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Quando chegamos ao chalé, a atmosfera era pesada, sufocante. Meus avós estavam sentados no sofá, imóveis. Meu avô segurava a mão da minha avó, mas nem isso parecia suficiente para acalmá-los. Os olhos de ambos estavam vermelhos e brilhantes, como se segurassem as lágrimas para não me assustar mais.
O silêncio era quase ensurdecedor, preenchendo cada canto da sala. Quando perceberam minha chegada, se levantaram devagar, como se o movimento exigisse mais força do que tinham. Minha avó se aproximou primeiro, me envolvendo em um abraço frágil, mas desesperado, enquanto meu avô pousava uma mão trêmula no meu ombro, tentando transmitir alguma segurança que nem ele mesmo sentia.
- Estamos aqui com você, querida - murmurou minha avó, sua voz embargada e quase inaudível.
Mas suas palavras, em vez de me confortarem, só alimentaram o furacão de culpa que já havia se instalado em meu coração. Não consegui conter o turbilhão que escapou de dentro de mim.
- É tudo culpa minha... - sussurrei, com a voz tremendo. - Eu insisti para ele ir... Se eu não tivesse insistido...
As palavras mal tinham escapado dos meus lábios, mas o impacto foi instantâneo. Minha avó, que até então segurava a compostura por um fio, desmoronou. Suas lágrimas, antes contidas, agora deslizavam livremente, marcando seu rosto enrugado pela idade e pela dor.
Ela balançou a cabeça, soluçando, seus olhos, vermelhos e marejados, buscavam os meus. Sem hesitar, ela se aproximou e me envolveu em um abraço caloroso, apertado, como se quisesse me proteger do peso esmagador da culpa que eu carregava.
- Não foi culpa sua, meu bem... - disse ela, sua voz quebrada, embargada pelo choro. - Não diga isso.
Minha mãe, que até então estava em silêncio, aproximou-se de mim. Ela segurou meu rosto com firmeza, suas mãos quentes pressionando minhas bochechas enquanto seus polegares limpavam, sem sucesso, as lágrimas que continuavam a cair.
- Olhe para mim, por favor - pediu, sua voz baixa, mas carregada de urgência. - Luna, ouça-me. - Sua voz era baixa, mas carregava um peso que não podia ser ignorado. - Não diga isso nunca mais. Não é culpa sua. Você não poderia saber que algo assim iria acontecer. Ninguém poderia.
Tentei desviar o olhar, mas ela não deixou. Suas mãos apertaram suavemente meu rosto, como se quisesse garantir que cada palavra fosse ouvida e sentida.
- Eu... eu só não queria que isso tivesse acontecido, mamãe. Eu só quero que ele fique bem... - As palavras saíram entrecortadas pelos soluços, e eu mal conseguia respirar.
Ela me puxou para um abraço apertado, como se pudesse me proteger da avalanche que agora desmoronava dentro de mim.
- Eu sei, meu amor, eu sei... - sussurrou, suas lágrimas molhando meu cabelo. - Mas ele é forte. Precisamos acreditar. Precisamos ter esperança.
Apesar das palavras reconfortantes, o peso do que havia acontecido parecia impossível de carregar. Subi para o meu quarto sem dizer mais nada, sentindo cada passo como se fosse através de areia movediça. Assim que fechei a porta, desabei. Joguei-me na cama e enterrei o rosto no travesseiro, as lágrimas molhando o tecido enquanto soluços dolorosos escapavam. Abracei o travesseiro como se ele pudesse me oferecer algum tipo de consolo, mas a dor era esmagadora. Chorei até não restar mais forças, até que o cansaço finalmente venceu.
Fui despertada horas depois por um som que me gelou o coração: um grito desesperado. Pulei da cama, o coração martelando no peito, e corri pelo corredor escuro, com o chão gelado contra meus pés descalços.
- Mamãe! - gritei, minha voz tremendo. - O que aconteceu?
Cheguei à sala e vi minha mãe ajoelhada no chão, segurando o telefone com as mãos trêmulas. Meu avô estava ao seu lado, tentando acalmá-la, mas a expressão dele também estava desolada. Minha mãe parecia paralisada, os olhos arregalados e marejados, enquanto balbuciava algo que eu não conseguia entender.
- Luna... - ela sussurrou, sua voz frágil e quebrada. - Eles... eles o encontraram.
Meu coração deu um salto. Por um momento, a esperança brilhou como uma pequena chama em meio à escuridão.
- Ele está bem? Ele está machucado, mas vai ficar bem, não é? - perguntei, quase sem fôlego.
Mas minha mãe apenas balançou a cabeça, os lábios tremendo enquanto lutava para falar. E então, as palavras vieram, cada uma delas como um golpe mortal.
- Ele... ele não resistiu, Luna. Seu pai se foi.
O mundo parou. Tudo ao meu redor - as paredes, a lareira, o som distante do vento lá fora - se desfez em um borrão. Era como se o chão tivesse desaparecido, e eu estivesse caindo em um abismo sem fim.
- Não... - sussurrei, recuando, a negação escapando como um reflexo. - Não pode ser verdade!
Minha mãe tentou se aproximar, mas eu me afastei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto como rios descontrolados.
- Ele não pode ter morrido! Ele não pode... - gritei, minha voz ecoando pela sala.
Caí de joelhos, abraçando-me como se pudesse me proteger da dor insuportável. Minha mãe se ajoelhou ao meu lado e me envolveu nos braços novamente. Nós choramos juntas, agarrando-nos uma à outra, como se isso pudesse afastar o peso da perda que agora nos envolvia.
Aquela noite foi a mais longa da minha vida. As horas passavam lentamente, como se o tempo estivesse zombando de nós, arrastando-se sem piedade. As luzes da árvore de Natal piscavam no canto da sala, mas, em vez de trazer alegria, cada piscar parecia zombar da nossa tristeza, lembrando-me de tudo o que havíamos perdido.
Meu pai sempre adorou o Natal. Ele ria enquanto pendurava as luzes na varanda, cantava desafinado as músicas natalinas e insistia em escolher o maior pinheiro que pudesse encontrar. Ele era a alma da festa, o motivo pelo qual o Natal sempre foi tão mágico para mim. Mas agora... agora ele não estava mais ali.
O que antes era meu feriado favorito, a época mais mágica do ano, agora parecia vazio, sem sentido. Comemorar o Natal naquele momento parecia um insulto, como se fosse uma celebração da pior tragédia da minha vida.
Deitada na cama naquela noite, com o rosto ainda úmido das lágrimas, pensei comigo mesma: "Nunca mais vou gostar do Natal. Nunca mais vou conseguir sentir alegria nessa época. O Natal roubou o meu pai de mim."