/0/13619/coverbig.jpg?v=95f6c4105bb45cba1e40c70bdd60cc62)
Finalmente, depois do que pareceu uma eternidade, avistei uma pequena cabana de apoio perto da base da montanha. Era uma construção simples, com madeira desgastada e uma chaminé soltando um fio tímido de fumaça. Dentro, dois patrulheiros estavam sentados em cadeiras dobráveis, conversando e segurando canecas de café fumegante.
- Por favor, ajudem! Meu pai caiu! Ele está ferido, acho que quebrou a perna! - gritei, quase sem fôlego, com a voz trêmula de desespero e do frio que castigava meu rosto.
Os dois se levantaram imediatamente, largando as canecas na mesa. Um deles, um homem alto com um colete laranja fluorescente e uma barba espessa, deu um passo à frente e colocou uma mão firme no meu ombro.
- Calma, você fez bem em vir. - disse ele, com um tom calmo, mas sério. - Mostre onde ele está.
Sem perder tempo, eles entraram em ação. Enquanto um verificava os rádios e equipamentos, o outro rapidamente ajustava as alças de um trenó de resgate que estava encostado na parede. Em poucos minutos, dois socorristas equipados com trenó, cordas e mochilas pesadas estavam ao meu lado, me acompanhando na subida.
Enquanto avançávamos, o clima começou a mudar. O céu, antes limpo e azul, agora estava coberto por nuvens escuras e pesadas que se moviam rapidamente, como se fossem empurradas por uma força invisível. O vento cortante trouxe um som peculiar, um lamento grave e contínuo que parecia ecoar pelas encostas.
- Isso não é bom. - comentou um dos socorristas, franzindo a testa enquanto olhava para o topo da montanha. - Pode ser o início de uma avalanche. Precisamos ser rápidos.
Meu coração disparou ao ouvir aquilo. Uma avalanche? Não podia ser. Tentei afastar o pensamento enquanto sentia meus pés afundarem mais profundamente na neve, cada passo mais difícil que o anterior. A imagem do meu pai, sozinho e vulnerável, me impulsionava a seguir em frente.
Quando finalmente avistamos meu pai, ele estava onde o deixei, tentando se manter calmo. Seu rosto se iluminou ao nos ver.
- Pai! - gritei, mas antes que eu pudesse chegar perto, um som aterrador preencheu o ar.
Era como um trovão contínuo, um rugido que fazia o chão tremer sob nossos pés. Os socorristas pararam abruptamente e olharam para cima.
- Avalanche! - gritou um deles. - Para trás, agora!
Olhei na direção do som e vi uma muralha de neve descendo pela encosta. Era uma visão aterrorizante, um monstro branco que engolia tudo em seu caminho. Meu pai também viu, e seus olhos se arregalaram.
- Luna, corre! - ele gritou, mas eu não conseguia me mover.
- Não! Pai! - berrei, tentando correr até ele, mas um dos socorristas me segurou.
- Você não pode ir! - disse ele, sua voz firme, enquanto me puxava para longe.
- Ele vai ser levado! Soltem-me! - gritei, debatendo-me desesperadamente, mas o outro socorrista também me segurou.
A neve desceu com uma força brutal, atingindo meu pai em cheio. Ele tentou se segurar em algo, mas foi inútil. A última coisa que vi foi seu corpo sendo engolido pela avalanche, desaparecendo completamente sob a massa de neve.
- Papai! - meu grito ecoou pela montanha, mas logo o silêncio tomou conta.
Caí de joelhos, sentindo um vazio profundo. O mundo parecia ter parado. Um dos socorristas colocou a mão em meu ombro.
- Precisamos sair daqui, ainda é perigoso. - disse ele, a voz baixa e cheia de pesar.
- Não! Não posso deixá-lo lá! Ele precisa de mim! - implorei, tentando me soltar, mas eles não cederam.
- Vamos organizar uma equipe de resgate. Ainda há uma chance. - disse o outro socorrista, tentando me tranquilizar.
Aquelas palavras pareceram tão distantes. Tudo o que eu conseguia ver era o vazio onde meu pai estivera.
Os socorristas me levaram de volta para a cabana. Um deles, com a voz calma mas carregada de urgência, me pediu o contato de um familiar. Com os dedos tremendo, passei o número da minha mãe. Eles ligaram para ela, explicando o que havia acontecido e pedindo que viesse imediatamente.
Tudo ao meu redor parecia enevoado, como se o mundo tivesse perdido suas cores e se transformado em um pesadelo do qual eu não conseguia acordar. Sentei-me em uma cadeira de madeira ao lado do aquecedor. Minhas mãos estavam tão frias que mal as sentia, mas era o peso gelado no meu peito que me deixava paralisada. Um dos socorristas enrolou-me em uma manta grossa, mas nenhum calor era capaz de aliviar o pânico e a angústia que me dominavam.
Fixei o olhar nas chamas dançantes da lareira, mas a visão era um borrão. Meus pensamentos estavam presos no rosto do meu pai, nos últimos momentos em que o vi antes de a neve o engolir. A culpa rastejava por entre os meus pensamentos, misturando-se ao medo. "E se eu não tivesse insistido para esquiar? E se eu tivesse sido mais rápida para buscar ajuda?"
O som da porta se abrindo de repente me fez levantar os olhos. Minha mãe entrou apressada, com o rosto pálido e os olhos arregalados de desespero.
- Luna! - ela gritou, sua voz tremendo. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, corri para os braços dela.
- Mamãe! - solucei, segurando-a com toda a força que ainda tinha.
Ela se ajoelhou, me abraçando apertado. Eu sentia o tremor nas mãos dela enquanto ela alisava meu cabelo, tentando me acalmar.
- Vai ficar tudo bem... - disse ela, mas sua voz soava incerta, como se estivesse tentando convencer a si mesma tanto quanto a mim. - Eles vão encontrar seu pai. Ele é forte, Luna. Ele vai voltar.
Soltei um soluço engasgado e enterrei o rosto no ombro dela.
- Eu tô com medo, mamãe. E se... e se ele não voltar?
Ela ficou em silêncio por um momento, respirando fundo antes de responder.
- Ele vai voltar, meu amor. Precisamos acreditar nisso, tá bom? Agora, vamos para o chalé dos seus avós. Precisamos estar juntos agora.
Antes de sairmos, minha mãe conversou rapidamente com os socorristas, pedindo que a informassem sobre qualquer novidade, a qualquer hora. Apesar do tom firme que tentou manter, seus olhos traíam o pavor que ela sentia.
Fomos até o carro em silêncio. O barulho dos pneus esmagando a neve era o único som que preenchia o vazio entre nós. Eu mantinha o olhar fixo na janela, vendo as sombras das árvores passarem como vultos. Cada segundo parecia uma eternidade.