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Aquela noite, cada segundo parecia uma eternidade. Olhava para o teto do meu pequeno quarto, ouvindo o barulho distante da cidade e remoendo a proposta de Daniel. Era como um eco persistente na minha cabeça, uma oferta que, embora necessária, parecia um pacto com algo mais profundo, algo que eu ainda não conseguia decifrar.
Eu precisava desse dinheiro. Não podia ignorar que a dívida que carregava era mais pesada do que qualquer coisa que eu pudesse suportar sozinha. Minhas opções eram poucas, e, nesta, a saída parecia estar ao alcance da minha mão. No entanto, a ideia de "me casar" com Daniel – mesmo que fosse apenas no papel – me fazia sentir como se estivesse vendendo uma parte de mim mesma.
Suspirei, virando-me na cama, tentando encontrar uma posição em que pudesse, ao menos, enganar o sono. Fechei os olhos, mas minha mente continuava trabalhando. Aceitar significava abrir mão de parte da minha vida privada, deixar de lado o pouco de liberdade que ainda tinha. Conhecia Daniel o suficiente para saber que ele não faria isso se não fosse por necessidade. Sua mãe, Isabel, era uma mulher controladora, capaz de manipular até o último detalhe da vida do filho para que as coisas saíssem do jeito dela.
– Isabel vai me odiar – murmurei baixinho, pensando em como ela reagiria quando seu filho aparecesse com uma simples secretária como esposa.
Isabel queria para ele uma esposa perfeita: educada, elegante e com o sobrenome certo. Eu sabia que ela não me olharia de outra forma que não fosse com desaprovação, que seus comentários sutis me machucariam. Mas, se aceitasse o acordo, Isabel se tornaria apenas mais uma peça desse jogo, e eu teria que aprender a enfrentá-la.
Ao mesmo tempo, imaginei como seria viver com Daniel sob o mesmo teto, fingindo um casamento que não existia. Teríamos que parecer algo que ambos sabíamos ser apenas um contrato, uma espécie de atuação diária, como se estivéssemos diante de um público invisível esperando a representação perfeita de um casal feliz.
Fechei os olhos, lembrando-me de cada conversa com ele. Daniel era um homem de negócios, direto e controlador. E eu simplesmente precisava do dinheiro. Essa combinação parecia funcionar, mas seria suficiente para suportar os sacrifícios que viriam?
A manhã chegou rápido demais, e eu estava exausta, com os pensamentos confusos, mas com uma decisão tomada.
Cheguei cedo ao escritório, como sempre. Me orgulhava de ser a primeira a chegar, organizar tudo e ter alguns minutos de paz antes que o caos do dia começasse, especialmente com Daniel. Mas, naquela manhã, assim que abri a porta do escritório, notei algo estranho. A luz dele já estava acesa.
Pisquei, surpresa. Daniel chegando antes de mim... seria uma dessas raras exceções? Tinha que ser. Ele não era do tipo madrugador; normalmente aparecia um pouco depois, quando eu já havia preparado seu café e revisado os documentos do dia.
Tentei manter minha mente ocupada com qualquer coisa que não fosse a conversa que estava prestes a ter com Daniel. Respirei fundo diante da porta de sua sala e bati duas vezes.
– Entre – disse sua voz firme lá de dentro, como se estivesse me esperando.
Entrei, fechando a porta atrás de mim. Ele estava revisando alguns documentos, mas, ao me ver, largou tudo de lado e inclinou-se para frente, olhando-me com aqueles olhos que pareciam analisar cada detalhe.
– Clara – disse em um tom neutro, convidando-me a falar com um simples gesto da mão. – Suponho que tenha pensado na minha proposta.
Meu pulso acelerou e, embora eu tentasse parecer calma, sabia que minhas mãos tremiam levemente. Eu havia ensaiado minhas palavras tantas vezes durante a noite que não hesitei ao dizer:
– Sim, pensei nisso, Daniel. E vou aceitar, mas quero que entenda algo desde o começo.
Ele arqueou uma sobrancelha, olhando-me com interesse. Minha voz estava firme, até mais do que eu esperava.
– Aceito sua proposta, mas quero deixar claro que isso é estritamente um acordo comercial. Não quero que confunda as coisas, nem você, nem ninguém.
Por um momento, Daniel me olhou sem dizer nada. Depois, um pequeno sorriso, quase imperceptível, surgiu em seus lábios.
– Está claro para mim, Clara. Isso é apenas um negócio. Nada mais.
Uma parte de mim relaxou ao ouvir suas palavras. Temia que ele tentasse adoçar a situação ou me fazer sentir que isso era algo além do que realmente era. Mas não. Daniel sempre fora direto e pragmático, e desta vez não foi diferente.
Assenti, cruzando os braços e olhando para ele com uma mistura de determinação e desafio.
– Ótimo. Então, me diga, qual é o próximo passo?
Daniel me observou por alguns segundos, como se avaliasse se eu realmente entendia no que estava me metendo. Por fim, soltou um suspiro e recostou-se na cadeira.
– Primeiro, precisamos assinar um contrato. Será detalhado e claro para evitar qualquer mal-entendido. Depois, quero que se mude para minha casa. Se isso for funcionar, precisamos que pareça real, tanto para minha mãe quanto para as pessoas ao nosso redor.
Meus olhos se arregalaram levemente com a ideia de me mudar para a casa dele. Sabia que fazia parte do acordo, mas imaginar e ouvir isso dos lábios dele eram coisas diferentes. Respirei fundo e assenti.
– Certo. Algo mais que eu deva saber?
Ele me estudou por um momento, como se ponderasse a melhor forma de dizer o que estava prestes a falar.
– Minha mãe não vai facilitar as coisas. É possível que tente... influenciar você, testá-la ou até mesmo fazê-la duvidar. Mas, enquanto se mantiver firme e lembrar que isso é um acordo, não haverá problemas.
Fiquei em silêncio, assimilando suas palavras. Sabia que Isabel não seria fácil, mas a forma como Daniel falava dela me fazia pensar que a situação poderia ser pior do que eu imaginava.
– Vou ter isso em mente – respondi, tentando soar segura.
Ele assentiu, satisfeito com minha resposta.
– Perfeito. Hoje à tarde providenciarei o contrato. Você pode lê-lo com calma e, se estiver de acordo, assinaremos. Recomendo que reserve um tempo para entender cada cláusula.
Assenti, sentindo o peso da situação começar a cair sobre meus ombros. Eu havia tomado a decisão de aceitar, mas agora que tudo estava acontecendo tão rápido, a realidade parecia esmagadora.
Ele estendeu a mão para mim, com a mesma frieza calculada que sempre demonstrava em seus negócios.
– Então, Clara, bem-vinda ao nosso acordo.
Olhei para sua mão por um segundo e, então, com a mesma firmeza, apertei-a. Ao fazer isso, soube que estava selando não apenas um contrato, mas o começo de uma vida que eu ainda nem começava a entender.