Capítulo 2 Especial

Eu estava ainda desfazendo minha mala, empilhando roupas no guarda-roupa, quando a voz do meu pai ecoou pela porta do quarto. Ele estava encostado ali, com um sorriso animado, segurando seu par de óculos de esqui.

- Pronta para a pista? - perguntou ele, ajustando o capuz do casaco.

- Mais do que pronta! - respondi, ajustando o meu próprio casaco enquanto sorria.

Minha mãe, que estava sentada na cama com meu irmãozinho John nos braços, levantou o olhar, preocupada.

- Deixem para esquiar amanhã. A neve está começando a ficar mais pesada, e eu ainda vou precisar da sua ajuda, Luna. O John está inquieto, e sua avó precisa de ajuda com os preparativos da ceia.

Revirei os olhos e bati o pé no chão, soltando um suspiro teatral.

- Mas eu quero ir hoje! Vai ser rápido, prometo!

Meu pai olhou para mim e depois para ela, tentando conter o riso.

- Só uma descida, amor. Prometo que voltaremos logo. - disse ele, com aquele tom persuasivo que só ele sabia usar.

Minha mãe bufou, claramente contrariada, mas acabou cedendo.

- Tudo bem, mas não demorem. E Luna, não esqueça que vou precisar de você mais tarde.

- Obrigada, mãe! - respondi, pulando de alegria enquanto pegava meu equipamento.

- Tudo pronto? - meu pai perguntou enquanto fechava o porta-malas do carro. Eu assenti, ajustando meu cachecol. Entramos no carro, e ele ligou o aquecedor. O som dos pneus esmagando a neve na estrada.

A montanha onde costumávamos esquiar era uma tradição de Natal. Não importava o quão frio estivesse ou o quanto a neve acumulasse, aquele era o nosso ritual. Eu olhava pela janela enquanto o cenário branco passava, com os pinheiros altos parecendo guardiões da estrada.

- Lembra da primeira vez que fomos esquiar? - ele perguntou, quebrando o silêncio.

- Claro. - respondi com um sorriso. - Eu tropecei antes mesmo de colocar os esquis e você não parava de rir.

- Você insistiu em descer a colina mais íngreme porque 'não parecia tão difícil assim'. - ele disse, rindo. - Foi um desastre total, mas você estava tão determinada.

Ri também, sentindo o calor da lembrança. Meu pai sempre soube como transformar até os piores momentos em algo especial.

Depois de um tempo, ele virou o carro para uma estrada secundária. Paramos em um pequeno acostamento, cercado por árvores cobertas de neve. Pegamos nossas coisas no porta-malas e começamos a caminhada de dez minutos até a base da montanha.

O caminho estava silencioso, com apenas o som dos nossos passos e o ocasional assobio do vento. A cada passo, o cheiro de pinho e o ar gelado me traziam uma sensação de nostalgia.

Quando finalmente chegamos à montanha, ela estava tão imponente quanto eu lembrava. O céu estava limpo, e a luz do sol refletia na neve, criando um brilho quase mágico. Meu pai colocou as coisas no chão e, sem dizer uma palavra, se ajoelhou na neve para me ajudar com os esquis.

- Vamos lá. - ele disse, ajustando a primeira bota. - Me avise se estiver apertado demais.

Suas mãos, firmes e cuidadosas, mexiam nas alças e fivelas com a precisão de alguém que já tinha feito aquilo centenas de vezes.

- Está perfeito!

- Você tem sorte de ter um especialista em esquis como seu pai. - ele brincou, piscando para mim.

- Especialista? Você já esqueceu o equipamento em casa uma vez. - provoquei, rindo.

- Ah, isso acontece! - disse, terminando de ajustar os meus esquis.

Antes que eu pudesse responder, ele deu dois passos para trás, virou-se, e disparou pela encosta.

- Ei, você tem que me alcançar! - ele gritou, rindo como uma criança enquanto descia com uma velocidade impressionante.

Fiquei alguns segundos parada, incrédula, antes de gritar de volta:

- Espere só até eu te passar! - Inclinei-me para frente, deixando a gravidade fazer seu trabalho. Aos poucos, ganhei velocidade. O vento cortava o meu rosto, e a adrenalina pulsava em cada curva.

Lá embaixo, meu pai olhava para trás, rindo de forma desafiadora.

- Vai ficar aí para sempre, Luna? - ele provocou, fazendo um zigue-zague perfeito para me intimidar.

- Você vai ver só! - resmunguei, focando na descida. Concentrei-me no ritmo dos meus movimentos, tentando aproveitar os trechos mais íngremes para ganhar velocidade.

A disputa continuou por mais algumas descidas. Às vezes ele me deixava passar, apenas para acelerar e me ultrapassar no último segundo. Outras vezes, eu o surpreendia com manobras inesperadas, arrancando gargalhadas. Ficamos ali por horas, cada corrida mais divertida que a outra.

Eu estava tão imersa no momento que nem percebi o tempo passar.

- Última descida, Luna? - perguntou ele, ajustando os óculos de proteção. Seu sorriso estava tão contagiante quanto sempre.

- Vamos lá! Mas vou te avisar: dessa vez eu vou ganhar! - desafiei, ajustando meus esquis.

- Veremos, mocinha. Lembre-se: não importa o quanto você cresça, ainda sou o mais rápido da família.

- É o que vamos descobrir agora. - respondi, rindo.

Contamos até três e, mais uma vez, a corrida começou. Meu pai saiu na frente, mas dessa vez eu me concentrei ainda mais, calculando cada curva, cada movimento. A sensação de liberdade e velocidade era indescritível. Eu estava na frente, rindo enquanto deslizava. Quando olhei para trás, vi meu pai tentando desviar de algo na trilha, mas a velocidade era alta demais. Ele perdeu o equilíbrio, e o impacto foi repentino: uma queda brusca, seguida por um grito de dor que ecoou pela montanha.

- Pai! - gritei, freando rapidamente. Meu coração parecia disparar enquanto eu lutava para chegar até ele.

Ele estava deitado de costas, com os olhos fechados, o rosto contorcido de dor. Quando me viu, tentou sorrir, mas era óbvio que estava sofrendo.

- Estou bem... não se preocupe. - disse ele, a voz fraca. - Só... acho que torci o pé.

- Você consegue se levantar? - exclamei, meu coração batendo tão rápido que parecia que ia sair do peito.

Ele tentou, mas um gemido de dor escapou, fazendo-me perceber a gravidade da situação.

- Não, Luna... não consigo. Acho que quebrei a perna.

Olhei ao redor. Não havia ninguém à vista. O silêncio da montanha, que antes era tranquilizador, agora parecia opressor.

- Tudo bem, tudo bem... Eu vou buscar ajuda. - disse, tentando manter a calma, mas minha voz tremia.

- Luna, espere. - Ele segurou minha mão, o rosto pálido. - Não vá muito longe. Fique na trilha principal. E se não encontrar ninguém, volte pra cá. Promete?

- Prometo - respondi, apertando sua mão com força. - Você vai ficar bem, eu juro.

Com o coração na garganta, peguei meus esquis e comecei a subir pela trilha o mais rápido que podia. Minhas pernas doíam, e a neve parecia mais pesada a cada passo, mas eu não podia parar. Gritei por socorro, mas o eco foi minha única resposta.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022