Capítulo 4 O abismo é sedutor

Os dias se passaram, 3 pra ser mais exata!

Nada mudou em minha vida , eu continuo sendo a pequena Sara, aquela que obedece , aquela que sente medo ....

Desde o meu aniversário de 18 anos até agora eu tive muitas noites no inferno e dias também!

Meu único consolo é a minha querida Mabel e Juan !

Eu saio de casa apressada , nem há necessidade mais é um hábito meu já. Esse fim de semana estou livre do senhor Ferguson , meu pai o monstro ! Porém a minha pressa é que meu amigo Juan está doente a 3 dias e pede pra me ver , não pude ir antes pois meu pai não tem saído nem pra trabalhar nos últimos dias ,ele trabalhou de casa preparando sua viagem pra New York .

Eu não consigo nem imaginar nada além de onde vivo , nunca sai do estado e muito menos da cidade . Eu nunca vi o mar , também nunca andei de avião, na verdade eu não conheço nada nem da minha cidade Providence ! Os únicos lugares que eu vou são a escola a 10 minutos de casa e a casa de Mabel que fica no terreno atrás da mansão .

Eu sei que minha mãe morava em New York antes de se casar e vem de uma família russa que imigrou, são parentes de nobres russos porém são tão pobres que casaram minha mãe em troca de alguma ajuda financeira dos poderosos Ferguson

Não vejo minha mãe à 3 dias , desde a fatídica noite que tudo mudou pra pior , dentro de mim eu sinto que ela sabe o que aconteceu e acontece comigo

Gostaria de um dia conhecer outros lugares , meu único amigo Juan vai pra universidade, Mabel está tão feliz ! Eu também gostaria de ir a uma universidade, eu me formo no final do ano mais já fui avisada pelo meu pai que não vou me candidatar a nenhuma universidade, ele não acha necessário que eu estude e segundo ele não é necessário que eu conheça nenhum outro lugar ou saia de casa .... sou e serei eternamente uma prisioneira e escrava do meu pai ....

Paro de divagar sobre a minha vida miserável e venço os metros que faltavam pra bonita casinha de Mabel!

Juan está deitado no sofá com as bochechas coradas e é visível que ele está com febre , encosto a minha mão na testa dele e sinto queimar .

Juan tem uma saúde frágil, nasceu com uma deficiência nas pernas que o impede de andar e inúmeros outros problemas de saúde. Mabel veio de Cuba pros EUA em busca de tratamento pra Juan! Ele tem ido bem só as vezes fica adoecido , mais no geral ele está sempre animado e com um sorriso no rosto , é meu único e melhor amigo e nem sei se suportaria os últimos anos se não fosse Juan!

Sento perto dele e como sempre ele começa a tagarelar e me falar tudo sobre o mundo lá fora , mundo que ele está sempre atualizado porque é um fanático por Internet, escuto pacientemente ele e depois vamos ver um filme .

Nas primeiras cenas do filme que retratam um abuso eu me retraio e tento disfarçar, apesar de Juan ser meu melhor amigo eu nunca falo sobre isso com ninguém. Quando Juan percebe ele tira o filme rapidamente e me dá um olhar constrangido como quem pede desculpas.

-Sara desculpa eu não sabia que esse filme ....

- tá tudo bem Ju

ficamos constrangidos por alguns momentos e reina um silêncio incômodo.

- Sarinha! Você precisa ir embora , ter uma vida ! Seu sonho é cursar uma universidade, você é uma das pessoas mais inteligentes que eu já conheci, e já tem 18 anos ! Eu sentiria muito a sua falta mais estaria feliz por saber que você está longe desse mausoléu que chamam de mansão.

Eu olho com carinho pra Juan sempre tão altruísta, sempre pensando na felicidade alheia....

Não respondo e me levanto , já está tarde e eu não quero que haja fofocas quando meu pai voltar .

