Laços de Ferro
img img Laços de Ferro img Capítulo 3 A Desordem do Silêncio
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Capítulo 6 Caminhos de Fuga img
Capítulo 7 Cercada pelo Silêncio... img
Capítulo 8 O Mais Doce Possível img
Capítulo 9 Entre a Fragilidade e o Poder img
Capítulo 10 Sutis Observações img
Capítulo 11 A Melancolia do Poder img
Capítulo 12 Humanos Nascem Bons... img
Capítulo 13 Lar, Amargo Lar img
Capítulo 14 Sob o Véu da Tensão img
Capítulo 15 A Última Barganha img
Capítulo 16 Promessas Entre Mundos img
Capítulo 17 Traços de Modéstia img
Capítulo 18 Contrastes em Silêncio img
Capítulo 19 Diferentes Modos img
Capítulo 20 Inconvenientemente... img
Capítulo 21 Revelações e Mais Silêncio img
Capítulo 22 Por Quê img
Capítulo 23 Aprendendo a Jogar... img
Capítulo 24 Heróis e Vilões img
Capítulo 25 Novas Amizades img
Capítulo 26 Cativeiro de Ouro img
Capítulo 27 Nascida para Cuidar img
Capítulo 28 Momentos de Trégua... img
Capítulo 29 Caminho ao Refúgio img
Capítulo 30 Brisas de Desejo img
Capítulo 31 Sob a Superfície img
Capítulo 32 Pássaros em Cativeiro img
Capítulo 33 Pelos Laços que Importam img
Capítulo 34 Correntes Invisíveis img
Capítulo 35 O Paraíso Dourado img
Capítulo 36 Não-tão-mal Assim... img
Capítulo 37 Fronteiras da Liberdade img
Capítulo 38 Jogos de Poder img
Capítulo 39 O Jogo do Predador img
Capítulo 40 Um Jogo Inocente img
Capítulo 41 A Gota d'Água img
Capítulo 42 Frente ao Predador img
Capítulo 43 Intenso Querer img
Capítulo 44 Confidências e Confusões img
Capítulo 45 A Escolha de Aisha img
Capítulo 46 Confissões ao Cair da Noite img
Capítulo 47 Um Orgulho Vergonhoso img
Capítulo 48 Promessas Silenciosas img
Capítulo 49 Sorrisos e Sombras img
Capítulo 50 Ecos do Passado img
Capítulo 51 Em Nome da Família... img
Capítulo 52 Laços de Lealdade img
Capítulo 53 No Limiar da Liderança img
Capítulo 54 Conversas Sombreadas img
Capítulo 55 Sob o Peso da Coroa img
Capítulo 56 Tempestades Silenciosas img
Capítulo 57 Entre Correntes e Coroas img
Capítulo 58 O Que Habita em Mim img
Capítulo 59 Verdades Pesadas img
Capítulo 60 O Reinado da Rebeldia img
Capítulo 61 Sombras... img
Capítulo 62 Em Família... img
Capítulo 63 O Sibilar de uma Víbora I img
Capítulo 64 O Sibilar de uma Víbora II img
Capítulo 65 Nos Limites do Controle img
Capítulo 66 A Despedida de María img
Capítulo 67 Laços de Melancolia img
Capítulo 68 Consentimento da Alma img
Capítulo 69 A Trégua dos Ventos img
Capítulo 70 Onde o Sol Encontra o Abismo img
Capítulo 71 Um Brinde ao Futuro img
Capítulo 72 Primeira Noite, Novo Lar img
Capítulo 73 Um Momento de Luz img
Capítulo 74 Cores da Despedida img
Capítulo 75 Entre o Luto e a Fé img
Capítulo 76 Um Adeus sob Céu Estrangeiro img
Capítulo 77 Laços que se Fortalecem... img
Capítulo 78 Rumos e Redenção img
Capítulo 79 Planos sob Tensão img
Capítulo 80 Explorando Corações e Tradições img
Capítulo 81 Proteção sob Tensão img
Capítulo 82 Telefonema Inesperado img
Capítulo 83 Sacrifícios img
Capítulo 84 Preparativos de uma Nova Era img
Capítulo 85 Do Céu ao Início img
Capítulo 86 Sob a Torre de Ferro img
Capítulo 87 Novo Ano, Nova Perda... img
Capítulo 88 Sombras entre Silêncios img
Capítulo 89 Sob o Céu do Líbano img
Capítulo 90 Dilemas sob o Novo Céu img
Capítulo 91 Chamados do Novo Tempo img
Capítulo 92 Estradas de (In)Certezas img
Capítulo 93 O Sabor Amargo do Retorno img
Capítulo 94 Desconfiança Nascida do Luto img
Capítulo 95 Lealdade em Xeque img
Capítulo 96 Às Portas da Ruína img
Capítulo 97 Estilhaços da Fúria img
Capítulo 98 Segredos no Leito img
Capítulo 99 Ecos de Culpa e Esperança img
Capítulo 100 Entre Agulhas e Espera img
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Capítulo 3 A Desordem do Silêncio

8 de dezembro de 2004, Cuba

Voltei para casa um pouco bêbada. A condução demorou, quase cochilei no ponto de ônibus, e, ao descer, caminhei sem pressa.

