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Era o final da tarde, e o sol já começava a se pôr, lançando tons alaranjados sobre as quadras do campus. A brisa suave fazia as folhas das árvores se mexerem lentamente, e a cena tinha algo de calmante, mas eu, lá, me sentia estranha. Não sabia o que me trouxe até ali. Talvez fosse o desejo de mudar a rotina, ou a insistência de Jéssica para que eu "me soltasse um pouco". A verdade é que eu me sentia deslocada, como se estivesse ali por obrigação, sem realmente saber por quê.
- Vai ser divertido, nem precisa jogar! - ela disse, me puxando pela mão até a quadra improvisada de vôlei que montaram no campus. Eu, mais relutante do que nunca, não conseguia entender o apelo.
A quadra estava cheia de alunos, e já se formavam dois times. Todos pareciam se divertir, mas eu estava ali, parada no canto, com os braços cruzados, tentando não ser notada. Eu sabia que, no fundo, Jéssica só queria me ver interagindo com os outros. Ela era aquela pessoa extrovertida que adorava estar no centro das atenções, enquanto eu preferia um cantinho mais discreto, mais isolado, onde eu não fosse obrigada a ser o centro de qualquer conversa.
- Vai participar ou só vai ficar aí assistindo? - ouvi uma voz vinda de trás de mim.
Eu me virei e encontrei um rapaz alto, com cabelo bagunçado e um sorriso que parecia ser uma mistura de desafio e diversão. Ele estava segurando uma bola de vôlei e parecia bastante à vontade ali, como se fosse o dono da quadra.
- Eu não jogo, só estou acompanhando - respondi, tentando manter a calma, já prevendo um comentário desnecessário.
- Não parece difícil de acreditar - ele retrucou, me analisando com um olhar de cima a baixo, como se me medisse.
Levantei uma sobrancelha, irritada.
- O que quer dizer com isso?
Ele deu de ombros, ainda com aquele sorriso irônico.
- Nada, só acho que você é do tipo que evita qualquer coisa que exija um pouco de esforço físico.
Eu senti uma onda de raiva me invadir. Como ele ousava me julgar sem sequer me conhecer?
- E você parece ser o tipo que se acha o dono da quadra - retruquei, minha voz mais áspera do que o normal.
Ele riu, um som leve e despreocupado, como se minha resposta tivesse sido a coisa mais engraçada que ele já tinha ouvido.
- Ótimo, pelo menos você tem uma língua afiada. Vamos ver se tem habilidade também.
Antes que eu pudesse recusar, ele jogou a bola em minha direção. Eu reagi no reflexo, segurando-a com firmeza, sentindo a pressão do momento aumentar. Não gostava de me expor dessa maneira, principalmente em algo que eu sabia que não conseguiria fazer bem.
- Eu já disse que não quero jogar - falei, tentando devolver a bola.
- Tá com medo? - ele provocou, cruzando os braços e me olhando com um ar desafiador.
Senti uma faísca de raiva, mas também algo mais. Uma vontade de provar para ele que eu não era fraca, que não era alguém fácil de ser desafiada.
- Claro que não! - respondi, sem pensar duas vezes. - Quantos anos você tem? Cinco?!
Ele ignorou a pergunta e disse:
- Então vem. Vamos ver se você consegue me surpreender.
E, sem mais nem menos, me vi entrando na quadra.
O jogo começou, e logo percebi que estava em desvantagem. Eu não sabia como posicionar os pés direito, a bola parecia ser mais difícil de controlar do que eu imaginava, e a cada erro meu, ele fazia uma piada.
- A rede não é um alvo, sabia disso? - ele disse, rindo enquanto pegava a bola de volta.
Eu senti meu rosto corar de raiva. Não estava acostumada a esse tipo de provocação. Meus dedos estavam começando a doer de tanto tentar acertar a bola, mas ele continuava lá, do outro lado, com aquele sorriso de quem achava graça de tudo.
- Você está tentando fazer a bola fugir da quadra ou é um talento natural? - ele perguntou com um tom sarcástico.
Eu queria simplesmente sair dali, mas ao mesmo tempo, havia algo nele que me mantinha intrigada. Talvez fosse a forma como ele me desafiava sem medo, ou a leveza com que brincava com a situação. Aos poucos, o meu desconforto foi dando lugar a uma sensação quase... divertida.
No final do jogo, eu estava ofegante, com os braços e as pernas doendo, mas, para minha surpresa, ele bateu palmas, como se tivesse visto algo bom.
- Nada mal para alguém que 'não joga' - ele disse, um pouco surpreso.
Ele jogou a bola no meu rosto.
- Aí! - Exclamei, jogo a bola em sua direção com o máximo de força que consegui.
Ele ri.
Revirei os olhos, tentando esconder o sorriso que ameaçava aparecer.
- Você realmente tem talento para irritar as pessoas.
- E você tem talento para me manter curioso.
Minha respiração ainda estava acelerada, e eu não sabia dizer se era pela partida ou pela forma como ele me olhava. Ele jogava a bola de uma mão para a outra, como se aquilo fosse parte de um jogo maior, algo além do vôlei.
- Vamos ver se melhora no próximo jogo, Enora.
Meu coração deu um salto estranho.
- Como você sabe meu nome? - perguntei, franzindo o cenho.
Ele não respondeu. Apenas sorriu de lado, um sorriso cheio de segredos, antes de se afastar.
- Ei!
Mas ele já estava indo embora.
Fiquei ali, imóvel, sentindo o calor do rosto aumentar. Será que ele era meu colega de classe? Como sabia quem eu era?
Puts, era só o que me faltava.
Espero nunca mais encontrá-lo na minha vida. Que mico.