Capítulo 3 Avalanche

Finalmente, depois do que pareceu uma eternidade, avistei uma pequena cabana de apoio perto da base da montanha. Era uma construção simples, com madeira desgastada e uma chaminé soltando um fio tímido de fumaça. Dentro, dois patrulheiros estavam sentados em cadeiras dobráveis, conversando e segurando canecas de café fumegante.

- Por favor, ajudem! Meu pai caiu! Ele está ferido, acho que quebrou a perna! - gritei, quase sem fôlego, com a voz trêmula de desespero e do frio que castigava meu rosto.

Os dois se levantaram imediatamente, largando as canecas na mesa. Um deles, um homem alto com um colete laranja fluorescente e uma barba espessa, deu um passo à frente e colocou uma mão firme no meu ombro.

- Calma, você fez bem em vir. - disse ele, com um tom calmo, mas sério. - Mostre onde ele está.

Sem perder tempo, eles entraram em ação. Enquanto um verificava os rádios e equipamentos, o outro rapidamente ajustava as alças de um trenó de resgate que estava encostado na parede. Em poucos minutos, dois socorristas equipados com trenó, cordas e mochilas pesadas estavam ao meu lado, me acompanhando na subida.

Enquanto avançávamos, o clima começou a mudar. O céu, antes limpo e azul, agora estava coberto por nuvens escuras e pesadas que se moviam rapidamente, como se fossem empurradas por uma força invisível. O vento cortante trouxe um som peculiar, um lamento grave e contínuo que parecia ecoar pelas encostas.

- Isso não é bom. - comentou um dos socorristas, franzindo a testa enquanto olhava para o topo da montanha. - Pode ser o início de uma avalanche. Precisamos ser rápidos.

Meu coração disparou ao ouvir aquilo. Uma avalanche? Não podia ser. Tentei afastar o pensamento enquanto sentia meus pés afundarem mais profundamente na neve, cada passo mais difícil que o anterior. A imagem do meu pai, sozinho e vulnerável, me impulsionava a seguir em frente.

Quando finalmente avistamos meu pai, ele estava onde o deixei, tentando se manter calmo. Seu rosto se iluminou ao nos ver.

- Pai! - gritei, mas antes que eu pudesse chegar perto, um som aterrador preencheu o ar.

Era como um trovão contínuo, um rugido que fazia o chão tremer sob nossos pés. Os socorristas pararam abruptamente e olharam para cima.

- Avalanche! - gritou um deles. - Para trás, agora!

Olhei na direção do som e vi uma muralha de neve descendo pela encosta. Era uma visão aterrorizante, um monstro branco que engolia tudo em seu caminho. Meu pai também viu, e seus olhos se arregalaram.

- Luna, corre! - ele gritou, mas eu não conseguia me mover.

- Não! Pai! - berrei, tentando correr até ele, mas um dos socorristas me segurou.

- Você não pode ir! - disse ele, sua voz firme, enquanto me puxava para longe.

- Ele vai ser levado! Soltem-me! - gritei, debatendo-me desesperadamente, mas o outro socorrista também me segurou.

A neve desceu com uma força brutal, atingindo meu pai em cheio. Ele tentou se segurar em algo, mas foi inútil. A última coisa que vi foi seu corpo sendo engolido pela avalanche, desaparecendo completamente sob a massa de neve.

- Papai! - meu grito ecoou pela montanha, mas logo o silêncio tomou conta.

Caí de joelhos, sentindo um vazio profundo. O mundo parecia ter parado. Um dos socorristas colocou a mão em meu ombro.

- Precisamos sair daqui, ainda é perigoso. - disse ele, a voz baixa e cheia de pesar.

- Não! Não posso deixá-lo lá! Ele precisa de mim! - implorei, tentando me soltar, mas eles não cederam.

- Vamos organizar uma equipe de resgate. Ainda há uma chance. - disse o outro socorrista, tentando me tranquilizar.

Aquelas palavras pareceram tão distantes. Tudo o que eu conseguia ver era o vazio onde meu pai estivera.

Os socorristas me levaram de volta para a cabana. Um deles, com a voz calma mas carregada de urgência, me pediu o contato de um familiar. Com os dedos tremendo, passei o número da minha mãe. Eles ligaram para ela, explicando o que havia acontecido e pedindo que viesse imediatamente.

Tudo ao meu redor parecia enevoado, como se o mundo tivesse perdido suas cores e se transformado em um pesadelo do qual eu não conseguia acordar. Sentei-me em uma cadeira de madeira ao lado do aquecedor. Minhas mãos estavam tão frias que mal as sentia, mas era o peso gelado no meu peito que me deixava paralisada. Um dos socorristas enrolou-me em uma manta grossa, mas nenhum calor era capaz de aliviar o pânico e a angústia que me dominavam.

Fixei o olhar nas chamas dançantes da lareira, mas a visão era um borrão. Meus pensamentos estavam presos no rosto do meu pai, nos últimos momentos em que o vi antes de a neve o engolir. A culpa rastejava por entre os meus pensamentos, misturando-se ao medo. "E se eu não tivesse insistido para esquiar? E se eu tivesse sido mais rápida para buscar ajuda?"

O som da porta se abrindo de repente me fez levantar os olhos. Minha mãe entrou apressada, com o rosto pálido e os olhos arregalados de desespero.

- Luna! - ela gritou, sua voz tremendo. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, corri para os braços dela.

- Mamãe! - solucei, segurando-a com toda a força que ainda tinha.

Ela se ajoelhou, me abraçando apertado. Eu sentia o tremor nas mãos dela enquanto ela alisava meu cabelo, tentando me acalmar.

- Vai ficar tudo bem... - disse ela, mas sua voz soava incerta, como se estivesse tentando convencer a si mesma tanto quanto a mim. - Eles vão encontrar seu pai. Ele é forte, Luna. Ele vai voltar.

Soltei um soluço engasgado e enterrei o rosto no ombro dela.

- Eu tô com medo, mamãe. E se... e se ele não voltar?

Ela ficou em silêncio por um momento, respirando fundo antes de responder.

- Ele vai voltar, meu amor. Precisamos acreditar nisso, tá bom? Agora, vamos para o chalé dos seus avós. Precisamos estar juntos agora.

Antes de sairmos, minha mãe conversou rapidamente com os socorristas, pedindo que a informassem sobre qualquer novidade, a qualquer hora. Apesar do tom firme que tentou manter, seus olhos traíam o pavor que ela sentia.

Fomos até o carro em silêncio. O barulho dos pneus esmagando a neve era o único som que preenchia o vazio entre nós. Eu mantinha o olhar fixo na janela, vendo as sombras das árvores passarem como vultos. Cada segundo parecia uma eternidade.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022