Capítulo 5 Quem com muita sede bebe, acaba se afogando.

A semana passou rápido demais, e eu mal havia processado o que aconteceu na quadra de vôlei. Não que fosse algo grandioso, mas algo me incomodava. O jeito como aquele rapaz falava, as provocações, a postura despreocupada... tudo parecia familiar. Mas por mais que tentasse, eu não conseguia entender por quê. Algo em sua presença parecia me desconcertar, como se eu tivesse vivenciado aquilo antes. Eu não conseguia tirar ele da minha cabeça.

Enquanto arrumava meus livros no final da aula, a luz fluorescente acima piscava levemente, criando uma sensação de desconforto. O ar da sala estava abafado, e o cheiro de café vindo do corredor fazia meu estômago roncar. Jéssica percebeu minha distração e, como sempre, não perdeu a chance de me provocar.

- Você tá estranha. Desde quando se interessa por esportes? - perguntou, com a voz alta, sem pudor, e uma risada abafada logo após. Ela mexia nos papéis espalhados sobre a mesa, e o som do papel amassado parecia mais alto do que o normal.

- Eu não me interesso. - Respondi rapidamente, sem pensar, tentando afastar a sensação de que ela sabia algo que eu não sabia. O calor das palavras dela ficava na minha pele, como se eu tivesse sido fisicamente tocada.

- Ah, claro. Por isso tava toda empolgada jogando vôlei. - Ela sorriu de maneira provocativa, levantando uma sobrancelha. A risada dela ecoava pela sala, e eu quase podia sentir as palavras me tocando de forma irritante.

Bufei, sentindo o vento frio que entrava pela janela aberta. A sensação de frescor na pele contrastava com o calor que se espalhava pelo meu corpo.

- Não estava empolgada. E pare de me encher, foi só um acaso. - Eu já estava ficando impaciente, mas sabia que, de algum jeito, ela tinha razão. Algo no fundo de mim queria entender o que havia acontecido naquele jogo de vôlei, queria entender por que, mesmo sendo só um acidente, parecia tão... relevante.

Ela sorriu de um jeito travesso, quase como se soubesse mais do que estava deixando transparecer.

- Então quer dizer que não tem nada a ver com o tal "Lucas"? - Ela disse o nome dele com uma leveza que me fez dar um pulo no estômago. O nome de Lucas ressoou na minha cabeça, e o som parecia se espalhar pelo ambiente, quase como uma melodia repetitiva que eu não conseguia parar de ouvir.

Meu coração deu um salto e um arrepio subiu pela minha espinha. Como ela sabia desse nome? Eu sabia que ele era o cara da quadra, mas ouvir o nome dele da boca de Jéssica parecia fazer tudo se tornar mais real.

- Como você sabe esse nome? - Perguntei, tentando soar indiferente, mas minha voz traía minha curiosidade crescente. O ar ao redor parecia mais denso, e senti a pressão nos meus ombros, como se o espaço ao meu redor tivesse se contraído.

- Ele tá no mesmo curso que a gente, Enora. E, sinceramente, como você não sabia disso? Achei que tinha reparado. - Jéssica deu um risinho, e o cheiro de chiclete no ar parecia se intensificar enquanto ela mexia nos livros. A suavidade das suas palavras parecia contrastar com o tumulto interno que eu sentia. Ela não estava apenas provocando; ela estava tentando me tirar da minha zona de conforto, e estava conseguindo.

"Lucas", o nome me parecia tão comum, mas ao mesmo tempo, havia algo nele que me parecia fora de lugar. Como se esse nome tivesse sido dito muitas vezes, mas nunca no contexto certo. O cheiro do papel velho e a sensação de estar presa em um lugar apertado me incomodavam. Eu queria sair dali e pensar, mas algo me dizia que eu precisava saber mais.

- Você já falou com ele antes? - Perguntei, tentando manter a voz controlada. Não queria que ela percebesse o quanto eu estava interessada. O som dos livros se fechando ao nosso redor parecia um ruído distante em comparação com o turbilhão na minha cabeça.

