Capítulo 4 4

O tempo passou de forma arrastada, como se cada dia fosse um castigo interminável.

As semanas que antecediam o baile deveriam ser de descanso e preparação, mas para mim foram um inferno cuidadosamente arquitetado por Madame Renata.

Minha punição começou sutilmente.

As porções de comida diminuíram até quase desaparecerem.

No início, eu apenas sentia fome, mas depois, meu corpo começou a definhar.

Minhas costelas ficaram mais visíveis, minha pele perdeu o viço e minha força, antes invejável para uma humana, começou a me abandonar lentamente.

O banho frio já era uma rotina, mas agora a água parecia ainda mais gelada, como se quisesse me lembrar de que eu não era nada.

O colchão fino da minha cama se tornou mais áspero, e cada noite de sono interrompido por dor e desconforto me fazia desejar que o tempo passasse mais rápido.

Mas Madame Renata não estava satisfeita apenas em me enfraquecer fisicamente.

Ela queria quebrar meu espírito.

As punições físicas eram frequentes e implacáveis.

Correr descalça pelo pátio de pedras, segurar livros pesados por horas, ajoelhar no chão de madeira até meus joelhos sangrarem.

Nada era demais para ela.

- Você precisa aprender o seu lugar, Anne - ela dizia, com um sorriso frio. - Mulheres como você só servem para uma coisa, e mesmo para isso são dispensáveis.

O cansaço e a dor se tornaram companheiros constantes.

Meus cabelos, antes fortes e brilhantes, agora estavam opacos e sem vida.

Meus olhos, antes desafiadores, refletiam cansaço.

Mas eu não me quebraria.

Não daria a ela esse prazer.

Loise tentava ajudar como podia.

Ela dividia suas pequenas porções de comida comigo, escondia um pão seco aqui, um pedaço de fruta ali.

Mas nada era suficiente para restaurar minha energia.

As outras olhavam para mim com pena ou medo, não..., na verdade era desdenho.

Ninguém queria desafiar Madame Renata.

E eu os entendia.

Renata fazia questão de usar meu sofrimento como um aviso para as demais: desafiem e acabarão como Anne.

Mas o que ela não sabia era que, mesmo fraca, mesmo machucada, eu ainda estava ali.

E enquanto eu estivesse ali, enquanto eu ainda respirasse, eu nunca me curvaria.

Na noite anterior ao baile, olhei meu reflexo no espelho.

O vestido creme pendia solto em meu corpo, antes ajustado, agora largo.

Meus olhos estavam fundos, minha pele mais pálida que o normal.

Parecia um fantasma da garota que era semanas atrás.

E então o dia do baile chegou.

Todas as dez garotas estavam alinhadas, vestindo o mesmo vestido simples de tecido creme.

O cabelo preso em coques impecáveis, o rosto maquiado de forma leve para parecerem perfeitas.

Mas eu?

Eu era a exceção.

Meus braços exibiam hematomas escuros, cicatrizes ainda vermelhas de punições recentes. Meus olhos, apesar de fundos, ainda sustentavam um resquício de desafio.

Meu corpo tremia levemente pela fraqueza, mas minhas pernas ainda me sustentavam.

Madame Renata passou por nós, inspecionando cada uma com um olhar crítico.

Quando chegou a mim, franziu os lábios em desgosto.

- Não sei por que você ainda está aqui - murmurou, baixinho, apenas para que eu ouvisse. - Mas vamos ver até onde consegue chegar, vou adorar ver sua venda para ser usada como boneca de treinamento- Disse arqueando um canto da boca.

Engoli a dor e mantive a cabeça erguida.

O baile começaria em breve.

E seja lá o que estivesse por vir, eu enfrentaria de pé.

A grande porta do salão se abriu e um silêncio reverente tomou conta do ambiente.

Os Alphas haviam chegado.

Cada um deles irradiava poder e imponência, e exigiam por meio de suas auras submissão.

Homens altos, de posturas rígidas e olhares penetrantes, vestiam trajes impecáveis que destacavam sua autoridade.

Seus movimentos eram calculados, e a simples presença deles parecia preencher o ar com uma energia pesada, carregada de expectativa e tensão.

Havia um ar de predadores observando presas indefesas, que nem preciso dizer que eramos nós.

O cheiro de testosterona e domínio impregnava o ambiente, tornando o ar sufocante. Algumas das garotas abaixaram os olhos imediatamente, cientes de que um olhar desafiador poderia selar seus destinos ali mesmo.

Mas eu me recusei a fazer o mesmo.

Entre eles, o Alpha Dany de Manhattan se destacava. Alto, com ombros largos e um porte que transbordava força, ele caminhava com um ar de desdém evidente. Seu cabelo negro estava perfeitamente alinhado, e seus olhos, de um azul intenso e cortante, varreram as garotas com uma mistura de tédio e desprezo.

Ele se aproximou lentamente, cada passo reverberando no chão de mármore como um aviso inevitável.

Quando finalmente ficou diante de mim, inclinou-se levemente, trazendo seu rosto para perto do meu pescoço.

O ar ao nosso redor pareceu se condensar quando ele inalou meu cheiro, sua expressão imediatamente se contorcendo em desgosto.

- Tsc... - Ele se afastou, seus olhos frios e afiados cravados nos meus. - Eu a comprarei. -

O salão inteiro pareceu prender a respiração.

Madame Renata fechou a cara discretamente, insatisfeita, mas eu vi algo a mais no olhar do Alpha.

Ele não estava me escolhendo por desejo ou interesse, mas por algo mais sombrio.

Ele se inclinou ligeiramente, sua voz baixa e carregada de ameaça.

- E você sofrerá todas as consequências por ser minha companheira. - Sua voz era um sussurro mortal, uma sentença silenciosa que apenas eu pude ouvir.

Meu coração acelerou, mas meu rosto permaneceu inexpressivo.

Por dentro, uma tempestade se formava.

Eu sabia que minha vida mudaria a partir daquele momento, mas a única certeza que eu tinha era que o inferno estava apenas começando.

Meu sangue gelou.

Eu sabia que minha vida nunca fora fácil. Mas agora, eu estava certa de que estava prestes a se O silêncio do salão foi quebrado pelo som de um sino grave, ecoando como um presságio.

As luzes pareceram se intensificar, destacando o palco elevado no centro do salão.

Lá, um homem vestido de preto ergueu a mão, pedindo atenção.

Seu olhar era gélido, e sua voz ecoou com clareza quando anunciou:

- Que o leilão comece.

O murmúrio dos Alphas se espalhou pelo salão, olhos famintos percorrendo cada garota.

Eu sabia que para todas ali, aquele era o momento decisivo de suas vidas. Para mim, era a sentença final.

Meu sangue gelou.

Eu sabia que minha vida nunca fora fácil.

Mas agora, eu estava certa de que estava prestes a se tornar um verdadeiro inferno.

                         

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