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Budapeste, Hungria - 00h31
A noite não aliviava. A chuva agora era uma cortina densa, arrastando poeira digital e velhos segredos das entranhas da cidade. Kael Moreno sentia o peso de cada gota na pele, misturando água e sangue. A Eurídice agora pulsava em seu chip subdérmico, recém-integrada, um fragmento de IA que nem ele sabia como manipular por completo.
O antigo bunker da Guerra Fria trepidava como um corpo prestes a entrar em colapso. As sirenes haviam cessado, mas o aviso pairava no ar como um cheiro de ozônio antes de uma tempestade elétrica.
Kael sabia o que isso significava.
- Céu? - ele sussurrou para o fone.
Silêncio.
Depois de segundos, uma resposta rouca, distorcida.
- Kael... estou... tentando... manter os canais abertos. O Nono Véu... está em todas as camadas da rede. Se você não sair agora, não vai conseguir sair nunca mais.
Ele limpou o rosto e avançou pelo corredor inundado. As luzes vermelhas piscavam, projetando sombras de espectros digitais nas paredes corroídas.
Ao Norte da Cidade - Sede do Nono Véu
Dante Koss observava os monitores como um predador silencioso. Seu rosto permanecia impassível, mas seus olhos revelavam a mesma frieza de seu avô, Viktor Koss - o Diretor.
- Situação? - ele perguntou.
Um operador respondeu:
- Os satélites captaram variações no bunker. A IA Eurídice foi extraída. Kael Moreno possui o protocolo.
Dante apertou o coldre da pistola.
- Ativem o Umbral.
A sala ficou em silêncio. Os agentes hesitaram. Umbral era mais do que um código; era o último comando sobre as IAs originais que sustentavam a infraestrutura global. Ativá-lo significava declarar guerra digital.
Dante não piscou.
- Eu disse... ativem.
Subsolo - Rota de Fuga
O túnel antigo se estendia por dezenas de metros, revestido de concreto corroído e cabos de energia mortos. Kael sentia o zumbido residual de dispositivos abandonados como se fantasmas digitais assobiassem ao seu redor. A mochila pesava como chumbo, não pelo peso físico, mas pelo valor incalculável da Eurídice agora rodando em seu chip.
De tempos em tempos, o display subdérmico exibia alertas intermitentes.
Umbral: Execução Nível 2.
Cada nível significava a desativação ou tomada de controle de sistemas digitais no entorno. Portas trancadas, câmeras cegas, sistemas de transporte desligados. Em breve, a própria rede elétrica da cidade seria atingida.
Kael sabia o que viria a seguir: as sombras.
Quartel da Força Global de Segurança - 00h58
Elara Vos vestia o traje de combate, enquanto o helicóptero de infiltração iniciava o sobrevoo pelo setor leste da cidade. O mapa holográfico exibia os pontos de interrupção na rede, como pequenos buracos negros surgindo em Budapeste.
Ela reconhecia o padrão.
- Umbral. - disse, mais para si mesma.
O comandante ao lado hesitou.
- O Nono Véu ativou?
Elara assentiu.
- É mais grave do que imaginávamos. Precisamos neutralizar Kael antes que ele encontre o Umbral Core. Se ele chegar lá primeiro, pode desativar o protocolo e jogar esse jogo todo no abismo.
A aeronave inclinou-se na direção do setor de mineração. Luzes de busca cortavam o breu da cidade velha.
Na Rede - Céu
Do outro lado, Céu lutava para manter-se conectada. Parte IA, parte humana, ela operava dos níveis mais profundos da darknet. Os rastros digitais do Nono Véu a caçavam como predadores implacáveis.
"Céu, perdi o sinal da unidade sudoeste. Umbral está interferindo no meu link com Kael. Preciso de um canal seguro!"
Ela digitava linhas de código freneticamente, enquanto sua consciência se fragmentava em múltiplos terminais remotos.
- Kael, tô abrindo uma rota pelo canal Beta-13. Mas você precisa correr. Os caçadores foram liberados.
Subsolo - Perímetro Externo
Kael arrombou a escotilha e emergiu em uma antiga subestação elétrica. Os corredores eram estreitos e impregnados de ferrugem. Ele podia sentir as vibrações no ar: as unidades de campo do Nono Véu estavam próximas.
De repente, as luzes de emergência piscaram.
