Capítulo 4 O que o mar esconde

A tempestade havia diminuído, mas uma umidade espessa ainda pairava no ar, como se a chuva não tivesse terminado de dizer o que tinha a dizer. O mar, quase invisível da janela do café, brilhava sob o céu nublado. As ondas quebravam num ritmo constante e hipnótico, como se contassem segredos que só os corajosos ousariam ouvir.

Aroon se acomodou ao lado de Lila com a facilidade de alguém que nunca duvida de seu lugar no mundo. Ele sorria, brincava com a xícara de café e, de vez em quando, fazia uma piada sutil, um comentário carregado de duplo sentido que fazia o olhar de Lila desviar para o chão ou para outra coisa que não ele.

-Você sabia que a maneira como você franze a testa quando pensa denuncia você? "Aroon disse, em tom baixo, quase um sussurro, dirigido apenas a ela. Eu gosto quando você se concentra. É como se você estivesse resolvendo o mistério do universo... ou pelo menos o meu.

Lila riu por obrigação, mas algo dentro dela se agitou. Foi tão fácil se deixar levar por Aroon. Tão fácil deixar-se envolver pelo seu calor, pela sua segurança. Mas essa facilidade estava começando a deixá-la desconfortável.

Thanom os observava do outro lado da sala. Ele não falou. Ele não interveio. Mas sua presença era tão palpável que parecia preencher todos os cantos, até mesmo o espaço entre Lila e Aroon.

Os olhos de Thanom, sempre serenos, agora tinham um tom diferente. Não era ciúme que se refletia neles, era algo mais sutil: contenção. Como se ele estivesse segurando algo dentro de si que ameaçava quebrá-lo.

Aroon, alheio - ou fingindo estar - continuou seu jogo.

-Você já pensou em sair deste lugar? -perguntado-. Deixar. Conheça o mundo. Tem tanta coisa lá fora que não cabe neste café, Lila.

Ela olhou para cima, surpresa com a pergunta. O olhar dela encontrou o dele e, por um momento, ela sentiu que Aroon estava falando sério. Que por trás do encanto, havia também uma ferida. Uma que eu nunca tinha visto antes.

"Não sei", ele respondeu. Às vezes sinto como se, se eu me movesse, algo escapasse de mim... como se eu estivesse perdido antes mesmo de entender.

"Então fique", Thanom interrompeu.

Sua voz cortou o ar como um sussurro inesperado, mas carregado de intensidade. Lila se virou para ele, surpresa. Aroon olhou para ele também, com aquele sorriso que mal se desfez, como se estivesse tentando ignorar o comentário.

Thanom se aproximou lentamente. Seus olhos, sempre medidos, não estavam escondidos dessa vez.

-Se você for embora, não saberei onde te encontrar. E não sei se suportaria não saber.

Lila sentiu algo dentro dela quebrar silenciosamente. Ninguém além de Thanom sabia como dizer tão pouco e fazê-la sentir tanto. Sua boca ficou seca. Ele queria falar, mas as palavras ficaram presas em sua respiração.

Aroon olhou para o amigo, com uma sobrancelha levantada. A atmosfera ficou tensa quase imperceptivelmente, como uma corda que começa a esticar demais.

-E desde quando você se preocupa com isso? - ele perguntou com um sorriso gentil, mas seus olhos já não brilhavam tanto.

Thanom não respondeu. Seu olhar permaneceu fixo em Lila, como se só ela existisse. Então, mais calmamente, com uma voz que parecia dirigida a um lugar onde somente os dois poderiam alcançar, ele murmurou:

-Eu sempre estive aqui, Lila. Mesmo quando você não sabia que precisava de alguém, mesmo quando você pensava que não queria ninguém por perto. Nunca parei de procurar.

A frase caiu entre eles como uma onda que varre tudo em seu caminho.

Lila sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Como chegamos lá? Quando deixou de ser apenas uma presença silenciosa e se tornou uma necessidade urgente?

"Eu..." ele começou, mas não terminou.

Porque naquele momento, Aroon se levantou. Sua expressão ainda estava relaxada, mas suas mãos estavam fechadas nos bolsos.

-Vou pegar mais café. Alguém quer? - ele perguntou, sem olhar para ninguém em particular.

Ninguém respondeu.

Enquanto caminhava em direção ao bar, Lila olhou para baixo. Thanom ainda estava lá, ao seu lado, tão silencioso quanto o mar após a tempestade. Ele não tocou nela. Ele não insistiu. Mas sua presença a envolvia como um abraço invisível.

E pela primeira vez, Lila sabia que estava no meio de algo que não conseguiria resolver sem quebrar alguma coisa. Ou alguém.

O mar rugia à distância. Como se ele também soubesse que há segredos que não podem ser guardados para sempre.

            
            

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