A noite estava mergulhada em um silêncio espesso, quebrado apenas pelo estalar das chamas na lareira. Selene sentia-se estranhamente confortável ao lado de Astaroth, como se o calor da escuridão dele tivesse se fundido ao seu.
Ela o observava em silêncio, o rosto parcialmente iluminado pelas chamas, revelando feições que oscilavam entre o celestial e o demoníaco. Seus olhos, dourados como âmbar incandescente, fixavam-se no fogo, como se nele visse o reflexo do passado.
- Você quer saber quem eu fui? - ele começou, sem encará-la. - Um nome, no céu, não é apenas uma identidade. É um propósito. Um destino. O meu significava "o portador do saber". Fui conselheiro entre os celestiais... até fazer perguntas demais.
Selene aproximou-se mais, absorvendo cada palavra.
- E foi por isso que caiu?
- Sim. Mas não por questionar. Por desejar saber o que os humanos tinham de tão especial. Por invejar o que vocês sentem. - Ele finalmente a olhou. - Emoções puras. Dor real. Amor autêntico. Tudo o que nos foi negado em nome da obediência.
- Você desejava sentir?
- Ainda desejo. - Sua voz era baixa, mas carregada de intensidade. - E contigo... eu sinto. Pela primeira vez em milênios, meu peito aperta. Minha mente arde. Meus instintos rugem. Isso... é novo. Assustador. E viciante.
Selene desviou os olhos por um segundo, tentando conter o arrepio que percorreu seu corpo.
- Astaroth... você me assusta. Mas não da forma que imaginei. - Ela suspirou. - Você não parece um monstro.
Ele sorriu, mas havia dor em seus olhos.
- Os piores monstros são os que ainda lembram como ser homens. São os que sentem culpa, os que sonham, os que sangram sem parar. Eu carrego as cicatrizes de quem quis demais... e perdeu tudo.
- E agora? O que você quer de mim? - ela perguntou, firme.
- Quero que me permita existir ao seu lado. Nem como demônio, nem como homem. Apenas... como algo que sente por você o que nunca permitiu sentir por nenhuma outra alma.
O silêncio caiu como uma onda calma, pesada. As palavras de Astaroth pendiam no ar entre eles, como promessas que poderiam destruir ou redimir.
- Eu não sei se consigo - Selene murmurou. - Estou me afundando nisso e... parte de mim ama essa vertigem. Mas outra parte teme não voltar mais.
- Não quero que volte - ele disse, firme. - Quero que se transforme. Que abrace quem você realmente é. Você sente, Selene. Sente demais. E isso é sua força.
Ela o olhou fundo, como se buscasse sua própria alma refletida na dele.
- Então me prometa que não vai me destruir.
Ele tocou o rosto dela com a ponta dos dedos, um gesto de uma ternura quase impossível de imaginar vinda de um ser como ele.
- Eu sou destruição, Selene... mas por você, eu aprendo a conter meu caos. Não quero sua ruína. Quero seu grito mais sincero. Seu prazer mais puro. Sua confiança... mesmo que eu não mereça.
Ela fechou os olhos por um instante, inclinando o rosto contra a mão dele.
- Então me mostre. Aos poucos. Quem é você... quando não está escondido atrás das trevas.
Astaroth inclinou-se, e o beijo que selou não foi de luxúria selvagem, mas de reverência. Um encontro de almas quebradas, unidas não pela salvação... mas pela coragem de se encarar no abismo.
Naquele beijo, Selene sentiu que estava deixando algo para trás - talvez a última parte de si que ainda temia o que sentia. Porque amar o demônio era também amar o lado mais sombrio de si mesma.
E ela estava pronta.