Não tenho problemas em usar meus poderes perto de Lilica. Ela foi a melhor coisa que me aconteceu desde que cheguei a este reino. Costumo explorá-lo apenas nas primeiras horas da manhã, pouco antes do sol nascer. Nunca fui muito longe e tenho tido pouco ânimo para grandes aventuras. Ainda assim, sinto que preciso cuidar da natureza ao meu redor. Muitos animais adoecem, e eu consigo curá-los. É meu dever.
Lilica insiste em me apresentar para seus amigos e sua família, mas eu temo por isso. Estou escondida em sua propriedade e sei que os humanos podem ser cruéis. Poderiam me expulsar, me prender ou até mesmo me matar. Como forma de agradecimento pelas frutas que Lilica sempre me traz, cuido de suas árvores frutíferas todos os dias. Ela cuida de mim como se eu fosse uma boneca, embora provavelmente eu tenha vivido o suficiente para ser sua avó, devido ao tempo passar de forma diferente aqui.
Costumo pentear seus lindos cabelos cacheados, colocar laços e flores, e às vezes me pego pensando em como seria se eu tivesse encontrado meu companheiro destinado. Teríamos filhos? É como se eu estivesse de férias das minhas responsabilidades, evitando pensar no motivo que me trouxe até aqui.
O sol está se pondo, e eu me sinto solitária quando Lilica não está por perto. Ela é uma criança muito inteligente e, quando está comigo, encontro algo para cuidar. Isso me faz sentir útil. Fico pensando no convite para a festa em sua casa hoje, mas o medo me impede. Se eu tivesse roupas mais apropriadas para este reino, talvez fosse diferente. Desde que cheguei, passei a maior parte do tempo em minha forma diminuída e usava roupas improvisadas, feitas por Lilica ou tiradas de suas bonecas.
Decido que preciso de uma roupa. Tomo coragem, apesar de meu medo, e saio voando para tentar encontrar algo. Aqui fica muito escuro após o pôr do sol, mas posso me esconder entre as árvores. Encontro um varal com roupas penduradas em uma propriedade do outro lado do rio. Todas as peças são grandes para mim, mas uso magia para encolher uma blusa que poderia servir. Levo-a para a casinha da árvore e a encanto para voltar ao tamanho normal.
Uso alguns utensílios de Lilica para modificá-la. Poderia simplesmente invocar uma roupa mágica, mas nunca aprimorei essa habilidade. Minha mãe sempre dizia que eu deveria treinar mais meus dons, mas cuidar do nosso povo sempre foi minha prioridade.
Finalmente, a roupa está pronta. Tomo um banho com água e flores para me preparar. Agora me sinto animada para conhecer os humanos.
Ao chegar à entrada da propriedade, em meu tamanho normal, tudo parece diferente. O que antes era grandioso agora parece menor. O barulho da música e os aromas diversos me encantam. Quanto mais me aproximo, mais alto fica o som. De repente, vejo uma mulher falando alto com Lilica em um tom que não me agrada.
"Você não pode atrapalhar seu pai! Mesmo que seja uma festa, ele está trabalhando. Deve ficar em seu quarto e evitar envergonhá-lo na frente de seus funcionários, sua pirralha!", diz a mulher de forma dura.
Lilica recua, com os olhos cheios de lágrimas e a cabeça baixa. A mulher é morena, com um corpo bonito, usando batom vermelho e um vestido decotado. Não consigo me conter e me aproximo.
"Como você ousa falar assim com uma criança?", digo, encarando-a.
Ela me avalia com desdém.
"Esta é uma propriedade privada. Quem você pensa que é para falar assim comigo?", retruca.
Lilica corre para mim e se coloca à minha frente.
"Ela é minha amiga, e eu a convidei, Adeline!"
Adoro como minha pequena me defende. Aproveito para perguntar:
"Lilica, onde está Maria?"
"Maria está na cozinha! Venha, ela vai amar te conhecer!", diz Lilica, animada, segurando minha mão.
Enquanto nos afastamos, Adeline fica parada, aparentemente sem reação.
Quanto mais me aproximo da cozinha, mais os cheiros maravilhosos me envolvem. Porém, o mais marcante é aquele aroma que só posso descrever como "lar". Lilica me puxa animadamente, sem se importar em esbarrar nas pessoas pelo caminho.
"Maria! Maria! Venha conhecer Safira!", chama Lilica ao entrarmos na cozinha.
Uma senhora, com um pano na cabeça e mexendo uma grande panela com uma colher de pau, se vira rapidamente. Ela me encara com um olhar assustado, como se estivesse vendo um fantasma.
"Você realmente existe!", diz com a voz trêmula.
"Sim, eu existo. Muito prazer, Maria!", respondo, sorrindo.
Maria se aproxima e segura minhas mãos com carinho.
"Oh, por que está descalça? Não pode ficar assim, ou vai pegar um resfriado!", diz, preocupada.
Lilica responde em tom sério:
"Maria, já te falei! Safira é muito pobrezinha. Temos que conseguir um calçado para ela!"
Maria me encara com ternura. "Eu realmente achei que você fosse uma amiga imaginária. Minha menina tem a imaginação muito fértil e sempre falou coisas extraordinárias sobre você."
"Ela também me fala muito sobre você, Maria. É como se já a conhecesse."
"Venha, devo ter algo que sirva nos seus pés."
Seguimos Maria por um corredor enquanto ela busca algo para me calçar.