Capítulo 4 Turbulência

– Turbulências

O embarque foi rápido. Sentei-me na janela, como sempre gostava, observando a pista iluminada pelas luzes da madrugada. As rodas do carrinho de bagagem, os sinais dos funcionários em solo, os motores roncando... tudo fazia parte de uma rotina que eu já conhecia bem. Mas naquele dia, por algum motivo, meu coração estava inquieto.

Peguei o celular e escrevi uma última mensagem para Bianca antes de ativar o modo avião:

"Já com saudade. Te amo. Dá um beijo no Enzo por mim."

Ela respondeu quase imediatamente:

"Também te amamos. Vai com Deus. Já já você tá de volta."

Suspirei e guardei o celular no bolso. O avião começou a taxiar, e quando finalmente decolou, senti aquela mistura de emoção e expectativa. A vista da cidade se afastando, as luzes ficando cada vez menores... Eu estava pronto para essa nova fase, ou pelo menos achava que estava.

A viagem transcorria normalmente. O comissário ofereceu café, algumas pessoas dormiam, outras assistiam filmes ou liam. Eu tentava relaxar, mas uma leve tensão no peito insistia em não me abandonar. Talvez fosse só saudade. Talvez fosse o olhar estranho de Caio antes de me despedir. Eu não sabia.

Cerca de quarenta minutos após a decolagem, um aviso soou pela cabine. O tom era calmo, mas o suficiente para fazer todos prestarem atenção:

- "Senhores passageiros, aqui é o comandante. Estamos enfrentando uma pequena falha técnica e vamos iniciar os procedimentos para retorno ao aeroporto de origem por precaução. Mantenham os cintos afivelados e sigam as orientações da tripulação. Está tudo sob controle."

Meu corpo enrijeceu. Falha técnica? Retorno ao aeroporto? Olhei pela janela, mas não vi nada fora do normal, apenas nuvens e céu escuro. Aparentemente, o avião voava normalmente... mas algo estava errado.

As comissárias continuaram sorrindo, tentando manter o clima tranquilo, mas eu percebia nos olhos delas uma certa urgência. Uma tensão silenciosa.

Aos poucos, as conversas no avião cessaram. O silêncio se instalou como uma neblina pesada. Um senhor à minha frente rezava em voz baixa. Uma mãe do outro lado tentava acalmar a filha que começava a chorar.

E eu, preso ali na poltrona, pensava em Bianca. Em Enzo. No que eu não tinha dito. No que ainda queria viver com eles.

A turbulência começou devagar. Um leve solavanco, depois outro. Nada fora do comum. Mas, junto com a turbulência, veio uma sirene abafada da cabine dos pilotos. Uma luz vermelha piscou no teto. E nesse instante, mesmo que ninguém dissesse nada, todos ali sabiam: aquilo não era só uma "falha técnica".

Meus dedos apertavam os braços da poltrona. Respirei fundo, tentando manter a calma. Pensei em Bianca sorrindo no aeroporto. Em Enzo me chamando de "papai". E murmurei uma prece, silenciosa, apenas entre mim e Deus:

- Só me deixa voltar pra casa.

O que parecia ser uma descida controlada logo virou um cenário de completo terror.

O avião continuava perdendo altitude rápido demais. Pela janela, o chão se aproximava a uma velocidade absurda. A voz do comandante sumiu. As luzes piscaram novamente, até que tudo ficou breu por alguns segundos. Um cheiro forte de queimado começou a invadir a cabine, como plástico derretido misturado a combustível.

E então veio o impacto.

Um estrondo cortou o ar, como se o mundo tivesse explodido ao meu redor. O avião tocou o solo de lado, derrapando, rodando, como se não houvesse controle algum. O som das ferragens se rasgando misturava-se aos gritos desesperados dos passageiros. Bagagens voavam, objetos batiam em tudo. O teto cedeu em alguns pontos.

Fui lançado contra o assento da frente com força. O cinto me segurou, mas a dor foi imediata. Tudo era fumaça, fogo, desespero.

Pedaços da fuselagem começaram a se abrir. Uma das asas bateu em algo e explodiu. A explosão iluminou tudo por um segundo. Uma bola de fogo atravessou parte da cabine, e um calor sufocante invadiu o ambiente.

A fumaça me fez tossir. Meus olhos ardiam. Tentei me soltar, alcançar a máscara que já pendia de lado, derretida. Alguém gritava meu nome, ou talvez eu estivesse imaginando.

Olhei uma última vez pela janela. Vi chamas. Vi a sombra da asa em pedaços. Vi o caos.

E então... tudo ficou branco.

Um clarão. Um silêncio repentino. Como se alguém tivesse puxado o som do mundo. Meus braços cederam. A cabeça tombou para o lado. A visão embaçou.

E a última coisa que pensei antes de apagar foi:

"Bianca... Enzo..."

Depois disso, não vi mais nada.

Apaguei.

            
            

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