Silêncio.
Um som mecânico quebrou a tensão: passos. Não de botas comuns, mas de unidades Blackout - soldados cibernéticos programados para caça e execução sem negociações.
Kael respirou fundo, ajustou a pistola na mão e verificou o chip Eurídice rodando em seu pulso.
"Se eu cair, você leva tudo junto comigo," pensou.
Os primeiros vultos surgiram no corredor. Sem aviso, Kael disparou.
Budapeste - Setor Central - 02h06
A cidade estava morta. Pelo menos no que importava. As torres de dados, estações de transporte e centrais de energia já estavam sob a sombra do Umbral. Kael atravessava as ruas desertas, abrigando-se nas frestas dos prédios antigos, desviando das patrulhas da Força Global de Segurança que agora usavam drones térmicos para rastrear qualquer sinal de vida.
O chip subdérmico no pulso vibrava. Nível 4/7.
Cada avanço desbloqueava uma parte adormecida do protocolo, mas também disparava novos alarmes para quem estivesse caçando. E ele sabia - todos estavam.
O Instituto Viktor Koss surgia à frente como uma ruína monstruosa de concreto e aço retorcido, iluminada apenas pelo brilho opaco da tempestade. Antigo centro de operações do cibercomando húngaro, havia sido oficialmente desativado anos antes. Oficiosamente, abrigava o núcleo de controle do Umbral.
Kael avançou.
Interior do Instituto - 02h14
Dentro, o cheiro de mofo e circuito queimado enchia o ar. Os corredores estavam repletos de equipamentos velhos, cabos desativados, torres de refrigeração mortas. Mas em algum lugar ali dentro, o Umbral Core pulsava.
Kael seguiu o caminho indicado por Céu. As defesas haviam sido parcialmente desativadas pelo avanço da Eurídice no protocolo, mas sensores inertes ainda podiam acordar a qualquer movimento brusco.
Ele deslizou por uma sala de controle desativada, apenas para ouvir, logo adiante, o som metálico de passos. Não eram humanos.
Unidades Blackout.
Kael prendeu a respiração e se moveu para trás de uma antiga parede de segurança. Contou três... quatro soldados. Trajes negros, olhos opacos, rifles inteligentes. Se eles o detectassem, não haveria tempo para reação.
Calma... respira...
Uma brecha. Ele se moveu. Rápido. Um golpe na garganta do primeiro, arma retirada, dois tiros secos nos visores dos outros. Quatro corpos metálicos caíram.
Mas um deles conseguiu acionar um alerta antes de desativar.
O visor de Kael piscou.
Tempo até chegada das unidades de contenção: 04:00 min.
- Droga.
Ele se lançou pelo corredor. Seguiu as instruções, desceu dois níveis pela escada de manutenção até encontrar a antiga sala de servidores.
Ali, no centro, um pedestal com um terminal analógico. Sobre ele, o núcleo físico do Umbral - uma esfera translúcida onde impulsos de luz giravam como uma tormenta contida.
Era aquilo. O coração da rede. Se Kael ativasse o protocolo a partir dali, teria controle. Mas se errasse uma linha de código, poderia disparar as defesas finais.
Céu ressurgiu na transmissão.
- Kael... eu consegui manter uma brecha por 180 segundos. Depois disso, o Umbral fecha e me derruba. E... tem mais.
- O que?
- O Nono Véu tá aí. Presencialmente.
Kael gelou.
- Desde quando eles sujam as mãos?
- Desde que você ativou a Eurídice.
Sala do Umbral Core - 02h21
Kael conectou o chip. O sistema acordou.
[Identificação: Kael Moreno - Acesso Nível 4/7]
As linhas de código rodaram como uma torrente. Ele precisava inserir a sequência de ativação do núcleo e transferir o controle antes da contagem regressiva.
Tempo restante: 03:00 min.
- Céu, segura eles pra mim. Nem que seja por 30 segundos.
- Se eu cair, não me procura. Vai embora. Entendeu, Moreno?
Ele sorriu, sem humor.
- Nem a pau.
Os primeiros alertas ecoaram.
Invasão física detectada.
Kael começou a digitar. Mãos firmes, respiração contida.
Se conseguir inserir a sequência antes dos 0:00, não só tomaria o controle... como poderia ver quem estava do outro lado do código.
Inclusive... se era mesmo Lívia.