Capítulo 2 A Casa dos Estranhos

A casa estava mais silenciosa do que parecia por fora. Não estava frio. Ainda não. Mas era tão organizado, tão exato, que Elias sentia que qualquer passo em falso poderia fazê-lo desmoronar.

Eles o receberam com educação comedida. Uma mulher vestida de cinza - nem jovem nem velha - o conduziu por um largo corredor acarpetado, sem dizer nada mais do que o necessário. Nem um olhar, nem um sorriso. Apenas "por aqui" e "espere aqui".

Renato desapareceu assim que eles cruzaram a porta da frente. Palavras precipitadas, um breve "obrigado" e uma promessa de "conversaremos novamente". Nada mais. Nem mesmo o nome dele novamente.

A porta do quarto fechou-se atrás dele com um clique suave, como se alguém estivesse selando algo.

Elias olhou ao redor do lugar. Madeira polida, uma cama grande, um abajur que emitia uma luz quente. Tudo tinha aquele brilho das coisas que não se tocam. Havia um espelho oval em frente à cama. Ele não se aproximou.

Ele sentou-se na beirada, sem se despir. Seus dedos percorreram o cobertor. Limpar. Gentil. Diferente.

Suas mãos tremiam.

Uma lembrança:

Você não consegue ouvir o mar, mas há o som.

Alguém anda descalço no chão de metal.

Uma luz piscante.

-Você tem que aprender a não olhar nos olhos.

Um homem. Voz rouca. Óculos escuros mesmo no escuro.

-Se você olhar para eles... eles tiram seu nome.

Elias se levantou de repente. Ele abriu a janela. Ele respirou o ar quente da noite como se fosse a única verdade que lhe restava.

Ele não sabia se era a lua ou a lâmpada do jardim, mas um flash o fez olhar para baixo. Alguém estava lá embaixo. Uma mulher. Não muito longe da porta traseira. Ela caminhava com determinação, como se não quisesse ser vista, mas também não estava completamente escondida. Ela estava vestida com roupas escuras e com o cabelo preso para trás. Ele parou, tirou um cigarro do casaco e acendeu-o.

Elias ficou parado, observando-a. Não por curiosidade. Para algo mais antigo. Reconhecimento. Como se eu já tivesse sonhado com aquela silhueta, com aquela maneira de manter a solidão.

A mulher olhou para cima. Só um segundo. Ele pareceu não perceber. Ou ele não queria. Então ele se virou e desapareceu entre as árvores do jardim.

Na manhã seguinte, Elias acordou com a certeza de que não havia dormido. Ele desceu as escadas, sem saber se deveria.

Na cozinha, a mulher de uniforme cinza o esperava com uma xícara na mão.

"O Sr. Altamirano o receberá em seu escritório", disse ele, sem ênfase, sem julgamento.

Ele lhe entregou uma camisa limpa. Branco.

-Tome um banho primeiro. Há lama até em seus pensamentos.

Ele não sorriu. Mas também não foi cruel. Como se ele entendesse... bem demais.

Gabinete do Renato – Meia hora depois

As paredes eram altas, a mesa imensa. Uma pintura abstrata estava pendurada ao fundo, e uma grande janela deixava entrar apenas a luz suficiente.

Renato estava parado, olhando para o celular. Ele olhou para cima quando Elias entrou, vestido com as roupas que haviam deixado para ele.

"Estou feliz em ver você de pé", ele disse.

Elias assentiu, com as mãos nos bolsos.

-Eu lhe ofereci uma oportunidade. Mas eu não quero caridade. Eu não dou nem peço - continuou Renato. Se você ficar aqui, você trabalhará. De baixo.

"Está tudo bem", disse Elias, com a voz quase um sussurro.

-Tenho uma empresa, Elias. Há armazéns, arquivos, tarefas ingratas. Você passará por todas as áreas. Eu não sou daqueles que cedem cargos.

-Não quero nada de graça.

Renato olhou para ele mais atentamente dessa vez. Algo no tom. Uma rebelião sem forma. Ele não era um garoto de rua. Não qualquer trabalhador. Eu tinha aprendido a ficar quieto, sim. Mas por trás do silêncio... havia história.

-Quantos anos você tem?

Elias hesitou.

-Não sei.

Um segundo de vazio. Renato escondeu com um leve movimento.

-Bom. Começando amanhã às seis. Eles levarão você de carro até o centro de logística.

Elias assentiu e se virou.

"Mais uma coisa", acrescentou Renato. Se alguém perguntar... diga que você foi recomendado por um velho amigo da família. Não é uma mentira completa.

Elias caminha pelo jardim ao anoitecer, como se quisesse memorizar o layout. De uma galeria distante, alguém o observa através das cortinas: olhos atentos, corpo imóvel. Vitória.

Ele não diz nada. Basta olhar para ele.

E ele, sem saber por quê, olha para cima, pouco antes que ela se esconda.

Uma batida de coração. Algo já começou.

            
            

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