Capítulo 2 CAPITULO 1

Havia começado as chuvas de outubro em City Mallory, tudo era frio com um aroma gostoso de barro molhado que emanava de todos os lados. Contudo esta era a época do ano que eu mais gostava, já que o frio e as chuvas nos prendiam em casa, junto da lareira que nos aquecia, enquanto jogávamos alguns jogos de tabuleiro.

Mas este inverno foi diferente.

Era uma noite fria de domingo e por volta das dezenove horas e trinta e cinco da noite, uma chuva violenta banhava a cidade, junto dos relâmpagos e trovões que cortavam o céu soando alto. Minha mãe na cozinha prepara o jantar, enquanto que eu mexia no celular me entretendo em alguns vídeos no YouTube.

- Filha, para de mexer nesse celular, está trovejando muito! - Mamãe me alerta da cozinha - Estes aparelhos eletrônicos são um xamã para eletricidade!.

Reviro os olhos, achando a constatação dela ridícula, logo aumentando o volume do meu aparelho. Entretanto, assim que meu pai passou pela porta de casa um trovão alto soou lá fora, assustando-me, e a ele que fechou a porta com uma certa urgência, atrapalhado pelo clarão.

Sorrir, sem emitir som algum. Já que a cena tinha sido bem engraçada e papai sendo um homem alto com um físico forte não deveria ter medo de trovões, ao menos, era isso que eu pensava como uma boa adolescente. Por fim, ele largou sua bolsa que eu chamava de boroca e o guarda-chuva próximo a porta, dando um longo suspiro, demonstrando seu cansaço ao massagear sua temporã.

Então, pauso a música que tocava. Somente para ouvir o tom de voz do meu pai. Enquanto esperava ansiosa ele me notar ali sentada desconfortavelmente no sofá. Algo que não teve demora e assim que seus olhos azuis vasculham a sala ao me notar ali, sorriu mostrando os dentes bem alinhados e brancos.

- Docinho!

Suspirou novamente, desta vez fechando os olhos por apenas alguns minutos e logo fitando-me com seus grandes e lindos olhos azuis.

- Tudo bem, pai?.

- Claro que sim... bonequinha! - Alegou com seu tom francês carregado. Sinal que estava mentindo, mas eu nunca discutiria sobre isso.

Entretanto, papai soltou uma risada sonora e gostosa que até vibrou. Pisquei os olhos e franzi o cenho quando percebi que ele tinha me chamado pelo apelido que o tio Francis, irmão gêmeo dele, me deu. Cruzei os braços. Nunca gostei de ser chamada de bonequinha, faz com que eu seja frágil e manipulável. Logo após, retirei os fones de meus ouvidos fingindo uma risada sem humor, enquanto que os braços fortes do papai circulavam meu corpo e carinhosamente beijava minha testa ao me soltar.

Meu pai estava apenas tirando uma com a minha cara, enquanto que uma expressão preocupada era nítida no rosto dele. Mas, seu humor era expresso em cada palavra, me deixando bem animada.

- Como está indo no colégio?

Meu sorriso morreu com a pergunta. Apenas olho para a tela do celular que estava em tela de descanso antes de ficar totalmente escuro e disse:

- Vou bem!

Eu sabia que não era bem a resposta que o papai esperava. Então, ele continua até atingir o real ponto da questão.

- Os filhos do Nathan Dürer, pararam de mexer com você?.

Sacudir a cabeça negando. Sabia muito bem que não adiantaria mentir para ele, como também não iria adiantar reclamar, pois esta situação nunca mudará a não ser que eles parem. Então, apenas mudo de assunto antes que pergunte mais sobre os filhos de um dos chefes dele.

- Como foi no trabalho, hoje? - Perguntei sobre o assunto que ele não gosta muito de comentar comigo. Então ele riu e jogou a cabeça para trás.

Papai, sabia que eu estava fugindo, mas assim como eu não iria discutir.

- Como todos os dias! - Respondeu tocando no meu nariz e sem responder exatamente a pergunta. - Vou tomar banho para nós jantarmos! - Exclama após ter ficado alguns minutos calado me fitando.

Sacudir a cabeça ao afirmar um "tudo bem".

- *Mon bel amour! - Diz em francês, dando leve tapinhas em meu ombros e por fim beijar minha testa carinhosamente.

Então levantou, espreguiçando-se. Subiu os degraus da escadaria assobiando sua música favorita. Sorri, voltando a mexer no celular, mas, mais um trovão cortou o céu e o susto me fez gritar e jogar o aparelho sobre o sofá, que caiu no chão. Ouvir a risada do meu pai de longe. E logo minha mãe apareceu na porta, assustada com a mão no peito.

- Eu te falei para largar este celular! - Ralhou.

Porém, acabamos rindo.

