Mas hoje? Hoje parece um palco deslocado para um duelo.
Cruzo as pernas, ajeito o cabelo, e tento parecer despreocupada. Mas a verdade é que estou inquieta. Cada minuto que passa aumenta o peso dessa decisão absurda. Casar por obrigação. Com um estranho.
Não é como nos filmes em que os opostos se encontram, discutem e depois se apaixonam no terceiro ato.
Na vida real, você assina um contrato e reza para que o outro não ronque ou tenha mania de organização compulsiva.
Ou pior: que seja frio. Insensível. Calculista. Traidor.
A porta do café se abre, e ele entra. Olha para os lados e seus olhos se fixam em minha direção. Mesmo sem conhece-lo pessoalmente, sei que é a versão adulta daquele menino das fotos.
Alto, forte, imponente, de terno escuro e expressão indecifrável. Cabelos escuros bem penteados, pele pálida de quem não toma sol. Ele caminha com segurança, como se o mundo todo fosse insignificante, como se cada problema, inclusive o nosso, fosse apenas um contratempo que ele ainda vai resolver. Tem uma presença que incomoda, não porque seja exagerada, mas porque é absolutamente controlada e grandiosa. Como se nada nele estivesse fora do lugar.
O tipo de homem que me tira do sério em dois minutos.
Ele sorri de lado, com um cumprimento sutil com a cabeça, e diminui o espaço entre ele e minha mesa.
- Isadora. - Sua voz é firme, educada, e absurdamente calma. - Obrigado por aceitar conversar.
- Ainda não decidi se vou aceitar mais do que isso. - Respondo, sem sorrir.
Ele se senta, ajeita o relógio no pulso com um gesto meticuloso. Como se cada segundo dele valesse ouro.
- Claro. Mas está aqui. Isso já é um começo.
Eu o observo. Ele não é exatamente o que eu esperava. Tem olhos escuros atentos, uma expressão que parece medir tudo à sua volta. Ele não sorri à toa. Não se curva. Está aqui como quem assina um contrato de fusão entre empresas. Nada mais.
O menino da foto anterior, era doce. Esse homem é duro.
- E você? - pergunto, cruzando os braços em meus peitos, protetoramente. - Está disposto a se casar com uma mulher que te encara como um contrato mal redigido?
- Estou disposto a cumprir o que for necessário para proteger minha família - responde. - Isso inclui lidar com uma mulher de gênio forte e opiniões afiadas.
- Que arrogante.
- Sou realista.
- E frio.
- Prático.
- Você é impossível.
- E você é impulsiva.
A troca de farpas não me surpreende. Na verdade, me alivia. É mais fácil brigar do que fingir simpatia. Pelo menos assim sei com o que estou lidando e posso me armar sem preocupações de ser rude.
Ele faz um gesto para o garçom e pede um café, como se estivéssemos apenas em uma reunião comum. Como se não estivéssemos discutindo o destino de nossas vidas.
- Me diga uma coisa, Caio. - Uso o nome dele com a ponta da ironia. - Por que você aceitou isso? Dinheiro você tem. - Não me passa despercebido a careta que ele faz, mas mascara em seguida. - Poder também. Casamento, nesse caso, parece uma conveniência antiquada.
- Justamente por isso. Porque é conveniente.
- E você não se incomoda em dividir sua vida com alguém que te acha insuportável? - Ele ri, como se eu estivesse brincando. Não estou.
- Não, desde que essa pessoa saiba respeitar limites.
Dou uma risada curta.
- Você realmente acredita que um relacionamento pode funcionar à base de limites e conveniência?
- Não. Mas isso não é um relacionamento. É um acordo. E todo bom acordo precisa de clareza. Objetividade. E um pouco de tolerância mútua.
- Só isso?
- E talvez, um certo nível de comprometimento em não transformar tudo em guerra.
O garçom chega com o café dele. Eu não pedi nada, mas agora estou com vontade de pedir uma taça de vinho. Talvez duas. Será que teria a bebida por aqui?
- E você, Isadora? - ele pergunta, chamando minha atenção. Ele me observa com aquele olhar analítico. - Por que aceitou me encontrar? Por que veio?
- Era uma opção sumir sem falar sobre o assunto? Se eu soubesse, teria feito. - Ele ri sem humor. - Na verdade, porque minha mãe me pediu para pensar. E eu estou tentando ser justa com ela, antes de explodir de novo - comento mais para mim do que para ele. Não preciso explicar detalhes das nossas vidas pessoais e seus passados.
- Então está aqui por ela?
- Estou aqui por mim. - Corrijo. - Queria saber se era a única sendo obrigada nessa proposta, mas você parece bem com isso.
- Não vou mentir que não gostei e não escolheria esse caminho, mas concordo que é um bom acordo.
Ignoro suas palavras, continuando.
- Por mais que eu ache tudo isso absurdo, eu sei o que está em jogo. Mas não significa que eu vou aceitar de olhos fechados.
Ele assente, devagar.
- Isso é admirável.
- Não me elogie. Não vamos fingir que somos simpáticos um ao outro.
- Não estou fingindo. Estou sendo honesto. Eu prefiro mulheres que sabem o que querem. Mesmo que isso signifique que vão tentar me matar com o olhar a cada cinco minutos.
Não consigo evitar o leve arquear da sobrancelha. Ele tem humor. Um tipo seco e cínico, mas está lá. Por alguma razão, isso me desconcerta.
Por alguns segundos, ficamos em silêncio. Ele toma um gole do café, eu apenas o encaro, ainda tentando entender se ele é realmente assim ou se está atuando. E que papo é esse de preferir mulheres que sabem o que quer?
- Vamos ser francos, então - digo, me inclinando levemente à frente. - Se isso for mesmo acontecer, você vai tentar controlar tudo?
- Só o que for necessário.
- Então vai dar problema. Eu não sou fácil de dobrar.
Ele sorri, finalmente.
- Eu não quero te dobrar, Isadora. Só quero que você jogue limpo. Sem drama. Sem cenas. Apenas sinceridade e jogo limpo.
- Isso é o que você chama de "relacionamento"?
- Isso é o que eu chamo de sobrevivência.
Sorrio também. Cínica. Irônica. Mas um pouco curiosa.
Esse homem me irrita. Com sua calma, sua frieza, sua lógica impecável.
Mas talvez ele me intrigue justamente por isso.
E isso, no momento, já é mais do que eu gostaria de admitir.