A Casa da Vida
img img A Casa da Vida img Capítulo 2 O jovem acompanhante
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Capítulo 6 Um passeio na praia img
Capítulo 7 Um novo começo img
Capítulo 8 Apenas algumas horas img
Capítulo 9 Felicidade antes da tragédia img
Capítulo 10 Viver não deveria ser uma luta constante img
Capítulo 11 Tragédia img
Capítulo 12 Um tempo precioso img
Capítulo 13 Uma boa proposta img
Capítulo 14 Sem conversa, apenas companhia img
Capítulo 15 Um casamento nada convencional img
Capítulo 16 Juntos de verdade img
Capítulo 17 Os piores cinco anos da minha vida img
Capítulo 18 Um coração inflado de amor img
Capítulo 19 O encontro da minha vida img
Capítulo 20 A verdade sobre ele img
Capítulo 21 Uma visitante img
Capítulo 22 Um passado de dor img
Capítulo 23 Esperança img
Capítulo 24 Todas as coisas que serão perdidas img
Capítulo 25 Um novo amor img
Capítulo 26 Uma vida incrível img
Capítulo 27 O último desejo img
Capítulo 28 O dia que eu mais temia img
Capítulo 29 Tempo img
Capítulo 30 Sem pontas soltas img
Capítulo 31 Epílogo img
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Capítulo 2 O jovem acompanhante

Me afastei da janela quando a enfermeira apareceu para a primeira medicação do dia. Ajudava com as dores, apenas, e eu tinha desistido de perguntar um milhão de coisas que nunca conseguia entender.

- Bom dia, dona Maria Cecilia. – ela falou em um tom animado e gentil – Bom dia, Helena.

- Bom dia. – respondi com um sorriso educado.

Minha mãe se moveu um pouco e abriu os olhos.

- Olá, querida. – disse para a mulher ao seu lado em uma voz fraca.

Virei o rosto para a janela outra vez, e para a minha surpresa havia uma pessoa caminhando pela areia. Um rapaz muito jovem para estar hospedado na Casa da Vida – só podia ser acompanhante.

- Prontinho. – a enfermeira me distraiu – O café da manhã já está sendo servido.

Uma das coisas que ainda alimentava a minha esperança era minha mãe comer por vontade própria, mesmo que fossem poucas coisas – o que fazia a alimentação por outras vias ser essencial.

A ajudei a andar até a cadeira de rodas, o que levou vários minutos, então já haviam várias pessoas comendo quando chegamos até o refeitório.

Por puro instinto, passei os olhos ao redor para ver se o jovem rapaz estava ali – e sim. Como eu havia imaginado, ele estava sentado ao lado de uma senhora de bastante idade e muito bem arrumada.

Ao contrário do que se pode esperar de um lugar daqueles, sempre havia alegria e pessoas conversando em pequenos grupos. Não era uma algazarra, mas estava longe de parecer um velório em vida – que era o que eu tinha imaginado até chegar ali.

Minha mãe tinha seu grupo de amigas, Ivete e Olga, duas senhoras que se sentavam ao seu lado e conversavam sobre amenidades todas as manhãs enquanto nós duas comíamos e, basicamente, não contribuíamos em nada.

Naquela manhã em específico, eu não conseguia tirar os olhos do rapaz. Não somente por ele ser mais jovem que todos ali, mas também por ser homem – a maioria esmagadora era de mulheres, sempre.

Por um instante, como se ele estivesse sentindo a minha presença, seus olhos foram direto na minha direção. Eram verdes, penetrantes, e eu covardemente virei o rosto e não tive coragem de olhar outra vez.

Eu também era décadas mais jovem do que a maioria, mas aquele rapaz devia ser ainda mais novo do que eu. Me espantava que ele se propusesse a ser acompanhante de alguém porque viver por tempo indeterminado ali não era fácil.

Havia muita morte. Todas as semanas era a hora de alguém, e por um período anterior, houveram falecimentos todos os dias. Tinha que ter estômago para ver tudo aquilo acontecer.

Depois do café, levei minha mãe para tomar um sol na varanda. O cheiro de mar, que eu já estava completamente acostumada, nos atingiu e ela inspirou profundamente.

- O dia está lindo hoje. – comentou, como quase todos os dias. Ainda não tínhamos presenciado nenhum dia que não fosse ensolarado.

- Verdade, mãe. – concordei, como sempre.

Por um instante, ficamos em silêncio absoluto, apenas ouvindo o som do mar ao longe e observando outras pessoas se acomodarem no sol.

- Helena, acho que temos que conversar. – o tom inesperadamente sério e lúcido me pegou de surpresa.

- O que foi? – meu coração acelerou, crente de que ela iria anunciar que precisava realizar o último desejo porque sua hora estava chegando.

- Existem coisas sobre mim que você não sabe. – ela disse, olhando em direção ao mar.

Não era o que eu estava esperando, mas mesmo assim fiquei apreensiva.