Bastou virar na esquina de casa e eu já desanimei. Um dos antigos carros dos amigos da mãe estava na porta - sinal de confusão.

Vivíamos numa área pobre, distante de Havana. As casas eram medianas, mas simples... nós até vivíamos com dignidade.

Meus trabalhos me pagavam quase tudo que eu precisava e a mãe, com os amantes, até arrumava um presentinho ou outro para mim.

O pai sabia de alguns casos e um carro deles na porta significava que a noite terminaria em gritaria e pancadaria.

Eu ficava apreensiva. A mãe era muito espevitada, sempre retrucava e, se o pai levantasse a mão, ela lutava como profissional.

Obviamente, o pai sempre esperava que seu grupinho de contrarrevolucionários saísse para iniciar a severa sessão de brigas.

Eles nunca se metiam, mas ele ainda era cauteloso, afinal, todo amigo da mãe andava armado e podiam cismar em atirar...

- E aí, lindinha. - Era um novinho que estava no banco do motorista e acenou para mim. - Como foi a viagem? Teve problemas?

Emilio era seu nome. Devia ter vinte e alguns anos. Era baixinho e bem atlético. Tinha um sorriso bonito, mas era um rebelde.

Eu não achava rebeldes atraentes. Nunca.

- Nenhum. Boa noite! - Eu lhe sorri.

Ele estava despreocupado no carro - era impressionante que só o pai e eu tivéssemos ideia do perigo de ter aquele carro ali na porta.

Se o regime resolvesse vir atrás deles, eles acabariam lidando com toda a minha família, sem nem perguntar quem era e quem não era.

Todo rebelde e sua linhagem deviam cair; viraríamos mais um número numa estatística pequena devido a coisas que não fizemos.

Segui para casa, contando os tijolinhos improvisados no caminho pelo pequeno jardim que a mãe conseguia - e adorava! - manter.

- Cheguei... Boa noite! - falei num tom relativamente baixo ao entrar em casa. Tudo estava atipicamente silenciado e eu estranhei.

A sala já tinha traços do quebra-quebra; um abajur caído, um jarro de porcelana, que a mãe adorava, estava quebrado num canto...

O velho sofá tinha gotas de sangue e ainda parecia recente. Suspirei, deixando a mochila perto da porta para começar a arrumar tudo.

Nem me demorei tanto na sala.

Até ouvi um ruído na cozinha, pensei duas vezes se devia ir, mas meneei a cabeça, peguei minha mochila e fui ao meu quarto.

Nossa casa tinha dois andares: sala, cozinha e uma área de serviço no primeiro andar; dois quartos e o banheiro no segundo.

Apesar de pequena, os espaços eram até bem distribuídos, o que diminuía a sensação claustrofóbica de estar num lugar tão curto.

O corredor também tinha sinais da briga e eu cuidei de devolver os quadros às paredes ou recolher estilhaços do que parecia um copo.

Meu quarto era, provavelmente, o único lugar daquela casa que nunca sofreu com a destruição daquele relacionamento violento.

Eu tinha só a minha cama e uma pequena cômoda. Nunca tive muitas roupas e sempre que ganhava uma nova, eu doava uma antiga...

Assim poupava espaço para os livros.

Minha maior preciosidade naquele quarto era uma pelúcia que o pai me deu quando eu era pequenina, fruto de uma viagem que ele fez.

O pai foi um funcionário do regime por muitos anos, mas se aposentou após ser alvejado num conflito com rebeldes.

Ele e a mãe eram muito incompatíveis; dona Bella era uma rebelde e muito apaixonada pela causa contrarrevolucionária - louca!

Era até estranho lidar com o silêncio.

Tirei tudo que precisava da mochila, peguei uma roupa e tomei um banho. Precisava descer para cozinhar, então não pude evitar.

Arrumei um pouco mais, descendo.

Na cozinha, a mãe estava sentada na mesa enquanto um homem, que eu desconhecia, enterrava o rosto em seu pescoço.

De costas largas, era um homem muito forte e, com a pele vermelha pelo sol, muito provavelmente se tratava de algum estrangeiro.

