- Não, Florinha, sua irmã não me quer - diz ele e, em seguida, me olha novamente pelo espelho retrovisor.
Fico calada e desvio o olhar. Ao chegarmos em casa, ouvimos barulhos vindos do interior do imóvel. É o meu pai, completamente bêbado, quebrando as poucas coisas que temos. Fico sem ação. Ele sempre bebe, mas nunca foi agressivo em casa. Saio do carro e corro para abrir a porta.
Álvaro sai também e entra junto comigo. Assim que passo pela porta, vejo meu pai com as mãos ensanguentadas, por ter quebrado as garrafas de bebida junto com os quadros das fotos da mamãe. A Flora, coitadinha, se assusta com a cena e começa a ter uma crise de ansiedade. Quando meu pai vê a reação dela, senta-se e começa a chorar ao lado dela.
- Me perdoa, minha filha... Eu não queria estar assim... Eu vou parar, eu juro... Me perdoa, por favor - implora meu pai, chorando enquanto abraça a Flora.
- As fotos da mamãe! Você quebrou... Você destruiu tudo. Eu odeio você! - esbraveja Flora e sai correndo para o quarto.
Meu pai chora ainda mais.
- Eu não consigo, minha filha... Sua mãe se foi, mas eu não consigo superar. Eu bebo pra esquecer dela. Mas hoje eu passei dos meus limites... Me perdoa... - diz ele sem me olhar.
Não falo nada. Vou até a cozinha pegar as coisas para limpar a bagunça, mas, ao mesmo tempo, estou com vergonha por Álvaro ter presenciado aquela cena horrível.
Para minha surpresa, Álvaro se senta ao lado do meu pai e começa a falar:
- Olha, sei que não tenho nada a ver com a sua vida, mas queria encontrar as palavras certas para confortar o seu coração. Não é fácil saber o que dizer para quem teve uma perda tão dolorosa, e tenho certeza de que vocês fariam tudo para poder trazê-la de volta. Mas já imaginou o que ela pensaria se soubesse que você está assim? Fazendo suas filhas sofrerem? Além de terem perdido a mãe, agora precisam ver o pai se destruindo aos poucos?
Meu pai se cala e ouve atentamente. Percebo que as palavras de Álvaro fazem sentido para ele. Eu já não sei o que fazer e muito menos o que dizer ao meu pai para fazê-lo entender que ele não está apenas se destruindo, mas também destruindo a nossa dignidade. Nós, suas filhas, não temos culpa de nada do que aconteceu. Queríamos que o tempo voltasse e que nossa mãe estivesse aqui, mas isso não é possível. Perdemos a mamãe, mas tudo ficaria muito pior se perdêssemos a nós mesmos.
Visivelmente envergonhado, meu pai olha para Álvaro e, emocionado, diz:
- Minha esposa não ia querer isso... Mas eu não consigo... Eu não consigo parar - começa a chorar novamente - Minhas filhas sofrem demais, eu sei... Mas não consigo largar esse maldito vício. Só quero beber, beber e beber para esquecer e diminuir essa dor que dilacera o meu coração.
- Mas o senhor ao menos tentou parar? - Álvaro pergunta.
- Não... - meu pai responde com a voz fraca.
- Então não diga que não consegue, se ainda nem tentou.
Meu pai olha para Álvaro, enxuga as lágrimas e fala de um jeito que nunca ouvi antes:
- Você tem razão, rapaz... Eu vou parar... Pelas minhas filhas, eu vou conseguir.
- Tenho uma ideia. O senhor vai dormir agora, esfriar a cabeça e, quando acordar, conversa com suas filhas, pede perdão e, o mais importante, começa a se tratar. Eu, pessoalmente, quero acompanhar o seu progresso.
Dito isso, Álvaro ajuda meu pai a ir para a cama, enquanto termino de limpar a bagunça. Depois, ele vai até o quarto da Flora. Com o silêncio e o som de uma conversa ao longe, ando em pequenos passos e fico no canto da porta, sem que ele me veja. Ele está sentado de frente para a cama da Flora, conversando com ela com todo carinho e paciência do mundo.
- Eu odeio ele, odeio - chora Flora, abraçada a Álvaro.
- Não fala assim... O papai só está doente - diz Álvaro, acariciando seus cabelos acobreados.
Ela se afasta, indignada com o que ouviu.
- Doente? Quando eu tô doente, não destruo as coisas e muito menos as únicas lembranças da mamãe! - ela esbraveja, cruzando os braços.
Álvaro segura suas mãozinhas e diz:
- Olha, é que o papai sente tanta falta da mamãe que o coração dele está fraquinho. Por isso ele fez tudo aquilo. Mas eu, Álvaro, dei uma bronca nele! - Nesse momento, ele fecha a mão e bate no próprio peito, querendo demonstrar firmeza - Falei pra ele: "Escuta aqui! Você não pode mais fazer isso. Você deixou a Flora muito chateada, e amanhã vai tomar um remédio pra passar essa doença e deixá-la feliz. Tá escutando?"
Vejo um pequeno sorriso brotar no rosto da Flora enquanto Álvaro fala.
- E ele falou que vai tomar, Álvaro?
- Faloooooou! Ele falou que vai tomar sim. E eu vou ficar aqui para ajudá-lo. Você e eu. O que acha de ajudarmos o papai a se curar?
- Você, eu e a Laura também - completa Flora.
- Claro! A Laura também! Agora, mocinha, tira esse choro do rosto, dá um sorriso lindo e muita força pro papai.
- ÊÊÊ... - grita Flora, abraçando Álvaro.
Então, Álvaro se levanta da cama.
- Agora o tio aqui precisa ir embora, porque tem que trabalhar, tá bom?
- Tá bom... Mas não esquece do papai, viu?
- Claro que não! Eu prometo que volto. Agora, bate aqui! - diz ele, levantando a mão para Flora bater.
Antes que ele saia do quarto, corro de volta para a sala e finjo que estou limpando.
- Tudo resolvido - diz Álvaro, se aproximando.
- Nossa! Não sei nem como te agradecer.
- Seu pai vai sair dessa... Vejo nele a vontade de se curar. E isso vai dar forças pra ele. Só precisa de apoio e, principalmente, paciência.
- Ah, isso eu tenho de sobra! - falo, sorrindo.
- Eu ia te convidar pra passear mais tarde, mas, depois de tudo isso, acho melhor deixar pra outra ocasião - diz ele, próximo à porta.
- Me desculpe, mas tá muito cedo. Mal conheço você... E outra, minha vida é tão difícil. Não quero me envolver com ninguém. Dedico minha vida à Flora e ao meu pai. Tenho fé de que ele sairá desse vício. - Minha voz sai fraca no final, pela vergonha e tristeza que sinto.
Álvaro se despede, mas, antes de ir, me entrega um cartão. Quando se aproxima, me dá um beijo quase na boca e me olha no fundo dos olhos. Aquele olhar me transmite uma paz. E, naquele instante, percebo que estou suspirando feito uma boba por um amor que talvez nunca possa ser vivido.