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Não, ele não sabia tudo.
Aprendeu apenas o suficiente para saber identificar certos pormenores que o ajudam a manter a sua relação.
"O teu cabelo está seco", sussurrou-lhe ela ao ouvido, olhando-o através do espelho da casa de banho. "Devias pintá-lo."
Era verdade, ele tinha-se descuidado tanto para o manter sedoso que agora demoraria tanto tempo a tê-lo igual, olhou-o brevemente, não gostava daquele tom avermelhado que se perdia até às raízes.
Fixou o olhar no seu próprio corpo, a sua pele tão pálida que lhe causava repulsa com aquelas marcas roxas no pescoço, tinha um peito não tão liso como era suposto ser, agora, sabia que o seu cabelo lhe dava um aspeto horrível.
"Tens uma... Suave", disse ele enquanto o abraçava por trás. "O Dylan era mais magro."
"Eu sei."
"Eu conseguia abraçá-lo com um braço." Nathaniel sorriu para ele enquanto colocava as mãos nos seus ombros. "Não tens de te sentir mal."
"Não me sinto."
Ela sorriu para ele através do espelho. Ele usava o cabelo com extensões, tinha deixado de o cortar talvez um mês antes de o loiro o deixar, chegava-lhe facilmente acima dos ombros, embora ele gostasse de ter madeixas coloridas, e era por isso que usava extensões ou as suas adoradas perucas que coleccionava na casa do pai.
"Podias cortá-lo?"
sugeriu ele, dando-lhe um beijo na bochecha.
Estava no seu intervalo das quatro horas, tinha de compensar as horas de atraso e obrigaram-no a ficar até depois da hora de fecho.
Não havia clientes.
Podia descansar meia hora, o seu patrão na cozinha nem sequer se enterrava, por isso tinha a bochecha apoiada no balcão com a cara virada para a janela, as pessoas que passavam no passeio desviavam o olhar comovidas por verem aquele rapaz a dormir no balcão daquele sítio.
Tomás preferiu ficar na cozinha. Embora aquele dia estivesse a ser tão horrível que o patrão exigiu que ele atendesse a caixa, caso contrário acabaria por falir e fechar a loja definitivamente. Mandou-o entrar com a desculpa de que não havia ninguém para fazer o trabalho, porque ao meio-dia estava tão cheio que precisavam de mais empregados para receber os pedidos.
Ao longe, ouviu bater na madeira e a campainha da porta, quando um cliente entrou.
Ele mexeu-se.
"Com licença", uma voz exige a sua atenção, enquanto as batidas na madeira continuam a fazer vibrar os seus tímpanos.
Reagiu, arregalando os olhos perante o murmúrio de pessoas que esperavam junto à caixa, perscrutou o local com os olhos, as mesas enchiam-se e havia quase treze pessoas em fila para encomendar e pagar os seus pedidos.
"Três bolinhos", a rapariga à sua frente estende-lhe o dinheiro, ele acena-lhe com a cabeça e marca o preço para tirar o troco da caixa.
Estava apenas a fazer o seu trabalho, pois era pago para receber e fazer os pedidos que estavam impressos nas máquinas da cozinha, os que o seu patrão estava a preparar.
"Noite má."
Aquela afirmação fê-lo desviar o olhar, observando o quinto cliente que se aproximava para comprar o seu pedido, um rapaz alto, com roupas desportivas e cabelo encaracolado.
Acenou com a cabeça.
"Dois americanos sem açúcar", ouviu-o dizer, fez a cobrança marcando o preço enquanto estendia a mão para o dinheiro, mas outra mão agarrou a sua. "Tens a tarde livre?"
Ele não lhe respondeu.
"Amanhã, quero dizer amanhã", apressa-se a corrigir-se. "Vais ter a tarde livre?"
Ele ficou em silêncio. Tomás acabou de levantar o dinheiro com a outra mão, arrancou o recibo para o carimbar no peito do rapaz e não na cara. Devia ser um sonoro não!
"O café doce espera-te em breve."
O rapaz forçou um sorriso, segurando o envelope que tinha sido carimbado contra o peito. "Ter uma cara bonita faz-te sentir superior, seu cabrão, já pensaste nisso?
"Pensar em sair para perder tempo com uma temperamental", Tomás observou o rosto do jovem de cabelo encaracolado. "Há tanta gente à espera para comprar, que é melhor mexeres-te."
O rapaz bufou.
Colocando as mãos no balcão.
"Eu nem sequer gosto de café, mas vim para aqui perder o meu tempo neste..." o rapaz de cabelo encaracolado olhou em redor da loja com desdém, até fixar os olhos nos outros. "Um café aborrecido, com um serviço tão mau. E para não falar de uma caixa tão arrogante."
Tomás levantou-se.
"Tu não aceitas mesmo um não", sorriu, "é a tua primeira rejeição. Ultrapassa isso e arranja uma oportunidade com quem quer que seja, deixa-me só fazer o meu trabalho."
Não havia nada de errado em usar o cabelo curto, e daí, havia dias em que mal conseguia tolerar o seu próprio reflexo no espelho. Tolerar-se a si próprio, viver com os outros, era tão frustrante, tinha de lidar com as suas constantes mudanças de humor, as suas inseguranças e aguentar a provocação dos outros, que se lixe a educação.
Já tinha o suficiente no prato para aguentar mais do que um idiota arrogante.
Thomas Downs, único, havia dias em que acordava como um rapaz, outros em que se sentia como uma rapariga e havia ainda aqueles em que mal sabia que existia.
"Por isso tivemos de vir."
"Obviamente, ficamos muito bem juntos." Ela viu-o erguer as sobrancelhas em sinal de divertimento. "Devo deixar o meu namorado."
As mãos do outro agarraram as da ruiva, que arregalou os olhos ligeiramente irritada.
"O teu namorado? Ele devia vestir-se assim", formou uma linha reta nos lábios, alheio ao seu traje.
"Eles não sabem..."
"Ela é tua mulher!"
As palavras do jato foram interrompidas pelo anfitrião da festa, o seu melhor amigo estava a dar um passo em frente na sua independência e, por isso, festejava em grande, com uma mão no ombro.
Tomás tinha os olhos fixos na pessoa que ainda lhe segurava as mãos, porque achava divertida a forma como ele implorava ajuda, sorriu-lhe libertando-se do aperto do companheiro.
"Sim." respondeu sem desviar o olhar daqueles olhos hipnóticos, pois se se referia ao jato, sim, a sua mulher era de facto linda.
O jato sorriu com gratidão.
"Não a achava assim tão bonita.", comentou o aniversariante ao dar uma palmadinha no ombro do outro.
"Eu sei."