Pensei em dizer que com certeza havia coisas que eu não sabia, nosso relacionamento tinha sido complicado a vida toda, mas mordi a língua. Algo me dizia que a sua frase era muito mais complexa do que estava parecendo e eu não precisava bancar a adolescente rebelde naquele ponto da vida.

- O que quer me contar, mãe? – em vez disso, mantive a voz suave.

- Minha vida. – finalmente seus olhos intensamente azuis focaram nos meus.

- O que quer dizer? – franzi a testa.

- Tudo, Helena. – ela limpou a garganta antes de continuar – Cada ponto que eu escondi de você.

Senti uma pontada de irritação pela palavra "escondi" – me dava a sensação de ser separada da parte importante da vida da minha mãe -, mas respirei fundo e ignorei isso. Minha mãe era muito mais do que apenas minha mãe, e isso eu já tinha aprendido há muito tempo.

- Pode me contar o que quiser. – tentei soar o mais aberta possível, mas era difícil tirar o tom de ordem da minha voz – Eu vou ouvir tudo que você quiser me contar. – a segunda tentativa soou muito melhor.

Maria Cecilia me olhava com um certo divertimento, como se soubesse o que eu estava tentando fazer – o que provavelmente era verdade. Minha mãe me conhecia muito bem, já tinha me visto em altos e baixos, triste e feliz, brigando e gritando e rindo e festejando. Ela sabia que eu estava tentando fazer o meu melhor dentro da situação que eu não concordava.

- Mais tarde. – disse por fim – Lá no quarto, com a privacidade que merecemos.

Não tentei nem dizer que eu estava me corroendo de curiosidade, não adiantaria, então segui com nossa rotina diária. Enquanto ela pegava seus preciosos minutos de sol, eu que não me interessava muito por isso, ia tomar um banho no nosso quarto.

A parte de dentro da Casa da Vida estava praticamente deserta, apenas alguns moradores mais debilitados que não queriam ir até o lado de fora e os funcionários circulando.

Parei instintivamente quando vi o rapaz de mais cedo sentado em um dos sofás, perto de uma janela com as cortinas abertas em uma área comum que era tipo uma sala para leitura ou assistir filmes.

Os olhos dele estavam focados em um livro, mas assim que parei abruptamente, os ergueu para mim com curiosidade.

- Oi. – me vi na obrigação de dizer, já que só estávamos os dois ali.

- Oi. – ele respondeu com um indício de sorriso, embora os olhos ainda fossem curiosos.

- Bem-vindo à Casa da Vida. – soei como uma funcionária animada – Não que seja bom estar aqui. – tentei melhorar, mas as sobrancelhas dele subiram – Não que seja ruim também, mas... – eu estava conseguindo piorar cada vez mais. – O que estou tentando dizer é... – respirei fundo – Embora essa muito provavelmente seja uma fase muito difícil, espero que se sinta bem vivendo aqui.

- Obrigado. – finalmente seu sorriso se abriu de forma mais sincera.

Ainda me sentindo um pouco ridícula, fui cuidar da minha vida antes que conseguisse dizer algo ainda mais estranho e acabasse criando uma inimizade.

Quinze minutos depois eu estava pronta, então busquei minha mãe e a posicionei com cuidado na cama, mais sentada do que deitada. Depois de colocar travesseiros e almofadas que a deixassem o mais confortável possível, fui me sentar perto da janela.

- Certo... – ela sorriu para mim – Vamos conversar.

- Vamos conversar. – concordei, me controlando para não torcer uma mão na outra.

- Sinto que você me conhece muito pouco. – ela começou, mesmo com toda a postura confiante, parecia um pouco insegura.

- Também sinto isso, mãe. – concordei – E sei que muito disso é minha culpa e...

- Não, Helena. – ela me cortou – Não vamos transformar isso em uma sessão de terapia. Eu só quero te contar sobre a minha vida, nada mais.

Senti como se um peso tivesse sido tirado dos meus ombros.

- Não é porque eu estou morrendo que você precisa assumir todas as culpas do mundo. – agora Maria Cecilia estava no controle da situação novamente – Nossa relação foi complicada, eu sei e você sabe. Vamos aceitar esse fato.

- Vamos. – balancei a cabeça, verdadeiramente surpresa.

- Sei que você não sabe basicamente nada do meu passado. – prosseguiu – Nada de antes de me casar, nada da infância.

- Não sei. – concordei, mais uma vez balançando a cabeça – É sobre isso que quer falar?

- Sim. Sobre minha origem e tudo que veio depois, antes da parte rica. – seus olhos se fecharam.

- Antes da parte rica? – repeti, incrédula – Quer dizer que houve um tempo em que não era rica?

- Ah, Helena... – um sorriso surgiu em seu rosto cansado – Houveram muitas coisas antes da parte rica. Uma parte grande da minha vida veio antes de todo esse dinheiro.

            
            

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