Logo depois do susto, subi para meu quarto e tomei um banho morno e assim que vesti uma roupa confortável e quente. Embolei meu cabelo em um coque e só então desci os degraus da escada e caminhei até a cozinha em passos lentos e leves. Entretanto, as risadas encheram meus tímpanos e sorriram também sem nem mesmo perceber.

- Para, Léo! - Exclamou mamãe, dando um leve tapa no ombro dele, totalmente corada. Papai se afastou alguns centímetros e sorriu ao beijá-la nos lábios suavemente. Enquanto que eu reviro os olhos escorada no batente da porta com os braços cruzados. Assistir esse ato meio genuíno, fez-me cogitar que os dois são um casal até fofos e ainda sentir um embrulho na boca do estômago.

Meu pai é um francês muito bonito, mas minha mãe é uma mexicana de cor parda, olhos levemente puxados castanhos acinzentados, cabelos negros e lisos que gosta de manter-los acima dos ombros, com uma franjinha alguns centímetros acima das sobrancelhas finas e bem desenhadas. Porém ela é mais sensata e séria do papai que, é um brincalhão nato.

Assim que ela nota minha presença no recinto, limpou a garganta e sacudiu a cabeça em minha direção. Fingir que não viu nada e papai riu, roubando mais um beijo dela que sorriu de leve corada.

- Venha, mi hija vamos jantar!? - Diz ao desvencilhar dos braços do pai que sorriu .

Por fim, sentamos à mesa. Papai fez a oração de agradecimento, já que a mamãe é muito religiosa. No entanto durante o jantar mamãe e eu falávamos sobre o acampamento de dança da senhora Madison, das diversões, das pessoas, porém papai estava distante e muito distraído, apenas confirmava com a cabeça e sorria algumas vezes, entretido em algo que estava infringindo-o.

- Me ouviu, pai?.

Eu tive que perguntar. Pois percebi que ele não estava prestando atenção no que eu falava. Então ele parou o garfo cheia de lasanha no ar e me olhou confuso ao piscar os olhos e franziu a testa.

- An? - Diz ao passar a mão livre em seus fios negros, levemente ondulados como os meus meus que caiu sobre seus olhos. - Desculpe, docinho, estava distraído.

- Tá tudo bem? Mesmo?

- Sim, querida, está! Só estou cansado. O trabalho hoje foi bem estressante, com estas chuvas.... E fim! Sobre o que falava? - Sorriu, levando a comida até a boca me olhando.

- Sobre o acampamento de dança deste ano! - Cometo eufórica. - Não tenho dúvida que será melhor que do ano passado.

Ele suspirou profundamente e novamente deslizou os dedos sobre seus fios negros jogando-os para trás e me olhou incerto ao premeditar antes de falar:

- Angeline, precisamos conversar!

Sua voz vacilou, mas ele estava tão sério que até mamãe se remexeu na cadeira desconfortável e me olhou com uma expressão que não conseguia decifrar. Sinal que nem ela mesma sabia de que assunto ele iria tratar comigo, deixando-me nervosa.

- Claro, pai! - Sorri de leve.

- Filha, este ano você não irá pro acampamento como promete! E...

- Como não? - Ele foi direto e eu o cortei de surpresa. - O senhor prometeu que se eu tirasse as melhores notas poderia ir. E que eu já estava escrita!

- Não te escrevi, Angie! - Admitiu e sentiu os meus olhos encherem-se.

Acho que mamãe sentiu a tensão, pois ela fala assim que papai abriu a boca:

- Não tem problema, mi hija! Pelo menos este ano podemos acampar no jardim! - Ela sorriu para papai que largou o garfo sobre o prato. - Assim, minha Angie dançará para nós sobre o céu estrelado - Ela riu sonhadora e eu retribuir ao ver seus dedos frios tocarem a ponta do meu nariz.

- Desculpa, filha! - Disse papai num tom triste de voz, levantou-se e tentou beijar minha testa. Mas me afasto de seu toque. Ele suspira. - Estou muito cansado mesmo, irei dormir.

Minha mãe sendo mais sensata do que eu disse doce vendo que papai não estava bem.

- Tudo bem, querido! Boa noite.

Ele sorriu e virei o rosto de braços cruzados. Estava magoada, frustrada e triste. Então não quis olhá-lo, não com os olhos cheios de lágrimas prontas para cair. Mas ao ouvir suas passadas pesadas e ao subir os degraus senti meu coração arder. Mamãe soltou uma boa lufada de ar e sentiu seu olhar sobre mim, mas sabia que ela nunca falaria nada. Logo voltei a comer, enquanto as lágrimas desciam por minha bochechas, do qual tratei de limpá-la rapidamente com as costas da mão sem que ela veja ou meu orgulho e a raiva me consome.

Como ele pode ter mentido para mim, assim, como se nada o importasse.

                         

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