Selene se virou rapidamente. Astaroth estava encostado na estante, braços cruzados, a sombra do corpo projetada pelas velas.
- Onde você esteve? - ela perguntou, sentindo a garganta seca.
- Aqui mesmo. Observando. Refletindo. Tentando entender por que você ainda não fugiu.
- Eu pensei em fugir... - Ela se levantou devagar, ajeitando os cabelos. - Mas algo me prende. Algo que nem sei nomear.
Astaroth se aproximou devagar, os passos como os de um lobo em caçada.
- Isso se chama destino. E uma vez que se entrelaça com o desejo, não há amarras que o soltem.
- Você fala de destino como se fosse uma sentença. - Selene se aproximou dele, sem medo nos olhos. - Mas e se eu quiser escolher?
- E se sua escolha for justamente se perder em mim? - ele devolveu, inclinando a cabeça com um meio sorriso. - Você acha que resistir é liberdade, Selene. Mas às vezes, se render é o ato mais corajoso.
Ela sentiu um arrepio subir pela espinha, não de medo, mas de provocação. Havia algo na forma como ele falava... como se cada palavra dele tocasse uma corda em sua alma.
- Você diz essas coisas como se me conhecesse há séculos. - Ela cruzou os braços. - Isso me assusta.
- Talvez porque já tenha observado mil mulheres e nenhuma tenha me afetado como você. - Astaroth se aproximou mais. Agora estava perto o suficiente para ela sentir o calor da pele dele, o brilho hipnotizante dos olhos. - Você é feita de fogo, Selene. E eu? Eu sou condenado a queimar.
Por um momento, o silêncio os envolveu como uma bolha. O coração dela batia rápido, e as palavras se perderam em sua garganta.
- Astaroth... o que é você, de verdade?
Ele sorriu, mas dessa vez sem malícia. Era um sorriso carregado de memórias e dor.
- Já fui anjo. Já fui homem. Já fui monstro. Hoje... sou um eco do que restou. Mas quando estou com você... sinto como se ainda pudesse ser algo mais.
Selene estendeu a mão e tocou o rosto dele. Sua pele era quente, pulsante... viva. Não era como ela imaginava um demônio. Era intensamente humano.
- Você sente mesmo... ou é só mais uma ilusão? - ela perguntou.
Ele fechou os olhos por um instante ao toque.
- Com você, tudo é real. Pela primeira vez em eras, eu sinto mais do que sede ou fúria. Eu sinto necessidade.
- De mim?
- Da sua verdade. Do seu toque. Do seu caos. - Ele segurou a mão dela e a levou aos lábios, roçando a pele com suavidade. - Mas também do que você pode despertar em mim... algo que nem o inferno conseguiu apagar.
Selene engoliu em seco. A respiração dela estava pesada, o corpo tenso, mas não de medo - de antecipação.
- E se isso tudo for um erro?
- Então queime comigo. Prefiro o erro mais intenso da minha existência do que mil anos de vazio.
Ela olhou nos olhos dele. Viu o abismo. Viu fogo. Viu solidão. Mas também viu o reflexo de si mesma. Pela primeira vez, ela não sentia que precisava se esconder.
- Fique, Astaroth - ela disse, com a voz firme.
- Estou preso a você agora. - Ele sorriu. - Não poderia partir mesmo que quisesse.
Ela se virou, andando até a lareira e se sentando sobre o tapete. Olhou o fogo, os olhos brilhando com o reflexo das chamas.
- Então me conte. Tudo. Desde o começo. Quem você era... o que fez... e por que caiu.
Astaroth se sentou ao lado dela. Por um instante, ele pareceu cansado. Muito mais velho do que sua aparência sugeria.
- Essa será uma longa história... - ele murmurou.
- Tenho a noite inteira - ela respondeu. - E quero conhecer cada parte sua. Mesmo as que você esconde.
A chama da lareira crepitava enquanto ele começava a falar. E Selene sabia, no fundo do peito, que aquele era apenas o início do mergulho em uma escuridão onde ela aprenderia a sentir... e talvez, amar.