No tempo livre, eu andava pela areia e conversava com qualquer pessoa que aparecesse porque minha casa era silenciosa demais. Durante o dia, minha mãe não falava nada além do necessário, e durante a noite, nosso pai não queria barulho sem propósito.
Aprendi a ler, escrever e fazer contas porque uma professora aparecia para ensinar as crianças. Nós nos sentávamos sob árvores e absorvíamos cada palavra que ela dizia, e quando chovia ficávamos tristes porque não havia lugar para aprender.
Um dia, quando eu tinha dezesseis anos, a professora não apareceu. Esperamos por dias, ansiosos, mas ela não mandou nem mesmo um recado para explicar porque nossas aulas não aconteceriam mais.
Lembro de sentir que a vida era muito pequena. Eu provavelmente me casaria com algum pescador e viveria uma vida como a da minha mãe. Não era empolgante, mas na minha cabeça daquela época, não haviam outras ambições para pessoas como nós.
Mesmo tão jovem, meu pai já recebia propostas para casamento comigo. A maioria eram de homens mais velhos, alguns viúvos que queriam alguém que cuidasse de seus filhos e da casa, mas haviam alguns tão jovens quanto eu e com olhares similares de falta de expectativa com a vida.
Só o que me impediu de estar em uma vida com a minha mãe, foi a negativa que meu pai deu a cada um deles. Não sei porque ele não se interessou em nenhuma proposta, mas ficava aliviada cada vez que um pretendente era desprezado.
Eu tinha uma amiga, uma dessas que a gente sempre recorre quando precisa se sentir acolhida, e o pai a obrigou a casar aos quinze anos. Não aguentou ao parto, e aquele foi um dos momentos mais tristes da minha vida.
Na noite da morte dela, sai escondida de casa e me ajoelhei diante do mar. Estava calor e a brisa fresca arrepiava minha pele.
Foi a primeira vez que desejei que minha vida fosse diferente, que eu pudesse ir para longe de situações como aquela. Eu não queria ser minha mãe, não queria ter um marido como meu pai e muito menos um monte de filhos que iriam para o mar todos os dias.
Claro que a rotina me sufocou e todas as ideias revolucionárias foram abafadas em uma semana.
A primeira vez que vi alguém de fora foi aos dezoito anos. Foi um rapaz que veio encontrar com o pai pela primeira vez porque a mãe tinha morrido uns meses antes.
Foi um escândalo porque o pai em questão era casado e pai de outros quatro filhos. A briga dos dois podia ser ouvida em cada casa ao redor.
Acho que foi a primeira vez que nós percebemos que os homens iam para outros lugares, apenas nós éramos prisioneiras naquele vilarejo. Minha mãe ficou apreensiva por semanas, talvez esperando que algo semelhante acontecesse na nossa família.
Augusto, o rapaz causador da discórdia, era educado e gentil e, aparentemente, ficou verdadeiramente sem graça por descobrir que seu pai tinha duas famílias.
- Eu não sei se ela sabia. - ele me disse, sem nenhum tipo de apresentação ou cumprimento.
- Como disse? - olhei ao redor, sem entender se ele realmente falava comigo.
- Não sei se minha mãe sabia que meu pai tinha outra família. - saiu como um som de desabafo, e eu percebi que ele se sentia culpado pela briga toda.
- Não vai perguntar ao seu pai? - perguntei, intrigada pelo seu jeito.
- Ninguém fala comigo. - ele deu de ombros - Nem mesmo sou aceito na casa. Estou dormindo ao relento.
Foi assim que me aproximei de Augusto. Senti pena por ele estar sem teto e ao mesmo tempo preso naquele lugar, sem ter para onde ir.
Não tenho vergonha de dizer que levei toda a comida que consegui, sem chamar a atenção, no meio da noite, para ajudá-lo. Era impossível até mesmo trabalhar, já que ninguém queria se posicionar no meio de toda aquela confusão.
Augusto foi meu primeiro amor.
Não aconteceu do dia para a noite, foi algo que foi crescendo com o tempo, enquanto eu o via comer com as mãos sob a luz do luar e fingia não notá-lo perambulando pela praia durante o dia.
Não sabia quantos anos ele tinha, sabia instintivamente que não poderia ter uma idade muito diferente da minha, mas não pensava em perguntar coisas assim quando estava ao seu lado.
- Gosto de você, Maria Cecilia. - ele me disse, depois de colocar o prato vazio de lado, e apoiou a mão quente na minha perna.
Houve um estalo dentro de mim, como uma porta emperrada se abrindo, e senti coisas que nunca estiveram disponíveis antes. Foi uma enxurrada de sensações, de pensamentos e desejos oprimidos pelos anos de isolamento em um lugar como aquele.
Eu decidi que o queria, independente do que todas as pessoas fossem pensar - inclusive meus próprios pais. Pela primeira vez, nada parecia mais importante do que minhas vontades.
Não cheguei nem a pensar sobre as consequências de minhas ações, sobre o que poderia acontecer se eu mergulhasse de cabeça em Augusto como se o mundo não estivesse acontecendo ao nosso redor.
Eu só queria viver. Viver por mim mesma.
Segurei seu rosto com as duas mãos. Ainda posso sentir sua pele suada sob meus dedos e ver seus olhos ficarem tão próximos que eu não conseguia mais focá-los.
Augusto me tomou em seus braços como eu nunca tinha visto nenhum casal fazer. Não sabia se não era comum ou se todos faziam escondido das outras pessoas, mas adorei o calor de sua pele e a pressão de seus dedos.
- Você é o que faz tudo que aconteceu valer a pena. - ele sussurrou no meu ouvido.
- Você apareceu para salvar meus dias. - respondi no mesmo tom.
- Maria... - ele colocou as duas mãos no meu rosto, tirando o cabelo do caminho - Sou todo seu, independente do que aconteça.
Eu não esperava que nada fosse acontecer, estava me encontrando com ele há meses sem ninguém perceber e tinha certeza de que poderia continuar com isso indeterminadamente.
Eu era tão inocente, e estava tão errada.