documento que foi assinado, ele que tem validade perante a lei. É como sempre te falo, leia com cuidado antes de assinar, pois nada tem mais validade que um papel com sua assinatura. Mas se tem dúvidas, ligue para a clínica e converse com a médica, pergunte sobre o documento de doação, no fim será sempre ele o que importa.

- Obrigada Nicola, vou ligar lá. - Algo me vem à mente, o homem pode forçar o contato comigo. - Só mais uma dúvida, se eu recusar contato, esse homem pode conseguir que a clínica entregue meus dados, digo judicialmente?

- Não, se ele entrar com um processo, a clínica poderá mostrar o documento de doação dele sem que para isso revele sua identidade. Seria muito difícil conseguir a quebra da confidencialidade médico-paciente, ele teria que ter um argumento muito forte, o que eu não existe. - Ele fica em silêncio por um instante. - E Angie, posso lhe dar um conselho? Não apenas como advogado, mas como amigo.

- Claro, diga Nicola.

- Não tenha medo desse contato, e não se esqueça, você não adotou as meninas, você as gerou e perante a lei você é mãe delas e nenhum DNA mudará esse fato, independente do que esse homem faça ou diga, isso não irá mudar.

- Está bem, não me esquecerei disso.

- Que bom, precisando estou aqui.

- Mais uma vez, obrigada.

- Disponha.

Desligo e sem demora procuro o telefone da clínica e ligo lá, preciso tirar essa dúvida que Nicola levantou.

- Clínica Dreams, em que posso ajudar.

- Bom dia, aqui é Angeline Campion e preciso falar com a doutora Bastet.

- Só um instante que verei se ela pode atender. - Uma música começa a tocar, mostrando que estou na espera. - Senhora Campion, no momento ela está em uma consulta, mas me pediu para avisá-la que assim que terminar ela retorna à ligação.

- Obrigada.

Desligo e viro minha cadeira, ficando de frente a bela parede de vidro que tem atrás. E mais uma vez deixando meus pensamentos irem longe.

Nicola está certo quando diz que sou a mãe das meninas, não houve um processo de adoção, eu as gerei e lhes dei a vida, é meu nome que consta na certidão de nascimento de cada uma. Mas ainda sinto algo me afligindo e não consigo identificar o quê.

Pego meu celular e envio uma mensagem para Nate, preciso saber de minhas meninas.

Angeline:

Olá, Nate, como as meninas estão?

Fico olhando o celular esperando uma resposta, e ela não demora a chegar.

Azenate:

Elas estão ótimas, estamos todas ajudando a Clover a preparar o almoço, embora elas querem mesmo é comer tudo.

Saber disso me deixa mais leve, meu telefone começa a tocar e deixo o celular de lado.

- Pronto.

- Angie, a doutora Bastet novamente.

- Pode passar Ayumi. - Espero ela passar. - Obrigada por retornar tão rápido, doutora Bastet.

- Disponha, senhorita Campion, em que posso ajudá-la?

- Doutora, liguei, pois surgiu uma dúvida e só a senhora pode esclarecer. Durante a ligação anterior, a senhora falou que o genitor não sabia da doação, e eu gostaria de saber se os documentos de doação estão devidamente assinados.

- Não se preocupe, senhorita Campion, todos os documentos estão assinados, no que diz respeito à parte legal, está tudo certo. Eu não posso lhe explicar o que houve, pois somente ele poderá lhe dar essa informação, já que se trata de um assunto pessoal, mas não se preocupe, não houve falhas de nossa parte.

- Eu não estou desconfiando de vocês, mas é que é estranho demais ele não saber da doação, já que assinou o documento.

- Entendo o quanto é conflitante, nós nunca passamos por uma situação como essa aqui na clínica. Eu fiquei bem surpresa ao saber de toda a história desse pobre homem. É uma situação delicada, mas não tenha medo, está tudo dentro da legalidade.

- Está bem, obrigada doutora Bastet, e desculpe o incômodo.

- Não tem o que desculpar, é normal ocorrer dúvidas, e se tiver mais alguma, é só me ligar, estarei aqui para ajudar.

- Obrigada, tenha um bom dia.

- Igualmente.

Então ele assinou o documento, mas como pode ele agora vir dizer que não sabia de nada? Essa história continua estranha e sei que só tem um jeito de saber mais coisas, falando diretamente com o tal homem, mas fazer isso pode implicar em muitas coisas, principalmente para as meninas.

Eu não sei o que fazer, ao mesmo tempo que quero todas as respostas, quero fazer as malas e sumir da cidade, para que ele nunca veja minhas filhas.

Terei que tomar uma decisão. Mas qual será a certa?