- Algumas vezes, mas ele não fala muito sobre a vida pessoal. Dizem que veio de outra cidade e não gosta de chamar atenção. - Ela explicou enquanto começava a guardar seus cadernos. O barulho das páginas virando e o cheiro de lápis me lembravam a escola primária, onde a sensação de mistério e descoberta pairava no ar.

Franzi o cenho, tentando entender. Se ele não queria chamar atenção, por que parecia tão confortável em me provocar? Se ele não gostava de se destacar, por que havia se arriscado a se aproximar daquela forma?

Eu precisava entender.

Na aula seguinte, o destino decidiu brincar comigo. Cheguei cedo, um pouco mais relaxada, tentando ignorar os pensamentos confusos que rondavam minha mente. Mas, para minha infelicidade, a única cadeira vaga era ao lado de Lucas.

Ele me olhou assim que entrei, e o sorriso de canto que ele usava em seu rosto me causou uma sensação estranha. Como se ele estivesse ciente de algo que eu ainda não sabia. O calor da sala parecia aumentar quando ele falou, com aquela voz suave e desafiadora.

- Olha só, o destino nos unindo de novo.

Revirei os olhos, mas um sorriso involuntário escapou dos meus lábios. A forma como ele falava, com aquele tom descontraído, parecia me desafiar. Eu queria resistir, mas era como se sua presença me puxasse para ele, como se fosse impossível ignorá-lo.

- Apenas coincidência. - Respondi, tentando manter a calma, mas minha voz saiu mais fraca do que eu gostaria. O calor da sala, o cheiro de café misturado ao ar abafado e o som distante de passos no corredor me deixavam inquieta.

- Coincidências não existem. - Ele respondeu, girando a caneta entre os dedos. O som suave do plástico batendo na mesa parecia ecoar na minha mente, e algo na forma como ele se movia, tranquilo e autoconfiante, me fazia ficar ainda mais nervosa. Ele estava tão tranquilo, tão confortável consigo mesmo, e isso me deixava desconfortável.

Tentei focar na aula, mas as palavras do professor soavam distantes, como se a sala de aula fosse um cenário vazio em comparação com os pensamentos que preenchiam minha cabeça. O cheiro do café parecia mais forte agora, como se estivesse tentando me lembrar de algo importante.

Quando o professor finalmente encerrou a aula, eu respirei aliviada, mas Lucas se levantou rapidamente e se virou para mim, sua voz suave me alcançando.

- Então, vai fugir de outro jogo de vôlei ou vai tentar melhorar?

Cruzei os braços, tentando esconder o nervosismo que começava a tomar conta de mim.

- Você realmente não cansa de provocar, não é?

Ele sorriu, e eu senti algo na atmosfera mudar. A sensação de familiaridade aumentava, como se tudo aquilo já tivesse acontecido antes, mas eu não conseguia me lembrar de quando ou onde.

- E você realmente não cansa de cair nas provocações. - Ele disse, com o sorriso no rosto, e por um momento, eu vi algo diferente nele. Algo que parecia... familiar. Um olhar, talvez, um jeito de sorrir, um jeito de olhar para mim que me fazia sentir como se o conhecesse de outra vida.

Ele percebeu meu olhar mais atento e inclinou a cabeça, a curiosidade nos olhos dele.

- O que foi?

Balancei a cabeça, desviando o olhar rapidamente. O som de minha respiração parecia mais alto do que o normal.

- Nada. Só... você me lembra alguém.

Ele ergueu uma sobrancelha, mas o sorriso permaneceu.

- Espero que seja alguém de quem você gosta.

Eu me afastei rapidamente, o som de meus passos se misturando ao burburinho da sala enquanto eu tentava processar o que estava acontecendo. Algo me dizia que Lucas não era apenas um desconhecido qualquer.

E eu precisava descobrir quem ele realmente era.

                         

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