/0/14489/coverbig.jpg?v=1be3b3fc234aab91a5718565d0f1c914)
Um barulho ressoa nos meus ouvidos, como se alguém estivesse limpando a garganta ao meu lado. Sinto um cheiro amadeirado com uma nota cítrica que eu poderia inalar pelo resto da vida - é tão convidativo e envolvente.
Uma mão roça suavemente a minha bochecha. O toque dos dedos desliza com delicadeza pela minha pele, afastando uma mecha de cabelo para trás da orelha. O gesto é íntimo e terno, e meu coração quase para por um segundo. Um arrepio percorre todo o meu corpo, trazendo de volta aquela sensação de formigamento elétrico.
Antes que eu possa processar o que está acontecendo, uma voz grave e familiar quebra o silêncio:
- Chegamos! Acho que você já pode parar de me usar como travesseiro.
Me afasto rapidamente, percebendo que toda aquela sensação envolvente vinha do corpo do homem mais irritante que já conheci. Irritante, sim, mas também... Meu olhar vagueia por ele, deslizando de cima a baixo como se tivesse vontade própria. Que corpo, penso, com uma dificuldade absurda de desviar os olhos. Minha garganta seca pela atração que ele desperta.
- Ah, eu não... - começo a falar, mas as palavras se perdem no caminho. - Desculpa - solto, por fim, como um engasgo, abaixando a cabeça para evitar seus olhos. Sei que, se encará-lo agora, a vergonha vai se transformar em algo ainda mais constrangedor.
- Tudo bem - ele responde com aquele sorriso provocador. - É difícil resistir a tudo isso. - Ele pisca.
- Você é tão irritante - resmungo, rindo.
Desembarcamos e seguimos para a área de translado, aguardando o motorista do hotel. Tento ignorar sua presença ao meu lado, imaginando que logo cada um seguirá seu caminho. Mas, como em uma piada cruel do destino, o mesmo motorista está ali para buscar nos dois.
Ergo as mãos para o céu com falsa frustração.
- Só pode ser brincadeira - murmuro, embora, no fundo, algo em mim esteja secretamente fascinada com a coincidência.
Entramos no carro sem dizer uma palavra. O silêncio entre nós é quebrado apenas pelo som da cidade despertando ao redor. Estava quase acreditando que seguiríamos calados até o hotel, até ele decidir falar de novo:
- Antes que você morra de curiosidade, me chamo Cristian. Mas, como você já me usou como travesseiro e babou na minha blusa, pode me chamar de Cris.
- Eu não babei na sua blusa - retruco, defensiva.
Ele ri, deixando as covinhas aparecerem.
- Claro que não. Mas que você ficou me agarrando e murmurando o quanto sou gostoso... ah, isso você ficou.
A ideia de que eu possa ter dito isso enquanto dormia me atordoa. Sinto um calor constrangedor se espalhar pelo rosto. Se me olhasse no espelho agora, veria minhas bochechas vermelhas como brasas.
- Antes que você morra de curiosidade... me chamo Louise - digo. Nossos olhos se encontram e, por um instante, um sorriso sincero se forma em nossos rostos.
O carro para suavemente diante de uma entrada grandiosa. O motorista abre a porta, e, ao descer, sou recebida por uma brisa suave com aroma de flores frescas misturado ao cheiro acolhedor de pão recém-assado.
Minha barriga ronca alto, revelando o quanto estou faminta.
Meu olhar se volta para a fachada da construção do século XIX à minha frente. Colunas ornamentadas contornam o edifício, e um grande chafariz decora o centro. A água cristalina jorra suavemente de pequenos bicos no topo, formando uma cascata serena. Cada gota reflete a luz, criando brilhos cintilantes que dançam sobre a superfície. Pedras lisas e coloridas ladeiam a base do chafariz.
Tudo é tão lindo e encantador que fico sem saber onde fixar o olhar.
O concierge se aproxima com passos firmes e elegantes. É um homem de meia-idade, cabelo grisalho cuidadosamente penteado, usando um uniforme impecável. Ele nos guia até as portas giratórias de vidro, e Cristian, com sua habitual ousadia, faz um gesto cavalheiresco para que eu entre primeiro.
O saguão é amplo. Poltronas luxuosas em tons profundos de azul e verde-esmeralda estão espalhadas pelo ambiente, complementadas por grandes lustres brilhantes.
Meus passos ecoam no piso de mármore branco polido. Apesar da amplitude do espaço, sinto como se ele encolhesse um pouco quando Cristian, com seus mais de um metro e oitenta, se aproxima, ocupando cada centímetro ao meu redor. Ele encosta a mão em minhas costas, e um arrepio percorre minha pele. Espero que ele não perceba minha reação - involuntária, mas real.
Não preciso olhar para saber que ele está sorrindo.
- Que belo casal temos aqui! - diz a recepcionista, sorrindo sinceramente.
Meu rosto esquenta imediatamente.
- Não, não somos um casal - corrijo rapidamente, tentando soar casual. - Tenho uma reserva no nome de Louise Scartt.
Enquanto espero pelas chaves, pego meu celular. A tela está repleta de notificações: trinta chamadas perdidas e várias mensagens do meu pai, cada uma mais desesperada que a anterior, exigindo que eu volte imediatamente. É curioso como ele só foca em mim quando tem algo de interesse próprio em jogo.
Percebo o silêncio repentino e procuro por Cristian. Ele está me observando com o semblante fechado. Seus olhos cor de mel estão fixos em mim, estudando cada movimento com intensidade. Há uma tensão perceptível em seu maxilar, como se estivesse lutando contra um pensamento.
- Seu sobrenome é Scartt? - pergunta, com uma expressão indecifrável, os olhos ainda fixos nos meus, como se tentasse ler algo nas entrelinhas.
- Sim - respondo.
Ele não diz mais nada, mas a tensão no ar se torna palpável. É curioso como a simples menção ao meu sobrenome provoca reações tão distintas. Alguns se tornam bajuladores, como se isso fosse uma vantagem. Outros demonstram desprezo ou inveja.
Se soubessem o quanto é repugnante ser tratada como um sobrenome e não como uma pessoa, talvez agissem diferente.
Finalmente, a chave é entregue. Agradeço rapidamente, aliviada por encerrar o que quer que essa interação estivesse se tornando.