Capítulo 7 Chap. 7

Capítulo 7

O cheiro do ensopado invadia a cozinha. Maria se sentou à mesa com os cabelos ainda úmidos do banho, vestindo roupas limpas que Elza havia deixado para ela. Alexandre colocou os pratos sobre a mesa e depois se sentou à sua frente. Estavam sozinhos, Elza havia respeitado o momento, deixando-os à vontade.

- Espero que goste. Não sou um grande chef, mas sigo bem as instruções da Elza. - Ele sorriu de canto, os olhos brilhando com um calor discreto.

Maria sorriu de volta, tímida.

- Cheira muito bem... E estou faminta.

Eles comeram em silêncio por alguns instantes. A comida aqueceu o estômago e trouxe um conforto inesperado. Depois que ela terminou, Alexandre se levantou e voltou com um comprimido e um copo d'água.

- O remédio, no horário certinho - disse com suavidade, entregando a ela.

- Obrigada.

Depois de tomá-lo, ele a convidou com um gesto de cabeça:

- Vamos para a sala? É mais confortável lá.

Ela assentiu, e os dois seguiram até a sala de estar. Ele puxou uma manta e colocou sobre os ombros dela quando ela se acomodou no sofá. O gesto simples aqueceu mais que o tecido.

- A Elza me contou sobre o que você disse... - ele começou, a voz baixa, calma. - Que acha que vai fazer dezoito anos em breve... que está noiva...

Maria abaixou os olhos, brincando com as pontas da manta.

- É tudo o que consigo lembrar. Minha cabeça parece... nebulosa. Como se eu estivesse presa em outro tempo. Tenho lembranças de quando tinha dezessete anos, da casa dos meus pais, de coisas simples... Mas depois disso, nada. Como se uma parede tivesse sido erguida.

Alexandre se inclinou um pouco, os olhos fixos nos dela.

- Eu vou chamar o médico de novo. Ver se há algo mais que possamos fazer. Mas quero que saiba... - ele respirou fundo - eu vou te ajudar a recuperar sua memória, Maria. Não importa quanto tempo leve.

Ela o olhou com os olhos marejados, sem saber o que dizer. Apenas assentiu, com o coração mais leve.

Um silêncio se instalou entre os dois. Não era desconfortável, mas carregado de algo mais. Ele continuava olhando para ela, como se tentasse entender cada traço de seu rosto.

Maria sentiu o coração acelerar de repente. Um calor diferente subiu por seu peito, e por um instante, ela não conseguia desviar o olhar dos olhos dele. Algo ali a puxava, um fio invisível e forte.

Alexandre sorriu de leve, um sorriso quase imperceptível, mas que ela notou.

- Acho que... você vai gostar daqui - ele disse, num tom quase íntimo.

Ela retribuiu o sorriso, com um brilho nos olhos.

- Já estou gostando.

E naquele instante silencioso, enquanto as palavras se apagavam e apenas os olhares falavam, algo entre eles começou a florescer, suave, tênue, mas inevitável.

***

A porta da frente se abriu com força, rangendo como de costume. Geraldo entrou na casa com passos pesados e semblante carregado. O cheiro da poeira e da fritura velha pairava no ar. Caminhou até a cozinha, e ao virar o corredor, encontrou os dois filhos à mesa, mastigando devagar pedaços de pão seco e tomando água.

Franziu a testa, o cenho marcado de inquietação.

- Que é isso? - perguntou com a voz áspera. - Cadê a janta?

Os meninos se entreolharam. O mais velho respondeu:

- A Maria não apareceu, pai. A gente achou um pão velho e...

Geraldo olhou ao redor. A pia cheia de louça, restos de comida seca grudados nos pratos. O chão, que costumava ser branco, agora tinha pegadas e manchas amareladas. A toalha de mesa estava manchada, e a casa exalava um descuido visível, como se o tempo tivesse parado ali.

- E ela deixou vocês aqui? Assim? - ele murmurou com incredulidade, os olhos faiscando. - Sai o dia inteiro... some a noite... e deixa vocês, meus filhos, sem comida, sem roupa lavada, largados?

A raiva começou a crescer dentro dele, como uma chama silenciosa que se espalhava com rapidez.

- Eu sabia. Essa história de ônibus é besteira. Ela quer atenção, isso sim. Talvez queira alguma coisa além disso, talvez... talvez tenha um amante por aí.

Os filhos baixaram os olhos, tensos, sem saber o que dizer.

- Mas ela que espere. Quando essa mulher voltar, ela vai se arrepender até o último fio de cabelo por me fazer passar vergonha, me fazer parecer um idiota aqui nessa casa. Não se brinca com o nome de um homem. Ninguém abandona neus filhos assim. Isso, eu não vou perdoar.

Geraldo girou nos calcanhares, murmurando impropérios entre dentes, com o maxilar travado e os punhos cerrados. Subiu as escadas em passos pesados, tinha que tomar um banho ou ele mesmo ia desmaiar com o próprio fedor.

Geraldo deixou a água cair sobre o corpo cansado, mas não relaxava. Cada gota quente parecia alimentar ainda mais o turbilhão de pensamentos que ferviam em sua mente. Encostou as mãos nas paredes do box e respirou fundo. A imagem dos filhos comendo pão e água o perseguia. Mas não era só isso. O orgulho ferido doía mais que a fome dos filhos.

"Ela deve estar com outro", pensou, os olhos cerrados de raiva. "Só isso explica sumir o dia inteiro sem dar notícia."

Seus dedos se fecharam com força. A ideia martelava sem parar: com outro homem. O sangue subiu-lhe à cabeça.

- Não - murmurou entre dentes, quase como um aviso ao próprio espelho embaçado do banheiro. - Isso não. Pode fazer o que quiser, mas me trair, não.

A frustração corroía seu peito. Por mais que seu corpo já não respondesse como antes, por mais que nos últimos cinco anos não tivesse conseguido satisfazê-la como homem, não podia, não aceitaria, ser envergonhado.

"Homem é homem. E mulher que trai, paga caro."

Essas palavras ditas por seu pai quando era apenas um menino voltavam à tona com uma força assustadora. Geraldo não sabia ainda o que faria quando Maria voltasse, se voltasse. Mas uma coisa era certa: ele não estava disposto a perdoar.

Passou a toalha no rosto, olhou para o próprio reflexo e se encarou como se estivesse prestes a tomar uma decisão.

E naquela noite, enquanto a casa mergulhava no silêncio e os filhos dormiam no desconforto, o coração de Geraldo pesava não apenas de raiva, mas de medo. Medo de que Maria realmente não voltasse.

Nem ele, nem os filhos, já com mais de dezoito anos, sabiam fazer nada dentro de casa. Não sabiam sequer preparar um mísero café.

                         

COPYRIGHT(©) 2022