Capítulo 3 ALGUÉM COMO EU

Meu nome é Elara.

Desde os quinze anos, o mundo me mostrou o que há de pior nas pessoas. Perdi minha família, minha casa e qualquer chance de uma vida digna quando meu pai foi assassinado por dívidas, e minha mãe, desesperada, me vendeu para pagar o que restava.

Fui entregue como um objeto, uma moeda de troca nas mãos de um homem cruel. A partir daquele momento, o destino me arrastou para uma vida de sobrevivência nas ruas, onde a inocência foi arrancada de mim e onde os sonhos morreram antes mesmo de nascer.

Aos dezoito, eu já havia conhecido todos os tipos de homens, todos os tipos de miséria, e, acredite, nenhum deles merecia qualquer respeito.

Então, quando Tristan, o príncipe herdeiro de Eldoria, apareceu na minha frente com sua arrogância estampada no rosto, eu sabia exatamente o que ele queria. E eu sabia que ele não teria.

Ele se deu por vencido da primeira vez, mas ele voltou pra ser humilhado um pouco mais.

Ah, Tristan... aquele nome era falado em todos os cantos do reino. As damas da corte suspiravam por ele, e as camponesas se permitiam sonhar com um príncipe que jamais as olharia duas vezes.

Um homem bonito demais para ser real, poderoso demais para ser questionado, e egocêntrico demais para perceber o vazio que carregava.

Ele chegou até mim, com aquele andar altivo, como se o mundo fosse seu. E talvez fosse. Para ele, pelo menos. Seus olhos escuros, tão penetrantes quanto vazios, passearam sobre mim como se eu fosse uma mercadoria em um mercado.

Claro, eu já estava acostumada com esses olhares, mas vindo dele, havia algo mais. Tristan não estava apenas interessado, ele estava convencido de que já havia me conquistado antes mesmo de dizer uma palavra.

Ele perguntou o meu preço, com a voz suave, porém carregada de desprezo. Não era uma pergunta. Era uma ordem disfarçada. Ele não estava interessado em quem eu era ou no que eu sentia. Para ele, eu era apenas mais uma, mais um corpo para seu prazer, mais um nome para sua lista.

Eu o encarei por alguns segundos, deixando o silêncio se prolongar, o sorriso mais debochado que consegui formar se abrindo em meu rosto.

Ele não gostou da minha reação. Seus olhos estreitaram e a linha de sua mandíbula ficou tensa. O príncipe estava acostumado a conseguir tudo o que queria com um estalar de dedos, e ali estava eu, uma meretriz, desafiando o poder do herdeiro de Eldoria. Irônico, não?

A cada troca de palavras, mais ele parecia contrariado. Ele estava lutando pra ter uma coisa que eu não estava disposta a dar pra ele.

Ele deu um passo à frente, seus olhos faiscando de irritação.

Ele achava que me conhecia, que sabia tudo sobre mim apenas porque sabia o que eu fazia. Como tantos outros antes dele, Tristan pensava que meu corpo era tudo o que eu tinha para oferecer.

Mas ele não fazia ideia do que eu já tinha passado, do que eu tinha sofrido, e muito menos do porquê eu recusava seu dinheiro sujo.

Me aproximei dele, ficando a poucos centímetros de seu rosto, sentindo sua respiração se tornar mais pesada. Ele estava frustrado. Ótimo. Todos os homens de poder, acham que são especiais.

E com isso, virei as costas, deixando Tristan para trás, sua fúria evidente na forma como ele me olhava.

Eu sabia que ele não estava acostumado a ser rejeitado, muito menos por alguém como eu. E talvez, só talvez, isso tenha tornado tudo ainda mais satisfatório.

Tristan podia ser o príncipe herdeiro de Eldoria, mas para mim, ele não passava de mais um homem tentando me comprar. E eu? Eu não estava à venda, não pra ele.

Tristan ficou parado por alguns segundos, seus olhos fixos em mim, como se tentasse processar o fato de que alguém como eu o havia rejeitado.

