Capítulo 5 O jogo social começa

O Vestido e as Correntes Invisíveis

O vestido era um manto de seda negra, bordado com fios prateados que lembravam teias de aranha. Clara o observou no espelho, sentindo o tecido grudar em sua pele como uma segunda camada de armadura. Lucas escolhera pessoalmente - "Preto é discreto. Prata é ambíguo. Combina com você," dissera, sem levantar os olhos dos documentos.

Dona Marta ajustou o zíper, os dedos frios tocando as cicatrizes nas costas de Clara. "Ele não gosta de imperfeições," murmurou, como se lesse seus pensamentos.

"Nem eu," respondeu Clara, prendendo o broche da fênix no decote. A governanta arregalou os olhos, mas não comentou.

Ao descer as escadas, Lucas a esperava no hall, trajando um smoking que parecia esculpido em sombra. Seus olhos percorreram o vestido, parando no broche. "Isso não combina," disse, estendendo a mão.

Clara recuou. "Combina comigo. Ou você quer uma esposa ou um fantasma?"

Ele cerrou os maxilares, mas abaixou a mão. "Não arruíne esta noite."

O Baile das Máscaras

O salão do hotel Belle Époque era um teatro de máscaras douradas e sorrisos falsos. Clara segurou o braço de Lucas, fingindo não notar como seus dedos pressionavam seu pulso -um lembrete silencioso: "Obedeça."

Um homem de cabelo grisalho aproximou-se, champanhe em punho. "Lucas Mendes! Finalmente trouxe sua... esposa." O olhar dele escorregou pelo corpo de Clara como um inseto.

"Clara, este é o Sr. Valente, dono da maior cadeia de hotéis do país," Lucas apresentou, voz lisa. "E sim, esposa. Não uma aquisição."

O homem riu, demasiado alto. "Todas são aquisições, meu caro. Algumas só custam mais."

Antes que Clara reagisse, Lucas inclinou-se para o ouvido dela: "Sorria. Ou quebrei ele."

No terraço, Clara buscou ar. A lua refletia nas águas da fonte, e por um momento, ela imaginou jogar o broche ali - um sacrifício às cinzas. Até ouvir a voz:

"Parece que subiu na vida, ratinha."

Seu padrasto estava encostado na coluna, o cheiro de uísque barato impregnando o ar. Clara congelou, as mãos trêmulas agarrando o broche. "Como...?"

"Dinheiro abre portas, querida. Até as dele," ele cuspiu, avançando. "Você acha que ele vai te proteger? Homens como ele só querem brinquedos."

Clara recuou, mas tropeçou no vestido. Antes que o padrasto a alcançasse, uma sombra surgiu atrás dele - Lucas, segurando-o pelo colarinho. "Errou de brinquedo," sussurrou, jogando-o contra a parede.

O padrasto riu, sangue escorrendo do lábio. "Ela vai te destruir, Mendes. Você não é forte o bastante para segurá-la."

Lucas o arrastou para as sombras, deixando Clara sozinha com o eco da ameaça.

De volta ao salão, Lucas a puxou para dançar. Suas mãos eram firmes, mas o coração batia rápido contra o peito dela. "Você o matou?", ela sussurrou.

Ele a girou bruscamente, evitando seu olhar. "Não aqui."

A música acelerou, e Clara percebeu que todos os olhos estavam neles -predadores avaliando a presa. Uma mulher de vestido vermelho sussurrou para outra: "Dizem que ele a comprou por menos que um relógio."

Lucas apertou sua cintura. "Ignore-as."

"Não posso. São verdadeiras," ela retrucou.

Ele parou de dançar, levando-a para um canto. "Você quer provas de que não sou como ele? Aqui está : eu não minto."Abriu a palma da mão - nela, estava a aliança rachada, agora soldada com um fio de ouro. "Nada quebrado fica inteiro. Mas pode ser transformado."

Ao final da noite, um fotógrafo insistiu: "Um beijo para as manchetes!" Clara esperou que Lucas recusasse, mas ele a puxou para si, os lábios encontrando os dela com uma intensidade que a fez esquecer de fingir. Foi rápido, mas suficiente para deixar o salão em silêncio.

No carro, ele limpou a boca com o lenço, como se apagasse uma mancha. "Foi necessário," disse, evitando seu olhar.

Clara tocou os próprios lábios, ainda quentes. "Para o contrato ou para você?"

Ele não respondeu, mas a mão dele cobriu a dela por um segundo-um toque que valia mais que palavras.

A Tempestade na Mansão

De volta à mansão, a tensão explodiu. Clara arrancou o vestido, jogando-o no chão. "Quero respostas! Por que ele estava lá? Quem mais sabe sobre mim?"

Lucas a encurralou contra a parede, os olhos incendiados. "Você acha que controle é onipotência? Eu o deixei entrar para mostrar que ele não é uma ameaça para mim!"

"E para mim?", ela gritou, as lágrimas rolando. "Sou só uma peça no seu jogo?"

Ele recuou, a raiva dando lugar a algo mais profundo. "Você é o jogo inteiro, Clara. E eu... não sei jogar."

[...]

Na biblioteca, Clara encontrou-o bebendo uísque puro, o livro "O Pequeno Príncipe" aberto na mesa. "A raposa tinha razão," ele disse, voz embargada. "Cativar dói."

Ela pegou o livro, lendo a passagem sublinhada: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas." "Você sublinhou isso para mim?"

Ele não respondeu, mas seu olhar foi resposta suficiente. Clara sentou-se ao seu lado, as páginas do livro virando como folhas ao vento. Quando ele a puxou para um beijo, não houve plateia, nem contrato - apenas duas pessoas queimando no mesmo fogo.

Ao amanhecer, Clara acordou sozinha. Na mesa, Lucas deixara a aliança reparada e uma nota:

"O ouro é mais forte que a rachadura. Assim como você. - L.M."

No jardim, a estátua quebrada da mãe dele parecia sorrir. Clara colocou o broche da fênix em sua base, prometendo a si mesma: "Renasceremos juntos."

"O jogo social começara, mas as regras estavam mudando. E no tabuleiro entre controle e caos, Clara e Lucas descobriram que as peças mais perigosas não eram os inimigos - eram seus próprios corações em chamas."

                         

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