Capítulo 3 3

Entramos no quarto da minha mãe. Ela está com os olhos fechados, mas sei que está acordada. Sei disso porque os dedos da sua mão se movem, como se estivesse ouvindo alguma melodia distante.

-Mamãe, estou aqui -digo enquanto me aproximo.

-Eu sei que está, minha filha. Também sei que você não veio sozinha -responde com uma voz suave, quase um sussurro.

-Como sabe disso? -pergunto surpresa, embora não devesse, pois minha mãe sempre teve uma percepção extraordinária.

-Pelo perfume que você está usando. É caro demais para ser algo casual -responde ela com um leve sorriso, mas ainda de olhos fechados.

Fico em silêncio por um momento, sem saber o que dizer. Mas, antes que eu possa responder, Daniel se adianta e estende a mão para ela.

-Muito prazer, senhora. Sou o noivo da sua filha -diz com um sorriso impecável.

Minha mãe continua de olhos fechados, mas o ar no quarto parece ficar pesado. Sua voz, embora tranquila, carrega uma mistura de ironia e sabedoria.

-Ah, então você é o noivo dela. Bem, pelo menos fico tranquila em saber que, quando eu me for, minha filha não ficará sozinha -diz, como se fosse uma conversa comum.

-Mamãe, por favor! Não diga isso -respondo, surpresa e irritada. Não consigo evitar lançar um olhar fulminante para Daniel. Como ele ousava se envolver em algo tão íntimo?

-Por que não? Essa parece ser a oportunidade perfeita para pedir a mão dela, não é? -diz Daniel, agora completamente à vontade, sem perder o ritmo. Ele se volta para minha mãe e, com uma atitude quase teatral, continua: -Senhora, gostaria de pedir a sua bênção para casar com sua filha, mesmo reconhecendo que não é a maneira mais convencional de fazer isso, mas é o que temos.

Minha mãe sorri sem abrir os olhos, como se já soubesse de tudo.

-Você realmente a ama, meu filho? -pergunta, desta vez com um tom mais sério.

-Amo, com todo o meu coração -responde Daniel, sem hesitar.

-Já ouvi muitos dizerem o mesmo, e nem sempre era verdade. Mas... confio na sua palavra -diz minha mãe, sem mudar de postura.

Meu coração dispara ao ouvir suas palavras. Se ela soubesse a verdade... se soubesse que Daniel está fazendo isso por poder, por conveniência, e não por amor. A mentira é tão grande, e eu estou tão presa a esse jogo que não escolhi.

-Então, se você diz, deve ser verdade -comenta minha mãe, como se a conversa tivesse chegado ao fim. Mas, quando penso que tudo terminou, um grito de dor corta o ar.

Ficamos paralisados. O som das máquinas se descontrola. Nesse momento, Daniel sai correndo, gritando por ajuda. As enfermeiras e o doutor Hugo entram rapidamente, e me dizem que preciso sair. Embora meu instinto me diga para não deixar minha mãe sozinha, Daniel me arrasta para fora do quarto, como se eu não tivesse voz nem vez.

Minutos que parecem horas passam. Minha cabeça gira, cheia de incertezas. Ninguém entra ou sai. Estou presa em minha dor e medo. De repente, as portas se abrem, e o doutor Hugo me olha fixamente, com uma expressão que já sei que não é boa.

Nem sei quanto tempo passa. Ouço os passos apressados das enfermeiras, as palavras rápidas dos médicos, mas tudo parece borrado, como se eu estivesse debaixo d'água, incapaz de respirar. E então, o silêncio. O frio, aterrador, dilacerante silêncio.

As portas se abrem, e o doutor Hugo me encara com olhos cheios de compaixão.

-Sinto muito, Amélia... -diz ele, e suas palavras caem como pedras no meu peito. Meus joelhos cedem, e o mundo ao meu redor desmorona. Minha mãe. Minha mãe se foi.

Um grito abafado escapa da minha boca, um som que não parece humano. Não sei se sou eu ou outra pessoa, mas sinto como se estivesse me partindo em mil pedaços. Tento me levantar, mas minhas pernas não têm força. Só quero voltar ao quarto, vê-la, embora saiba que ela não vai responder.

-Deixem-me vê-la! -grito desesperada, lutando contra os braços de Daniel que tenta me segurar. Mas eu não quero consolo, não quero braços me sustentando. Quero minha mãe, quero abraçá-la uma última vez, ouvir sua voz dizendo que tudo ficará bem.

Finalmente, me solto e corro até ela. Lá está ela, seu corpo imóvel na cama, olhos fechados, rosto sereno como se estivesse dormindo. Mas não é sono. É o vazio absoluto, o abismo que a reclamou e me deixou completamente sozinha.

Caio de joelhos ao lado da cama, agarrando sua mão, agora fria, e um grito dilacerante escapa da minha alma.

-Mamãe, por favor, acorde... não me deixe sozinha, não... suplico! Não consigo! Não consigo viver sem você! -soluço, a voz quebrada, enquanto minhas lágrimas caem sobre sua mão. Mas ela não está mais aqui para me acalmar, para dizer que tudo vai ficar bem. Ninguém poderá fazer isso nunca mais.

-Eu preciso de você... como vou viver sem você? Mamãe, acorde! -imploro, sacudindo-a levemente, como se pudesse trazê-la de volta à vida, mas é inútil. Seu corpo não responde, seus olhos não se abrem, seu calor se foi. A solidão me consome de um jeito que eu jamais imaginei ser possível.

...

            
            

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