Era quase cômico, realmente. Um príncipe, acostumado a ter tudo e todos a seus pés, sendo desafiado por uma meretriz. Eu sabia que ele não ia aceitar aquilo facilmente. Homens como Tristan nunca aceitavam.

Ele apertou os punhos, claramente tentando controlar a raiva que fervia por dentro. Em seguida, deu um passo em minha direção, seus olhos fixos nos meus, e por um segundo, achei que ele fosse tentar me intimidar com a proximidade. Mas eu não recuei. Nunca recuava.

- Você acha que pode me esnobar?

Ele disse, a voz baixa, carregada de desprezo.

- Acha que pode continuar agindo como se fosse melhor que eu? Como se não fosse só uma meretriz barata vendendo o que tem de mais valor?

Eu ergui uma sobrancelha, o analisando por um breve momento antes de responder.

- Interessante que você ainda acha que pode me comprar com essas moedas sujas, Tristan. Homens com poder são sempre os mais patéticos. Vocês acham que podem manipular o mundo ao redor de vocês, como se tudo estivesse à venda. Mas aqui está o segredo, meu querido príncipe: Não estou.

Ele deu mais um passo à frente, seus olhos faiscando de raiva.

- Você ainda vai implorar para ficar comigo, prostituta. Eu prometo a você, vai chegar o momento em que perceberá o erro que cometeu. E quando esse momento chegar, será tarde demais.

- Implorar?

Eu ri, uma risada baixa e afiada que fez suas narinas se dilatarem.

- Por favor, Tristan, já vi muitos homens como você passarem por aqui. Homens que se acham invencíveis, que acreditam que seus títulos e riquezas são tudo. A diferença é que, depois de uma noite, eles desaparecem e voltam para suas vidas miseráveis. E sabe do que mais? Nenhum deles me fez implorar. Você não será diferente.

Ele se inclinou mais perto, seus lábios quase roçando meu ouvido, o tom dele carregado de veneno.

- Eu sou diferente de qualquer outro homem que você já conheceu. Você não sabe com quem está lidando.

- Ah, eu sei exatamente com quem estou lidando.

Eu disse, girando o rosto para encará-lo de perto, nossos rostos a centímetros de distância.

- Um menino mimado que nunca ouviu a palavra 'não' na vida. Um príncipe que acha que o mundo gira ao seu redor e que seu ouro pode comprar qualquer coisa. Bem, Tristan, aqui vai uma novidade: Sua moeda não tem valor comigo. Agora, seja um bom príncipe e vá brincar com suas outras conquistas. Não tenho tempo para os seus joguinhos.

Ele me olhou por mais um instante, seus olhos faiscando de fúria e orgulho ferido. Eu sabia que ele queria dizer algo mais, que sua raiva o estava consumindo, mas ele se conteve. Com um movimento brusco, Tristan começou a se afastar, suas botas pesadas ecoando contra as pedras do caminho. Mas, antes de sumir de vista, ele se virou mais uma vez, o olhar afiado como uma lâmina.

- Você vai se arrepender.

Quando estiver sozinha, sem ninguém, vai se lembrar de mim. E então, vai implorar por uma chance. E quando isso acontecer... Ele pausou, seus olhos ardendo de raiva contida...

- Eu farei você rastejar.

Minha risada ecoou no ar, o som alto e despreocupado.

- Boa sorte, príncipe. Vou adorar ver você tentar.

Ele apertou os lábios e, sem mais uma palavra, virou-se e sumiu na escuridão da noite.

Eu fiquei ali, observando sua figura desaparecer, sentindo uma mistura estranha de satisfação e irritação. Eu sabia que Tristan não era o tipo de homem que desistia facilmente. Ele voltaria. Eu podia ver no modo como ele me olhava, no jeito como suas palavras vinham impregnadas de uma promessa de revanche.

Mas o que ele não sabia era que eu não tinha medo. Homens como ele, que tentavam dobrar o mundo à sua vontade, sempre subestimavam mulheres como eu. Eles achavam que, com a promessa de riquezas ou de poder, poderiam conquistar tudo.

Mas Tristan ainda tinha muito o que aprender. E eu estava disposta a ensiná-lo da forma mais difícil possível.

                         

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