Abraçada nele, ela gemia baixo e bastou para eu dar o passo atrás e voltar à sala - "cadê o meu pai?", foi a pergunta que me restou.

Voltei ao quarto para mergulhar em qualquer um dos meus livros - a mãe conseguiu desviar ótimos materiais de estudo!

Não era normal que o pai estivesse fora àquela hora, fiquei preocupada. Até tentei estudar, mas a cabeça não estava boa para isso.

Deitei, deixando o livro de lado. Cochilei.

- María! - A mãe subiu, me chamando.

- Oi, mãe. - Eu me sentei na cama.

- Chegou e não falou nada... - Ela abriu a porta para me olhar. - Como foi o dia? - sorriu, me olhando com certa empolgação.

Sempre muito confiante em tudo que fazia ou até mesmo no que eu fazia, aquela era uma cara de comemoração pela minha admissão.

- Passei. - Meu sorriso alargou e a mãe, sempre muito jovial, se aproximou pulando e me abraçou. - Já até comemorei com a Rosa...

- Sua mãe disse que passaria! - Ela ria bastante. - Pequena sonhadora... - Fitando meus olhos, notei uma ferida em seu rosto.

- Não quero desanimar, mas cadê o pai? - Tentei não soar preocupada, mas não conseguia parar de olhar à ferida. - Seria bom... tê-lo...

- Saiu para ver amigos... ou para tomar uma pinga sozinho, sei lá. - Ela deu de ombros. - Provável que ele volte logo para dormir.

"E você não estará", lamentei comigo.

Não vou mentir, eu adoraria só fazer um sanduíche para jantar e comemorar com eles...

- Já precisamos planejar a festa. Fará dezoito anos enquanto aluna da melhor universidade de Cuba, meu amor! - Ela falou.

Até me deixou acanhada.

- Não tem como, mãe. - Meneei a cabeça.

- Claro que tem. Sua mãe sempre dá um jeito! - Ela falou baixo. - Vou me organizar e logo dou notícias de como será a sua festa...

- Encontrei aquele homem... Saif - falei e ela me olhou de canto, um pouco séria. - Foi lá no bar... acompanhado de outros dois.

- E o que ele queria? - Ela estranhou.

- Soube da minha admissão e queria me ajudar a comemorar. Até pagou rum. - Ri. - Estava com um garoto lá do hospital, residente.

Toda a animação dela falhou e a mãe me olhou com preocupação. Nada falou, mas ficou claro que algo estava errado.

- O garoto é muito bonito. Zahid é o nome. Famoso nos corredores do hospital, todo educado... ele chega a ser um pecado...

Diferente da habitual risada ou gargalhada, a mãe apenas sorriu amarelo.

- E ele falou o quê? - Ela perguntou.

- Ele quem? Zahid ou Saif?

- Saif. - Ela já se levantou.

- Nada... só isso mesmo. - Dei de ombros.

- Entendo. Sua mãe está saindo. - Beijou minha testa e seguiu à porta. - Voltarei pela manhã, como sabe. Tente descansar, tudo bem?

- Falei algo errado, mãe? - Eu estranhei.

- Não, meu amor. Nunca! - Ela conseguiu dar um sorriso melhor, mas o estrago já estava feito e eu não tiraria aquilo da cabeça.

- Bom trabalho! - Eu a desejei.

- Será... Mais uma noite de guerra! - Saiu. - E mais uma noite em que voltarei com vida...

A mãe era uma mulher linda. Lembro de, na infância, sonhar em ser como ela. Ter aquele corpo e os cabelos tão bonitos e cheirosos...

Estava sempre maquiada e as roupas eram provocativas, parava o trânsito em qualquer lugar de Cuba - os turistas amavam vê-la.

Apesar de ser facilmente confundida com uma prostituta, a mãe era um pouco mais astuta e preferia apenas o título de amante.

Pelo que eu já conhecia, seja por ela e o pai falarem ou por eu descobrir na rua, ela não tinha relações casuais e cobrava muito caro!

Numa realidade onde ela fosse apenas gananciosa, teríamos uma vida de muitos luxos e de muita riqueza, mas ela era sonhadora.

Não sei com quem aprendeu ideias de um país livre e essas coisas, mas cresci com a mãe engajada na política, tentando combater.

Era impressionante que ainda vivesse, dado o fato de o regime ser sempre tão pontual e implacável com os seus inimigos.

Provável que um amante ajudasse...

Com sua saída, eu desci à cozinha. Ela foi cuidadosa e deixou o lugar bem cheiroso e limpo, sem nem vestígios de outro homem.

Preparei os sanduíches. Deixei ambos servidos, pensando nos meus pais, e comi ali...

Era uma pena comemorar sozinha.

Mas, era ótimo ter o que comemorar!

            
            

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