Capítulo 2 EM BRANCO

CAPÍTULO UM: EM BRANCO

Antes do fim é suposto haver um começo, mas, eu sou péssima em começos, em entrelaçar caminhos e conhecer pessoas; isso, interagir com os outros e dar início ao primeiro dia do meu caos pessoal.

Esse dia.

Aquele dia.

20 / dezembro

Aquele dia.

Tinha de ter uma desculpa para se atrasar, não havia nenhuma, queria partir a janela do primeiro andar para ver se era o vidro que escondia a sua presença na rua, sim, os transeuntes circulavam no passeio oposto com parcimónia em relação ao seu trabalho, o que o impedia tanto? Inconscientemente, as minhas mãos estavam sobre o vidro, quase me assegurando que o material era real, sem pensar, bati suavemente com a testa na superfície.

"Ele mentia sempre", dizia sempre, devo ter-me habituado aos seus truques inesperados, aqueles que surgem em dias como este. "Deve estar no seu lugar especial.

Um bufo escapou-me dos lábios. Rangendo os dentes, girei sobre os calcanhares, involuntariamente, e dirigi quase automaticamente os meus passos para a velha escada de casa. Há quase um mês que andava de um lado para o outro, a apanhar as migalhas deixadas pelos seus companheiros de cama; devia parecer ridículo, mas eu fazia-o, não porque quisesse, mas porque tinha de o fazer.

Prendeu o cabelo num rabo-de-cavalo, pisando o terceiro degrau.

Habituou-se a não ter ninguém em casa, a mãe viajava tanto que viver sem companhia era mais fácil do que passar com notas decentes, parecia que não conseguia escapar ao rapazinho que tinha como namorado. Não era suposto sorrir por aquele rapaz. Não era suposto Nathan chorar por ele.

"Queres experimentar?", repeti pela quarta vez, o que ele tinha proposto de forma tão selvagem que pensei estar a sonhar.

Estava a chover lá fora, ele estava no corredor, as suas roupas estavam encharcadas devido à exposição à chuva, os seus lábios tremiam, os seus membros pareciam estar a fazer o seu melhor para o manter de pé.

"Sim", disse ele.

"Tu, queres experimentar... Comigo?" Apontei para nós os dois, enquanto falava.

Ele acenou com a cabeça.

"Enlouqueceste." Era tão horrível a forma como ele parecia implorar por um abraço, um abraço que não receberia de mim, mas não tinha escapatória.

Vi-o baixar a cabeça, quase sem vontade de o dizer de novo, estendeu a mão antes de olhar para cima. Gostava que não o tivesse feito. Teria preferido que ele ficasse assim até se ir embora. Os seus olhos estavam vidrados enquanto ela segurava as lágrimas que lhe queriam correr pelas faces.

"Podemos voltar? Nathaly?" o seu orgulho tinha chegado à quinta vez, implorando por uma relação que já não existia, uma relação que ele queria forçar de novo, eu ia ser um déspota e obrigá-lo a ir-se embora durante a chuva torrencial, mas não tinha tempo.

Peguei-lhe na mão.

"Porquê?", perguntei-lhe suavemente, sentindo a sua pele fria.

"Ele..." negou, inspirando profundamente, quase desesperadamente à procura do oxigénio que não chegava aos seus pulmões. "Ele queria que fosse assim."

Tudo por causa de uma loira.

Estava outra vez atrasada para o trabalho.

Arrumei a farda antes de ir buscar as chaves à mesinha junto ao hall, tirar o casaco do bengaleiro, rindo da ingenuidade com que tinha acreditado na sua promessa. Perto de casa, do outro lado da rua, havia um prédio que alugava apartamentos, na esquina oposta havia um café e, da porta da frente, tinha de caminhar alguns passos para chegar ao cruzamento e aceder à outra plataforma.

Um beijo terno foi deixado na sua bochecha, não importando o quanto ela se agarrou ao meu corpo.

"Não, não gosto de rapazes."

"Então... Eu posso... I... Eu posso..." os seus olhos procuravam desesperadamente manter-se à tona, ele precisava de alguém para o manter são. "Eu posso ser a tua namorada!"

"O que é que estás a dizer?" chocou-me tanto que recuei alguns passos, afastando-me dele.

Se eu soubesse que ele estava a falar tão a sério, tê-lo-ia impedido, não teria acenado com a cabeça em sinal de concordância. Ter-lhe-ia dito para não gozar comigo, que não queria que ele mudasse. Também lhe teria pedido uma relação exclusiva.

Olhei para o céu, estava a escurecer, abri a porta, tocando a campainha barulhenta como se fosse mais um cliente da loja. Passei por entre as mesas até ao outro extremo do local, passando pelo bar, à procura da cozinha.

Antes de se tornar sócio, era meu amigo, um amigo muito próximo, falávamos com tanta confiança que podíamos afirmar que éramos confidentes um do outro. Por isso, eu sabia que ele devia ter uma força aterradora para enfrentar este dia.

"Qual é o problema de estar com os outros?", sorri enquanto olha para o céu, estamos sentados na varanda da sua casa, com os pés a balançar no vazio.

"Que idiota." murmurou ele, sem tirar os olhos da cara dela.

"Tenta três.", explicou ele sem tirar aquele sorriso suave que oferecia quando queria conseguir alguma coisa, até os dentes se notavam perante o seu grande sorriso. "Foi assim que comecei, depois podes acrescentar mais."

Ninguém mandaria o seu parceiro com outras pessoas, ninguém se atreveria a iniciar nada comigo. Mas ele estava tão seguro do que dizia que levou o cigarro que segurava entre os dedos até à boca.

"Já te disse que és um idiota?", disse eu com irritação.

Ninguém que te amasse te ofereceria uma relação extremamente aberta, ninguém seria tão gentil a ponto de confessar os seus defeitos como ele fez, por isso eu devia ficar contente com a sua confissão honesta, ninguém me podia tocar; ninguém a não ser ele.

Ele riu-se, dando-me uma palmadinha no ombro. "Talvez precises de ser mais..."

"Ignorante às tuas mudanças..." mordisquei os lábios, não queria irritá-lo e fazê-lo sentir-se mal. Foda-se. Era suposto eu dar prioridade à minha estabilidade e não à dele. "Sim, avisa-me quando estiveres sozinho."

Afastei-lhe a mão e levantei-me na ponta dos pés.

Voltando para o quarto, passei ao longe pelas pessoas que dormiam na cama.

Não ouvi passos.

Eles nunca teriam ouvido, porque nós, nós não sentíamos que nada tinha acontecido.

N/A:

Se chegaram até aqui, obrigado pela oportunidade, sei que vão adorar a montanha-russa em que se vai tornar, Nathaly (Thomas) Downs; Liam (o castanho); e Nathaniel (Nathan); é preciso ver através dos pormenores para compreender para além do extraordinário.

Tenham um bom verão.

            
            

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