Capítulo 4 Reação Dele

Caio

O contrato está sobre a mesa. Ainda fechado, ainda intocado. Mas não preciso abri-lo para saber o que está escrito ali.

Meu nome. O dela. Datas, cláusulas, promessas veladas com palavras formais e educadas. Um casamento. Uma fusão. Um movimento estratégico.

Cruzo os braços e encosto na cadeira giratória do escritório. O couro range sob meu peso. As luzes da cidade se espalham pela parede de vidro atrás de mim, distantes, desfocadas. Tudo aqui parece distante, exceto a decisão que me foi imposta - ou, melhor, sugerida com força suficiente para parecer uma ordem.

Casar. Uma união com uma desconhecida. Um acordo por conveniência.

As palavras de meu pai deveriam me revoltar. Mas não me revolta. Me irrita, talvez. Pela perda de controle, pela imposição velada. Mas revolta? Não. Isso exigiria emoção. E eu não tenho mais tantas sobrando.

Na noite de ontem, tínhamos uma reunião marcada. Meu pai mandou mensagem, avisando que nossos convidados já estavam presentes. Eu estava preso no trânsito, atrasado para essa reunião. Mesmo sem querer estar presente, não tinha como fugir.

Durante o caminho, pensei sobre a mulher que estaria entrando nessa comigo. Ela era uma aproveitadora? Teria gostado de casar com um desconhecido? Teria sido tão fria quanto eu em aceitar?

Bom, eu estava pensando em tudo isso, mas quando cheguei fui surpreendido.

Estacionei o carro e ainda do lado de fora pude ouvir algumas vozes acaloradas. Estranhei. Não era as vozes da minha família, então, só poderia ser dos convidados.

A cada passo, pude ouvir mais da discussão e me surpreendi, tudo o que imaginei sobre a minha possível noiva caiu por terra. Ela odiava a ideia, abominava se casar com um desconhecido e eu não podia julgá-la. Toda a situação era uma merda.

Eu me preparei para entrar e tentar acalmar os ânimos de todos, mas coloquei a mão na maçaneta e alguém do outro lado deu um tranco, abrindo a porta sem eu esperar. Uma mulher mais baixa que eu, passou como um furacão, batendo o corpo em meu braço. Ela continuou andando sem nem me olhar ou se desculpar, parecia abalada.

Pela reação e idade que parece próxima a minha, julguei ser minha quase noiva.

Ao entrar, cumprimentei os estranhos e ouvi sobre o encontro catastrófico. Ouvi tudo e suspirei, cansado.

Meu pai acha que estou calmo demais. Ele falou isso ontem, depois de derramar seu discurso dramático sobre legado, futuro da empresa e honra familiar. Ele esperava resistência. Escândalo. Assim como a mulher da outra família, mas eu apenas assenti. Dei-lhe o que ele queria. Um sim frio. Racional. Estratégico.

Porque é isso que eu sou.

Racional.

Pensando nisso, pego o celular e envio uma mensagem para a matriarca da outra família, pedindo o telefone de sua filha. Ela não demorou em me enviar, agradeço e no automático, digito uma mensagem no automático para minha possível noiva e peço para conversarmos.

- Pronto, mandei mensagem. Vamos ver quando terei a honra de encontrar minha noiva - debocho.

- Ela vai odiar você - diz Gabriel, meu melhor amigo, da poltrona à minha frente. Tinha até me esquecido da sua presença. Ele me observa como se tentasse decifrar algo que eu escondo.

Passei um tempo atualizando-o dos últimos acontecimentos, ele pensou que eu estava brincando, mas quando viu que falava sério, ficou travado.

Dou um leve sorriso, sem humor.

- Melhor. Se ela me odiar, não vai esperar carinho.

Gabriel ri, seco. Balança a cabeça como quem conhece a versão verdadeira de mim, aquela que eu raramente mostro ao mundo.

- E você, vai odiá-la?

- Não tenho esse luxo. Não precisamos nos darmos bem, eu só preciso que ela entenda o jogo.

Ele cruza os braços, inclina-se para frente.

- Caio... você está mesmo disposto a viver com uma mulher que não escolheu? Dormir ao lado de alguém que pode não suportar sua presença? Fingir um casamento inteiro?

- Fingir é subjetivo. Vamos assinar papéis, comparecer a eventos, unir empresas. O resto não é relevante. Podemos dormir em quartos separados, caso façam questão de seguirmos a farsa, mas se ela quiser viver em casas separadas não vou me opor.

Gabriel me encara. Silêncio.

Ele é o único que pode me confrontar assim. O único que viu o que veio antes. Que sabe o que restou depois.

- Você está mentindo e sse escondendo de novo - ele diz, enfim. - Como fez com a Júlia.

O nome dela é uma pedra atirada na água. Abala a superfície, mesmo que eu não permita ondas.

- Não é a mesma coisa.

- Não? - ele se levanta. - Você está prestes a entrar em outro relacionamento vazio. Sem laço, sem escolha, sem alma. Só porque é mais fácil manter o controle.

- Não era vazio - corrijo-o sobre o meu anterior relacionamento e ele ri. - E agora é sobre facilidade. É sobre resultado - retruco, sem elevar a voz.

Ele se aproxima da mesa e apoia as mãos no tampo. Seus olhos estão intensos, sinceros.

- Você ainda pensa nela?

Silêncio.

Sim.

Mas não respondo. Apenas o encaro até ele entender que essa resposta não será dada em voz alta.

Ele suspira, frustrado. Volta a se sentar, passando a mão pelos cabelos bagunçados.

- Você podia simplesmente dizer que não quer se machucar de novo - murmura. - Seria mais humano.

- E mais inútil.

Ele ri, sem humor. Fica em silêncio por alguns segundos, depois pergunta:

- E se ela for diferente?

Franzo a testa.

- Quem?

- A garota. A que você acha que vai se casar com você. - Bufo, eu não acho que vou casar, se eu quiser isso, vou convencê-la. - E se ela não for o que você espera? Se ela tiver luz própria, se não aceitar ser uma figurante no seu teatro?

Penso nisso. Já pensei. No fundo, espero que ela reaja. Que lute. Que grite. Que não aceite. Como foi ontem com nossas famílias.

Porque será mais fácil manter distância de alguém que me odeia do que de alguém que insiste em ser melhor e ficar.

- Então vai ser mais divertido - digo, por fim. - Nada como um pouco de atrito para manter a mente afiada.

Gabriel balança a cabeça, incrédulo.

- Você trata tudo como um jogo.

- Porque é exatamente isso. A vida, os negócios. E, como em todo jogo, vence quem antecipa melhor os movimentos.

Ele se levanta, pega o casaco do encosto da cadeira.

- Só espero que, dessa vez, você não derrube o tabuleiro inteiro por medo de perder uma peça.

Fico em silêncio enquanto ele sai.

Olho novamente para o contrato.

É só papel.

É só estratégia.

E ainda assim, parte de mim sabe que há algo além disso à espreita. Uma pontada quase imperceptível de inquietação.

Não é medo.

É algo instinto.

Ela vai lutar. Vai resistir. Mesmo sem conhecê-la sei que vai.

E, por algum motivo que ainda não compreendo, isso me agrada.

Talvez, só talvez, esse casamento não seja o fim de tudo.

Mas o início de algo que ainda não posso controlar.

E isso - esse leve desvio do roteiro - é o que mais me assusta.

            
            

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