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Jefferson narrando
O Rio tem cheiro de pecado. E eu aprendi a amar esse cheiro.
A brisa quente da noite batia no meu rosto enquanto eu encostava no capô da Lamborghini, charuto aceso numa mão, copo de uísque na outra. O morro brilhava ao longe, como se até o crime tivesse sua beleza própria. Liberdade... era isso que eu respirava.
Zara saiu do clube com aquele andar provocante, o vestido colado no corpo, decote feito pra matar qualquer homem. Modelo internacional, capa de revista, rosto conhecido nas festas mais exclusivas. Mas ali, naquela noite, ela era só minha.
- Vai ficar me olhando ou vai me levar pro inferno de novo, Jefferson? - ela provocou, com aquele sotaque carregado e sorriso de quem já sabia a resposta.
Eu dei um gole no uísque e joguei a fumaça do charuto pro lado.
- Inferno? Garota... você ainda nem viu o que eu posso fazer quando quero te destruir.
Ela riu, jogou o cabelo pro lado e entrou no carro como se pertencesse àquele mundo. E ela pertencia. Ao luxo. Ao poder. Ao perigo. Só que nenhuma mulher nunca pertenceu a mim. Eu aproveitava. Usava. Depois deixava. Era assim que sempre foi.
Zara foi só mais uma. Linda, sim. Gostosa como o pecado, claro. Mas não era ela quem tirava meu sono.
E nem fazia ideia de que essa seria nossa última noite.
Porque no dia seguinte, eu pegaria o primeiro voo pra Itália. Pra cumprir o que foi prometido.
Pra encontrar minha noiva.
E conhecer o verdadeiro problema da minha .
O sol mal tinha nascido quando Zara acordou na minha cama, nua, cabelos bagunçados, aquele corpo que já tinha sido meu mais de uma vez. Ela se virou devagar, os olhos semicerrados, e sorriu como se tivesse certeza de que ainda ia me ver ali amanhã.
- Vai tomar café comigo? - perguntou, a voz rouca da madrugada ainda grudada nela.
Eu puxei meu blazer do encosto da cadeira, coloquei o relógio no pulso e olhei pra ela uma última vez. Linda. Mas não era o suficiente.
- Não. Tenho um voo pra pegar.
- Pra onde?
- Itália.
Ela arqueou uma sobrancelha.
- Quando volta?
Dei um sorriso torto, sem alma. Aquele que assusta mais do que conforta.
- Não volto, Zara.
Ela sentou na cama, puxando o lençol pro corpo.
- Tá falando sério?
- Nunca fui de brincar.
Zara não era burra. Sabia que nosso tempo tinha data de validade. Todas sabiam. Só que algumas fingem não ver a contagem regressiva.
Saí do apartamento sem olhar pra trás. Motorista já me esperava com a mala no porta-malas, tudo milimetricamente planejado. Era hora de sair do palco carioca e voltar pras raízes. Pro mundo onde eu nasci. Onde tudo começou. Onde promessas antigas ainda pesavam sobre meu nome.
O Brasil foi meu campo de guerra. Aqui, eu venci. Fiz meu nome ecoar nos becos e nos prédios de luxo. Fui rei, mesmo sendo estrangeiro.
Mas agora... agora eu voltava pra Itália.
Pra ser rei entre os meus.
Ou pra começar uma guerra que ninguém tava esperando.
O portão da mansão se abriu devagar, como se até ele tivesse respeito pelo nome que carrego.
A entrada era a mesma de sempre: ladeiras de pedra, árvores perfeitamente podadas, jardins dignos de capa de revista. Mas aquilo tudo nunca me impressionou. Cresci nesse luxo sufocante. A riqueza nunca foi o que me moveu.
O que me move... é o poder.
Desci do carro ajustando a lapela do casaco. O ar da Itália tinha outro peso. Mais frio. Mais carregado. Como se até o vento soubesse que algo grande estava prestes a acontecer.
A porta se abriu antes que eu pensasse em bater.
- Meu filho... - a voz de Olivia soou firme, apesar dos olhos marejados. A elegância dela era a mesma de sempre. Vestido sóbrio, cabelo preso, olhar que mistura amor e julgamento.
Ela veio até mim, me abraçando como uma mãe que esperou tempo demais. Não retribuí com a mesma intensidade. Nunca fui de sentimentalismo, nem mesmo com ela.
Atrás dela, surgiu Otávio.
Meu pai.
Terno alinhado, expressão rígida, mãos cruzadas nas costas. O tipo de homem que não precisa levantar a voz pra ser temido.