O final de semana passa voando como tudo que é bom dura pouco . sou acordada de madrugada pelo barulho da porta do meu quarto , eu já sei quem é e sei também que nada adianta eu lutar pois é pior pra mim , porém nesse dia ele estava me machucando muito e eu começo a gritar enquanto ele me estupra e me bate , depois de anos sem ver minha mãe eu grito por ela , grito pelo que ela deveria ser pra mim , grito na esperança de que ela me proteja ..... mais ninguém me ouve ou melhor ninguém que possa me ajudar me ouve ...

Acordo sentindo dores e com manchas de sangue no travesseiro, tenho sorte dele nunca ter quebrado um dos meus dentes , ao contrário dos meus ossos dos braços e costelas meus dentes tem resistido...

Escuto o silêncio da casa e sei que ele já saiu, nessa hora vem a vergonha, jurei pra mim mesma que nunca mais gritaria por socorro , não adiantava e só me fazia sentir mais vergonha ao encarar os funcionários da casa no dia seguinte .

Fico quieta tentando levar minha mente pra um outro lugar, um lugar mais feliz quando sou tirada do silêncio por uma gritaria absurda , no mesmo instante eu saio da cama e abro a porta do corredor pra ver o que está acontecendo, uma das camareiras está histérica próximo ao quarto de minha mãe... eu corro pra ver , e nunca vou me esquecer da face cadavérica estendida na cama sem vida ...

Minha mãe, a mulher que me pôs nesse mundo pra sofrer estava morta , seca parecendo um saco de ossos , gengivas a mostra e vários cortes nos pulsos

mamãe resolveu ir pra um lugar longe daqui , talvez seja melhor pra ela , não consigo chorar !

Mabel em um minuto está ao meu lado e coloca um papel em minha mão disfarçadamente, eu me afasto não estou sentindo nada a não ser um vazio do que poderia ter sido a nossa vida.

Logo a polícia chega e a casa de súbito se enche de pessoas , me refugiei em meu quarto e só então me lembro do papel que enfiei no bolso .

Quando abro e começo a ler entendo que é uma carta da minha mãe Marie,

Querida Sara,

Espero que um dia você possa me perdoar , não por tirar a minha vida mais por tudo que eu sei que você passou toda a sua curta vida .

por ser fraca e me trancar no meu mundo no meu quarto enquanto você era espancada e maltratada.

Meus pais mesmo sabendo tudo que eu sofri e tudo que você sofria , nunca me ofereceram apoio , desde o dia do meu casamento que o meu marido se recusou até a falar comigo por anos, até quando me violentou porque o pai queria que ele consumasse o casamento e gerasse um herdeiro, até o dia que você fez 18 anos , eles nunca sequer responderam as minhas cartas de socorro . Eu deveria ter sido forte , forte por você, a última noite foi o canto do cisne , eu já não podia mais suportar ouvir seu sofrimento...

me perdoe

Marie

Mabel tirou a carta do quarto sem que ninguém visse , querida Mabel tentando sempre dentro do que pode me proteger , evitar que alguém soubesse e eu sentisse vergonha , muitos poderiam pensar que se essa carta fosse encontrada pela polícia meu pai seria punido hahahahah que tolo seria quem pensasse assim !

Ao longo dos anos mexendo em coisas da casa eu fui percebendo os crimes e quantas vezes meu pai saiu impune ...

Mas ler essa carta me deu uma certeza , meu suplício nunca vai acabar , não há mais ninguém a quem chamar ....

Na mesma noite quando o corpo da minha mãe repousava dentro de um caixão na funerária meu pai entrou em meu quarto :

- Sara comece a arrumar suas coisas , você vai passar pro meu quarto !

Ele simplesmente jogou essa informação e começou a desabotoar a gravata , não sei o que houve , não sei o que me aconteceu aquela noite , enquanto ele usava meu corpo eu entendi que meu sofrimento nunca ia acabar enquanto eu chorava silenciosamente pela mulher que se foi , pela mãe que eu não pude conhecer, nascia dentro de mim a certeza que dessa vez ele não iria ganhar , ele não ia me fazer ocupar um espaço que não deveria ! Eu Sara Romanov Ferguson ia fugir ...