Capítulo 5 Bianca.

BIANCA

O sol ainda não havia nascido completamente quando Bianca acordou com um aperto no peito. Tinha o costume de sentir quando algo estava fora do lugar, e naquela manhã, o silêncio parecia pesado demais. Levantou-se devagar, passou pela porta do quarto e espiou Enzo dormindo tranquilo, com as bochechas rosadas e o polegar ainda próximo à boca.

Sorriu, mas o alívio não durou muito.

Pegou o celular no criado-mudo e abriu as mensagens. Nada novo de Gustavo desde a última que ele mandou antes do embarque. Era normal, claro. Ele provavelmente ainda estava voando ou acabara de pousar. Mesmo assim, a sensação estranha permanecia ali, como um nó na garganta.

Foi então que o telefone fixo da casa tocou. E quando ela atendeu, o mundo começou a desmoronar.

- "É a senhora Bianca, esposa do senhor Gustavo?"

- "Sim... sou eu. Por quê?"

- "Somos da companhia aérea. Precisamos informar que houve um acidente envolvendo o voo 374, com destino a São Paulo. Ainda estamos levantando informações, mas o avião precisou realizar um pouso de emergência. Há feridos. Algumas partes da aeronave sofreram danos severos."

- "Feridos?" A voz dela saiu trêmula, quase inaudível. O chão pareceu desaparecer sob seus pés. "Mas... Gustavo... ele tá bem?"

- "No momento, não temos como confirmar a situação de todos os passageiros. Estamos trabalhando para identificar os sobreviventes e entraremos em contato assim que soubermos algo concreto."

Bianca sentiu as pernas fraquejarem. Soltou o telefone, que caiu pendurado pelo fio, e levou as mãos ao rosto, sem conseguir conter o choro.

Caio, que estava hospedado na casa dela para ajudar com Enzo durante a viagem de Gustavo, correu até a sala ao ouvir o barulho.

- "Bianca! O que foi? O que aconteceu?"

Ela mal conseguia falar. Apenas repetia, entre soluços:

- "O avião... Caio... o avião caiu... O Gustavo..."

Ele a segurou pelos ombros, tentando mantê-la de pé, tentando dizer alguma coisa que fizesse sentido. Mas por dentro, seu olhar vacilou - como se um turbilhão de emoções também o tomasse por completo. E não era só preocupação.

- "Eles vão encontrá-lo. Ele vai estar bem. Vai ver..." – ele sussurrou, como se também estivesse tentando acreditar.

Mas Bianca mal o ouvia. Seu mundo girava entre as últimas palavras de Gustavo no portão de embarque, o último beijo em Enzo, e a promessa sussurrada:

"Volto em breve."

Ela caiu de joelhos no chão da sala, os olhos fixos no vazio, o coração gritando por respostas.

E ali, em silêncio, começou a rezar.

...O tempo parecia ter parado.

Caio se ajoelhou ao lado dela, ainda segurando seus ombros com força. Ele queria ser forte por ela, por Enzo, por Gustavo. Mas a tensão em seu maxilar e a umidade nos olhos entregavam que não era fácil.

- "Vou ligar pro hospital. Ou pra companhia... alguém precisa saber mais." – murmurou, já se levantando, mesmo sem saber por onde começar.

Bianca apenas assentiu com a cabeça, ainda sem conseguir dizer nada. Enzo, talvez sentindo a energia densa da casa, começou a resmungar no berço. Ela tentou levantar, mas o corpo parecia não responder. Foi Caio quem foi até o quarto, pegou o bebê no colo e voltou com ele embalado nos braços.

- "Ele precisa de você." – disse suavemente, estendendo Enzo para ela.

Bianca recebeu o filho com as mãos trêmulas. Assim que o abraçou, sentiu um calor se espalhar pelo peito. O bebê encostou o rostinho no dela, sem entender o que se passava, mas oferecendo a única coisa que sabia: presença.

- "Ele tem que voltar, Caio... ele prometeu..." – sussurrou, as lágrimas molhando os cabelos finos de Enzo.

- "Ele vai. Eu sei que vai."

Mas Caio não tinha certeza. Na verdade, algo dentro dele também estava em conflito. Algo mais profundo que a dor de um possível luto. Era o peso de tudo o que ele nunca disse, de tudo o que escondeu - até mesmo de si mesmo.

Enquanto isso, o telefone da sala voltou a tocar.

Bianca e Caio se entreolharam. O som era como um trovão no meio daquele silêncio sagrado. Ela hesitou. O coração acelerou como se quisesse sair pela boca. Caio caminhou até o aparelho.

Atendeu.

- "Alô?"

- "Senhor Caio? Aqui é do hospital metropolitano. Temos informações sobre o senhor Gustavo Andrade."

Bianca se levantou num pulo, os olhos arregalados.

Caio engoliu seco.

- "Ele está vivo?"

O silêncio do outro lado da linha durou menos de dois segundos, mas pareceu uma eternidade.

- "Sim. Ele está vivo."

                         

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