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– Recomeços e Silêncios
O relógio marcava cinco da manhã quando terminei de colocar as malas no carro. A cidade ainda dormia, envolta em um silêncio que só o amanhecer trazia. Bianca saiu de casa com Enzo enrolado em uma mantinha, os olhos ainda pesados de sono. Ele dormia tranquilo em seu colo, enquanto ela caminhava devagar até o carro.
Caio já estava nos esperando do lado de fora. Encostado no portão, braços cruzados, semblante mais sério do que o habitual. Ajeitei a última mala no porta-malas e fui até ele.
- Pronto pra madrugar com a gente? - perguntei, tentando quebrar o gelo.
- Sempre - ele respondeu com um sorriso leve, mas algo na sua expressão me incomodou. Havia uma tensão ali, como se estivesse engolindo palavras.
Durante o caminho até o aeroporto, o carro ficou em silêncio mais vezes do que eu esperava. Bianca cochilava no banco do passageiro, com a cabeça encostada na janela e Enzo no colo. Eu dirigia, focado na estrada, mas meus olhos vez ou outra buscavam Caio no espelho retrovisor. Ele estava quieto demais, olhando pela janela como se estivesse em outro lugar.
- Tá tudo bem, cara? - perguntei em voz baixa, sem querer acordar Bianca.
- Tô sim. Só pensando na vida. Essas madrugadas me deixam reflexivo - ele disse, mas não me convenceu.
O Caio que eu conhecia encheria o carro de piadas, música e conversas aleatórias. Mas aquele Caio, agora, parecia carregando um peso invisível.
Chegamos ao aeroporto com o céu começando a clarear, tingido de tons alaranjados. O movimento era leve, típico das primeiras horas do dia. Estacionei o carro e ajudei Bianca com as malas. Enzo ainda dormia, alheio a tudo, agarrado ao ombro da mãe.
Enquanto caminhávamos pelo saguão, o silêncio entre mim e Caio se prolongava. Bianca tratava dos detalhes do check-in, e eu aproveitei os últimos minutos com minha família antes do embarque.
Me aproximei de Bianca e a abracei por trás, encostando meu rosto em seu ombro.
- Eu te amo - sussurrei, sentindo o cheiro familiar do seu cabelo.
Ela virou-se e segurou meu rosto com as duas mãos, sorrindo com ternura.
- Também te amo. Volta logo, tá?
- Prometo. Vai ser rápido. Em poucos dias tô de volta com novidades boas.
Ela assentiu, os olhos úmidos, mas firmes.
Abaixei-me até Enzo, que já despertava com o movimento ao redor. Seus olhos pequenos me encontraram e um sorriso preguiçoso surgiu.
- Papai... - murmurou, estendendo os bracinhos.
Meu coração quase falhou. Peguei-o no colo, beijei sua testa e abracei forte.
- Eu te amo, filhão. Papai volta logo, tá?
Ele riu com sono e encostou a cabeça no meu ombro. Bianca nos envolveu num abraço apertado, e por um segundo, o mundo parou.
Me afastei com dificuldade, respirando fundo.
- Cuidem-se. Amo vocês mais que tudo.
- Sempre - disse Bianca, segurando minha mão até o último segundo.
Quando me virei para Caio, ele já estava me observando. Os olhos dele carregavam algo que eu ainda não sabia nomear.
- Obrigado por tudo, mano - falei, puxando-o para um abraço.
- Vai dar tudo certo, Gustavo. Vai lá... conquista o mundo.
- A gente se vê logo.
Ele assentiu, mas sua voz falhou por um segundo.
Segui para o portão de embarque com aquela sensação estranha no peito. Amor, saudade... e algo mais. Algo que eu não entendia completamente - ainda.