- Jefferson.
Finalmente - disse ele, me encarando de cima a baixo como se estivesse analisando se eu ainda era digno do sobrenome que carrego.
- Senhor - respondi com um aceno de cabeça.
Não éramos uma família comum. Amor demais sempre foi fraqueza aqui dentro. O que nos unia era a lealdade. A honra. E promessas.
- O senhor Augusto vai chegar logo - Otávio avisou. - E com ele... sua futura esposa.
Dei um sorriso leve. Não era um sorriso feliz. Era o sorriso de quem já sabia que o jogo ia mudar.
Eles acham que voltei pra cumprir o prometido.
Mas eu voltei pra me lembrar de quem eu sou.
E de quebra... conhecer Camila.
A filha errada
A tentação
A sala de jantar estava montada como em um filme antigo: candelabros acesos, cristais reluzindo sob a luz dourada, taças alinhadas com precisão cirúrgica. Cada detalhe gritava tradição. Respeito. Status.
Senhora Olivia coordenava tudo como uma verdadeira matriarca, enquanto Otávio mantinha sua postura de rocha ao meu lado. Eu estava de terno, como exigia a ocasião, mas meu olhar vagava. Não pela decoração. Mas pelo que estava por vir.
- Estão chegando - avisou um dos empregados.
E então, a porta da frente se abriu.
Senhor Augusto foi o primeiro a entrar, acompanhado por sua esposa. O homem continuava o mesmo: olhar imponente, barba perfeitamente aparada, o tipo que não envelhece - apenas endurece.
Logo atrás... ela entrou.
A filha mais velha.
Minha prometida.
Alta, elegante, bela no padrão exato que eles exigem. Vestido preto, salto fino, cabelo preso num coque perfeito. Cumprimentou meus pais com um sorriso ensaiado, depois estendeu a mão pra mim. Fria. Sem alma.
- Jefferson - ela disse, com um leve aceno.
- Um prazer - respondi, por educação.
E então, atrás dela... veio ela.
Camila.
De vestido claro, simples. Sem maquiagem pesada, sem perfume forte, sem pose de boneca de porcelana. Loira, pele branca, olhos grandes e curiosos, como se o mundo ainda fosse uma novidade pra ela. Tinha só dezoito anos, mas carregava uma beleza que não precisava ser anunciada.
Ela parecia deslocada naquele cenário de regras e obrigações.
E talvez por isso... tenha sido exatamente quem capturou minha atenção.
- Essa é minha filha mais nova - disse senhor Augusto, quase como se fosse um detalhe.
Camila sorriu tímida, os olhos encontrando os meus por um segundo que durou demais.
- Muito prazer... senhor Jefferson - ela disse, e sua voz era doce. Jovem. Perigosa.
Respondi com um sorriso de canto. Um sorriso que dizia tudo o que ninguém naquele salão ousava imaginar.
Ela desviou o olhar, corou um pouco.
Merda.
Ela era a filha errada.
Mas nada no mundo parecia mais certo do que querer ela.
O jantar seguiu com o som dos talheres batendo nos pratos de porcelana e conversas polidas, daquelas que só existem em famílias que escondem os monstros debaixo do tapete.
A filha mais velha falava sobre viagens, estudos e eventos de caridade. Minha mãe sorria, orgulhosa. Meu pai apenas escutava, medindo cada palavra como se fosse um contrato.
Eu? Eu fingia prestar atenção. Mas meus olhos... estavam em outra direção.
Camila estava sentada ao lado da irmã, quieta. Cortava a comida devagar, como se não quisesse incomodar ninguém. Só que cada vez que ela erguia os olhos e cruzava com os meus... um raio silencioso atravessava a mesa.
- E você, Jefferson? - perguntou senhor Augusto. - Pretende assumir a empresa da família por aqui, ou vai continuar cuidando das coisas no Brasil?
Limpei os lábios com o guardanapo antes de responder, sem desviar o olhar de Camila.
- Vim pra ficar. E cuidar do que é meu por direito.
Ela desviou o olhar na hora, mas o leve rubor nas bochechas denunciava que tinha sentido o peso das minhas palavras. Talvez ela achasse que era só coincidência. Talvez estivesse certa em desconfiar que não era.
- Que bom ouvir isso - disse minha mãe, satisfeita. - Estávamos esperando esse momento há anos.
- Sim - completou Otávio. - E essa união entre as famílias é mais do que bem-vinda.
A filha mais velha sorriu, colocada. Tão certa de que tudo caminhava como planejado.