Castian não podia evitar a ansiedade que lhe invadia toda vez que passava pelos mesmos campos, realizava as mesmas tarefas ou ouvia as mesmas conversas no vilarejo. Era como se a familiaridade do seu lar, que antes lhe trazia tanto conforto, tivesse se transformado numa espécie de jaula invisível. Ele queria mais - ansiava por mais.
- Castian, onde está sua cabeça hoje? - A voz de seu pai, Cheng, soou atrás dele enquanto trabalhavam nos campos. Cheng era um homem forte, com mãos calejadas e um rosto marcado pelo sol. Apesar de sua aparência austera, ele era um pai carinhoso e compreensivo. - Você tem estado distraído desde a chegada de Shen. O que há com você, meu filho?
Castian parou o que estava fazendo e se virou para o pai. Ele hesitou, mas sabia que não podia continuar guardando para si seus sentimentos.
- Pai, não consigo parar de pensar nas histórias de Shen. - Ele limpou o suor da testa e olhou para além das colinas que rodeavam a vila. - Eu sei que a vida aqui é segura e bonita, mas sinto que há algo mais para mim além destas montanhas. Quero ver o mundo, descobrir o que há além.
Cheng ficou em silêncio por um momento, observando o filho com um olhar pensativo. Finalmente, ele suspirou e falou:
- Eu sabia que esse dia chegaria. - Ele pousou a mão pesada no ombro de Castian, transmitindo tanto conforto quanto peso em suas palavras. - Seu avô, antes de mim, também ansiava por explorar além das montanhas. Mas lembre-se, meu filho, o mundo lá fora é cruel. Não é como as histórias gloriosas que Shen conta ao redor da fogueira.
- Eu sei disso, pai. Mas, mesmo assim... - Castian olhou para o horizonte, onde o sol começava a se pôr, tingindo o céu de laranja e vermelho. - Eu não posso ignorar esse sentimento dentro de mim. É como se algo me chamasse.
Cheng apertou o ombro de Castian um pouco mais forte.
- Seguir o chamado do coração nem sempre é o caminho mais fácil, mas eu compreendo o que você sente. - A voz de Wei era grave, mas cheia de compreensão. - No entanto, você deve estar preparado para o que vai enfrentar. Lá fora, nem tudo é bonito. O desconhecido é um desafio, e há mais perigos do que glórias.
Castian fitou o pai por um longo momento, com gratidão e determinação se misturando em seus olhos.
- Eu sei, pai. Mas prefiro enfrentar o desconhecido do que passar a vida inteira imaginando o que poderia ter sido.
Wei sorriu de forma melancólica, percebendo que o espírito de aventura que habitava em Castian era mais forte do que qualquer conselho ou advertência. Ele viu em seu filho a mesma chama que brilhava nos olhos de seu próprio pai, uma paixão pelo desconhecido que era impossível de apagar.
- Sua mãe não ficará feliz em ouvir isso, - Wei comentou, soltando uma risada curta, tentando aliviar a tensão. - Mas se é esse o caminho que você escolher, terá minha bênção. Apenas saiba que não será fácil.
Castian assentiu, sentindo uma mistura de alívio e excitação tomar conta de si.
***
À noite, Castian sentou-se à mesa com Shen e sua família para outra refeição simples. A presença do velho viajante já se tornara comum, mas naquela noite o jovem estava inquieto. A decisão que tomara naquele dia ainda pairava sobre ele, e cada palavra dita por Shen parecia atiçar ainda mais seu desejo de partir.
- Shen, conte-nos mais sobre os clãs guerreiros, - disse Castian de repente, sua voz carregada de curiosidade. - Como eles se tornaram tão poderosos?
Shen sorriu enquanto mastigava o último pedaço de pão.
- Ah, os clãs guerreiros... - murmurou ele, limpando a boca com um pano. - Eles se dedicam não apenas à força física, mas ao domínio da mente e do espírito. Seus ensinamentos vêm de gerações passadas, uma combinação de disciplina e tradição que molda seus guerreiros desde a infância. Alguns dizem que suas habilidades são tão refinadas que podem lutar de olhos fechados, guiados apenas pelos sentidos e pela conexão com o ambiente.
Castian se inclinou para frente, completamente imerso na narrativa.
- E eles aceitam novos aprendizes? - ele perguntou, com um brilho de esperança nos olhos. - Alguém como eu poderia aprender com eles?
Shen ergueu uma sobrancelha e olhou para o jovem com um misto de surpresa e consideração.
- Você é um rapaz corajoso, Castian, - disse o velho, finalmente. - Mas os clãs são fechados. É raro que aceitem forasteiros. No entanto... - ele fez uma pausa, estudando Castian com um olhar perspicaz. - Há histórias de guerreiros excepcionais que surgiram de fora dos clãs. Pessoas que provaram seu valor através da determinação e da coragem.
Castian sentiu seu coração acelerar. Ele estava prestes a fazer outra pergunta quando sua mãe, Mei, que até então havia permanecido em silêncio, se intrometeu.
- Castian, você fala como se estivesse pensando em partir. - A voz dela era suave, mas preocupada. - Nosso lar pode não ser cheio de aventuras, mas é seguro. A vida aqui é estável. Você tem uma família que o ama.
Castian olhou para a mãe com um sorriso triste. Ele sabia que suas palavras vinham de um lugar de amor e proteção, mas o desejo dentro dele era forte demais para ser ignorado.
- Mãe, eu amo vocês, e sempre vou amar este lugar. Mas algo dentro de mim me diz que devo explorar o mundo. Eu sinto que meu destino está além das montanhas.
Mei fechou os olhos por um momento, como se estivesse lutando contra as emoções que surgiam dentro dela. Quando os abriu novamente, seu olhar estava calmo, mas determinado.
- Se essa é sua decisão, - ela começou, com uma voz firme - então saiba que, por mais difícil que seja para mim, eu o apoiarei. Apenas prometa que será cuidadoso, Castian.
- Eu prometo, mãe, - disse Castian, com um nó na garganta.
***
Naquela noite, enquanto estava deitado em sua cama, Castian não conseguia dormir. O vento que soprava pelas montanhas parecia diferente, como se estivesse sussurrando segredos que só ele pudesse entender. A lua, alta no céu, iluminava seu quarto de forma suave, quase como se estivesse guiando-o.
Ele se levantou da cama e caminhou até a janela, onde ficou por alguns minutos, observando a paisagem pacífica de sua vila adormecida. As palavras de Shen, seu pai e sua mãe ecoavam em sua mente. Ele sabia que sua decisão já estava tomada, mas a incerteza sobre o que viria a seguir pesava sobre ele.
E se ele falhasse? E se o mundo lá fora fosse muito mais perigoso do que ele podia suportar?
Castian suspirou, passando a mão pelos cabelos. A excitação e o medo dançavam juntos em seu coração, como duas forças em constante conflito.
Mas, ao olhar para o horizonte além das montanhas, ele sentiu algo mudar dentro de si. Havia um propósito em sua jornada, algo que ainda não conseguia definir completamente, mas que estava lá, aguardando-o.
"Eu vou partir," ele pensou, finalmente. "E encontrarei meu destino, seja ele qual for."
E com essa decisão firme, Castian voltou para sua cama, onde, pela primeira vez em muitos dias, sentiu a paz que tanto procurava. Sua jornada estava prestes a começar, e ele estava pronto para enfrentá-la.